Publicado em 26/06/2014
Conselheira Solange Moreira (acima) é uma das representantes do CFESS no Conad, juntamente com a a assistente social e professora da Ufes, Fabíola Leal (foto: Diogo Adjuto)
O Dia Mundial de Combate ao Abuso e Tráfico Ilícito de Drogas (26 de junho) é uma data definida pela Organização das Nações Unidas (ONU) na assembleia geral de 1987. E no Brasil, em meio à Copa do Mundo de Futebol, as ações do governo em relação à questão das drogas, especialmente nas cidades-sede do campeonato, seguem firmes e, muitas vezes, marcadas pelas graves violações de direitos humanos.
O tema está na agenda do Conjunto CFESS-CRESS, que deliberou, no 42º Encontro Nacional CFESS-CRESS, realizado em Recife (PE) em 2013, por "reafirmar posicionamento contrário à internação e ao acolhimento involuntário e compulsório/involuntário e a todos os projetos de lei – PLs – que reforçam e ampliam medidas proibicionistas, medicalizantes e punitivas de usuários de drogas na perspectiva da violação de direitos e privação de liberdade, reforçando a luta dos movimentos sociais em defesa dos direitos humanos", conforme texto da deliberação nº 22 do eixo Ética e Direitos Humanos.
Por isso, o Conselho Federal entrevistou as assistentes sociais Solange Moreira (conselheira do CFESS) e Fabíola Leal, ambas representantes do CFESS no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad). O objetivo foi informar à categoria e à sociedade a realidade que caracteriza a política sobre drogas no Brasil hoje, bem como ampliar o debate sobre o exercício profissional de assistentes sociais que atuam nesse espaço em várias partes do país. Confira abaixo:
CFESS – Neste dia 26 de junho, em meio à Copa do Mundo de 2014, qual avaliação se pode fazer sobre como têm se dado as ações do Estado em relação às pessoas usuárias de drogas?
Solange Moreira – O Estado Brasileiro vem retirando estas pessoas das ruas; nos últimos dias, tivemos notícias de superlotação de abrigos públicos. No Rio de Janeiro, uma das cidades-sede da Copa do Mundo, um único abrigo da prefeitura aumentou significativamente seu número de moradores/as, apesar de um acordo feito com o Ministério Público. Contudo, esta não tem sido uma realidade somente no Rio de Janeiro. Historicamente, a população de rua e, em especial a população que consome álcool e outras drogas, têm sido as mais afetadas com a política de higienização das cidades.
CFESS – O recolhimento das pessoas usuárias que vivem nas ruas resolve o problema? Que estratégias são mais eficazes?
Fabíola Leal – O consumo de álcool e outras drogas é um problema complexo, seu enfrentamento requer várias ações, que englobam várias políticas públicas e sociais. Portanto, o recolhimento compulsório de crianças e adultos em situação de rua, além de ferir o direito à liberdade e à autonomia do indivíduo, não ataca o cerne do problema. Vários países têm enfrentado as demandas relacionadas ao consumo de drogas sob o ponto de vista da saúde pública e não do encarceramento ou obrigatoriedade de tratamento do/a usuário/a. Vários países que passaram e estão passando por processos democráticos de discussão e legalização da maconha, por exemplo, têm demonstrado que, além de construírem uma política de tratamento que garante às pessoas consumidoras de drogas locais adequados para tratar suas demandas, também apresentam impactos importantes na redução da violência.
CFESS – Por que as comunidades terapêuticas, crescentes no Brasil, não são a melhor saída?
