Cofi Responde: A importância de uma visão crítica para lidar com as demandas da Lei de Alienação Parental

Publicado em 11/07/2024

A Lei de Alienação Parental (LAP), promulgada em 2010, tem o objetivo de coibir as situações em que um dos genitores procura afastar o outro da convivência com os filhos, seja por meio de campanha de desqualificação, seja dificultando o convívio ou utilizando outros meios.

No entanto, na prática, a normativa tem um marcado viés conservador e resgata terminologias como “diagnóstico”, “avaliação biopsicossocial” entre outras que não coadunam com o exercício profissional crítico de assistentes sociais. Por isso, o Conjunto CFESS-CRESS vem defendendo, há anos, a sua revogação.

No fazer profissional, a LAP se relaciona com o Serviço Social por meio da emissão de opiniões técnicas em processos judiciais em que há alegação de “alienação parental” e outras demandas que emergem na rede socioassistencial e de garantia de direitos que envolvem essa temática. 

Nesta edição do Cofi Responde, a Comissão de Orientação e Fiscalização do CRESS-MG destrincha a normativa a fim de subsidiar profissionais que atuem com estas demandas, contribuindo para reforçar que assistente social lida com as expressões da “questão social” que atravessam essas famílias e não com identificar possíveis conflitos, como prevê a lei, que visam patologizar as relações familiares.

 

1) Quais demandas são requisitadas a assistentes sociais em processos em que há alegação de alienação parental?

Desde a aprovação da Lei de Alienação Parental (12.318/2010), verificam-se solicitações de emissão de opiniões técnicas, normalmente por meio de relatórios e/ou pareceres sociais de trabalhadoras dos tribunais de justiça, mas também da rede socioassistencial e de garantia de direitos, a fim de “detectar”, diagnosticar, comprovar a possível alienação parental. 

Desta forma, o exercício profissional fica reduzido a informar, diagnosticar, buscar se pais e mães estão realizando a “desqualificação” da conduta do outro, se estão dificultando o exercício de autoridade parental do outro ou impedindo o “acesso” à convivência familiar, o que não condiz com nossas competências ou atribuições privativas.

É, portanto, preciso realizar o trabalho e elaborar os relatórios e pareceres na perspectiva de reconstruir o histórico de vida dessas famílias, suas relações, as condições concretas de vida, a relação com o sistema de proteção social público, trazendo à tona as expressões da “questão social”, objeto de trabalho profissional, que atravessam as famílias e não somente as relações familiares.

 

2) Como proceder diante desta demanda?

Considerando que a LAP se contrapõe diretamente aos princípios e valores fundantes do Projeto Ético-político do Serviço Social, precisamos acionar os fundamentos críticos que sustentam as dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa no exercício profissional.

Primeiro, é preciso um olhar crítico sobre o tema, que confronte as concepções idealizadas ou preconceituosas sobre famílias e sobre a possível alienação parental e “síndrome” de alienação parental, entendendo que ambos são conceitos sem respaldo científico e que partem de premissas equivocadas e que podem levar, no cotidiano do exercício profissional, à busca pelo diagnóstico e patologização.

Segundo, é preciso responder e ressignificar as demandas institucionais sem recorrer ao termo e às bases dessa legislação, com o objetivo de se abster da busca por “detectar” a “alienação parental”, seus supostos sintomas e estágios, reproduzindo no cotidiano, um trabalho classificatório, de pais e mães como “alienadoras” e “abusadores”, ancorados na emissão de juízos de valores.

Terceiro, destacamos que este posicionamento crítico em relação à lei não está negando que existam situações de violação de direito e abuso de autoridade parental, sejam elas cometidas por homens ou mulheres. E para construirmos respostas quando se trata dessas questões, podemos recorrer ao Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), a Lei Maria da Penha, entre outras legislações. 

Ao mesmo tempo, Rocha (2022a, p. 129) sinaliza que “o contexto familiar permeado pela existência de violência doméstica não pode ser considerado como mero ‘conflito familiar’, nem definido como ‘alienação parental”. Afinal, é preciso contextualizar a família em uma dinâmica maior, que fuja dos aspectos “privados”, considerando-a como contraditória e atravessada pelas expressões da “questão social”, a fim de não incorrermos em patologizar as relações familiares.

Nesse sentido, ao nos perguntarmos cotidianamente quem são as famílias atendidas por nós, considerando que elas estão passando por inúmeras transformações, compreendemos que as mudanças nas relações familiares, parentais – que leva a rompimentos conjugais, disputas e fragilidades de relações, são dinâmicas da própria realidade. 

Compreender as mudanças em curso na leitura dos processos que envolvem crianças e adolescentes é uma direção para pensar possibilidades de viabilizar o direito à convivência familiar e comunitária diante de novas configurações e também para além do foco nos genitores e genitoras. Assim, rompe-se com a ideia de que nosso objetivo profissional são as relações e conflitos familiares e “intrafamiliares”, mas, sim, as expressões da “questão social” que atravessam essas famílias.

 

3) A LAP resgata terminologias como “diagnóstico”, “avaliação biopsicossocial” entre outras que não coadunam com o exercício profissional crítico.  Porque não devo acioná-las no exercício profissional? 

Embora a lei de “alienação parental” não indique, de forma objetiva, a participação da e do assistente social, está subentendida a sua requisição como perita ou perito no artigo 5º, quando menciona a avaliação biopsicossocial:

Art. 5º Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial. § 1º O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor. § 2º A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental (BRASIL, 2010).

Dessa forma, além da previsão legal, dada a histórica atuação dessa categoria profissional nas demandas afetas às varas da família, especialmente nos casos altamente litigiosos, assistentes sociais também são nomeadas para realizar perícias em situações envolvendo acusações de “alienação parental”. Nesse sentido, é preciso retomar as reflexões em torno do termo “psicossocial” (biopsicossocial), já problematizado no âmbito da categoria profissional.

A elaboração de perícia ou laudo biopsicossocial não deve ser entendida como função, mas como demanda para o campo ou área de atuação em que, no seu interior, somos convocadas para emitir opinião técnica em matéria de Serviço Social. Nas demandas ‘biopsicossociais’, nosso objeto de trabalho são as expressões da “questão social”, fugindo da incorporação dessa terminologia como objeto ou objetivo do trabalho, que na verdade retoma a “tricotomia do Serviço Social de Caso, de Grupo e de Comunidade” (IAMAMOTO, 2009, p. 64).

A denominação psicossocial, no Serviço Social, remete a um viés individualizante e conservador, que desconsidera a totalidade da vida social. Conforme demonstra o CFESS (2020), a “avaliação psicossocial” é uma nomenclatura apreendida pela Psicologia Social. Todavia, o “psicossocial” não remete ao trabalho interdisciplinar entre Psicologia e Serviço Social. Nesse sentido, é mister considerar que o “psicossocial” e, nesta toada, o “biopsicossocial”, uma terminologia já superada pela profissão (CFESS, 2010).

É importante mencionar também a Resolução 569/2010, que veda a realização de atividade profissional associada a terapias e, ainda que a perícia em Serviço Social não se equipare à terapia individual ou familiar, que sob o ponto de vista do arcabouço teórico-metodológico se torna um importante referencial para fundamentar a posição técnica nas demandas envolvendo a identificação da “alienação parental”.

Não há na atuação profissional, a possibilidade de emitir diagnóstico sobre a “alienação parental”, cuja lei afirma se tratar de “interferência na formação psicológica de crianças e adolescentes”. 

A resolução assegura o trabalho de assistentes sociais junto a indivíduos, grupos, comunidades e famílias, desde que não seja para fins de tratar causas ou sintomas de ordem psíquica ou psicossomática, bem como atuar com fins medicinais, curativos e psicológicos. Trazer este aspecto é fundamental porque, como já enfatizado, não há na atuação profissional, a possibilidade de emitir diagnóstico sobre a “alienação parental”, cuja lei afirma se tratar de “interferência na formação psicológica de crianças e adolescentes”. 

Da mesma forma, de acordo com o Projeto Ético-político da profissão, não há a possibilidade, enquanto assistentes sociais, de emitirmos diagnósticos de tal natureza quando se tratam de atos de “alienação parental” (ROCHA, 2022a; 2022b). Isso não significa que a ou o profissional não possa ou deva atuar em situação envolvendo litígio e que seja nomeada, pelo Direito, como “alienação parental”.

As situações classificadas como “alienação parental” não podem ser reduzidas a um mero diagnóstico com vistas à punição de pais e mães, se resumindo a posição simplista e maniqueísta de “é ou não é” alienadora. Se há quem defenda que “alienação parental” é a vingança de pais e mães contra o outro genitor que busca fortalecer vínculos parentais com as filhas e filhos, em que sentido as e os peritos devem opinar “diagnosticando atos alienantes”?

Se assumirmos o biopsicossocial como objeto ou objetivo do exercício profissional, corremos o risco de desconstruir um trabalho junto às famílias voltado para processos de restauração e revitalização das “possíveis crises familiares e usar instrumentais técnico-operativos com perspectiva de diagnóstico pode remeter a práticas psicologizantes, que não coadunam com o Projeto Ético-político.

Portanto, é preciso enfrentar tendências que buscam reduzir antagonismos e agregar a estabilização emocional que a LAP pode alimentar, atualizando, no âmbito do exercício profissional, a indução comportamental e a transformação pessoal como objetivo do trabalho.

 

4) Por que o Conjunto CFESS-CRESS defende a revogação da lei? 

A direção do Projeto Ético-político confronta com as imposições da Lei de Alienação Parental, seus fundamentos, bem como com a suposta Síndrome de Alienação Parental, que se tornam uma “armadilha” que tenta encobrir a tendência patologizante que a lei tem sobre as relações familiares e das pessoas que têm as suas vidas judicializadas, reproduzindo em suma maioria, violências contra as mulheres, crianças e adolescentes, na contramão da proteção integral.

Além disso, o CFESS está presente em diversos espaços coletivos que contribuem para a proteção integral das infâncias e adolescências e, com sua função de orientar a categoria profissional, já indica desde 2018 as polêmicas acerca da “alienação parental” quando debatia, por exemplo, a escuta de crianças e adolescentes e o depoimento especial, quando essa temática foi incluída no rol de situações de violência que deveriam ser submetidas à metodologia.

É importante lembrar que em 2022, pretendendo uma aproximação maior desse debate junto à categoria de assistentes sociais, o CFESS organizou matéria sobre as polêmicas em torno da LAP e um debate virtual com o tema “Serviço Social e a crítica à Lei de Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010)” que vale a pena ser retomado no cotidiano profissional.

Portanto,  em consonância com os movimentos sociais, coletivos, lutas feministas, principalmente de mulheres-mães como o Coletivo de Proteção à Infância – Voz materna e o Coletivo Mães na Luta, órgãos como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), o CRESS-MG se soma à luta pela revogação da lei por entender que a normativa tem prejudicado os direitos das crianças, adolescentes e das mulheres, e que no Brasil já temos legislações que dão possibilidade de proteção a estes grupos como o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e a Lei Maria da Penha, entre outras. 

Essa e outras matérias estão na mais nova edição do Boletim On-line do CRESS-MG, o Conexão Geraes. Confira!

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