Solange Moreira – Porque em nosso sistema de saúde há locais para tratamento de pessoas que consomem álcool e outras drogas e apresentam demandas para tratamento. Cabe ressaltar que nem todos as pessoas que consomem drogas necessitam de tratamento, mas, para aquelas que necessitam, há um centro especializado, que são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS AD). Nesses espaços, as pessoas podem ser acompanhadas ambulatorialmente, para tratar de seus problemas com consumo de drogas e, quando necessário, são encaminhadas para a internação. Contudo, a partir do lançamento, pelo governo federal, do Programa “Crack, é possível vencer”, o governo passou a investir seus recursos nas comunidades terapêuticas, que sempre existiram, mas não tinham financiamento público. As comunidades terapêuticas são geridas, em sua grande maioria, por entidades religiosas, as quais acreditam que o tratamento para pessoas que consomem de álcool e outras drogas somente é efetivo com abstinência total das drogas. Em muitos estados brasileiros, esse tem sido o único recurso na área, devido à lógica que está posta na Política sobre Drogas atualmente. Já o trabalho realizado nos CAPS AD assenta-se na tomada de responsabilidade do sujeito pelo seu uso de drogas, incluindo-o na construção do seu projeto terapêutico, buscando compreender qual o lugar a droga ocupa na vida do sujeito e como ele poderia ampliar suas possibilidades de vida para além do consumo da droga.
CFESS – Existem assistentes sociais atuando nesse processo? Qual o posicionamento do Conjunto CFESS-CRESS em relação ao trabalho de assistentes sociais nessas situações, em que há graves violações de direitos?
Solange Moreira – Sim, existem assistentes sociais em muitos dos locais que atendem dependentes químicos/as, sejam os privados (clínicas e hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas religiosas ou não, serviços ambulatoriais) ou públicos (CAPS, hospitais gerais, hospitais psiquiátricos, serviços ambulatoriais). Sobre esses espaços de atuação profissional, o Conjunto CFESS-CRESS reforça que o direcionamento da ação deve ser o direcionamento ético-político da profissão, ou seja, o profissional deve nortear seus processos de trabalho a partir dos princípios e diretrizes já consolidados. Não deve haver conivência e compactuação com violações de direitos, principalmente. Devemos nos atentar para alguns aspectos, como: as internações compulsórias, a retirada de crianças de mães que consomem principalmente o crack e o abrigamento dessas crianças em serviços do Sistema Único de Assistência Social (Suas), tipo de tratamento oferecido que, muitas vezes, força o indivíduo à abstinência compulsória; as estruturas dos locais de atendimento e internação, a lógica de confinamento presente principalmente nas comunidades terapêuticas religiosas, a participação da família nos processos de tratamento, o ‘patrulhamento e monitoramento’ que é demandado sobre os indivíduos internados, o controle excessivo sobre os comportamentos dos indivíduos e suas famílias em tratamento, os reais objetivos das visitas domiciliares realizadas, a necessidade de aprofundar a discussão sobre a política de redução de danos, proposta pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a questão da religião presente em muitos espaços de tratamento e muitas vezes imposta aos indivíduos em tratamento, entre outros aspectos.
CFESS – Sabemos que, diante das limitações de algumas entidades empregadoras (sejam de ordem técnica, trabalhista ou institucional), a atuação do serviço social, de acordo com os princípios do projeto ético-político profissional, em muitos casos fica comprometida. Como agir nesse momento?
Fabíola Leal – O Código de Ética Profissional é um norteador das nossas ações profissionais, cabe-nos, no exercício profissional, criar estratégias para que estes princípios sejam efetivados. Contudo, temos a clareza de que o cenário sócio-histórico em que estamos atuando não nos propicia executar esta tarefa com facilidade; entretanto, quando temos clareza dos objetivos que queremos alcançar, podemos recorrer a vários recursos institucionais, tais como nossas leis, sejam elas trabalhistas ou sociais, além das resoluções profissionais, criadas pelos CRESS e pelo CFESS, que fortalecem e direcionam um exercício profissional crítico e de qualidade, em consonância com nossos princípios e valores. A defesa do projeto ético-político profissional não é uma tarefa fácil, mas é necessária.
CFESS – De que forma a categoria pode se contrapor às posições conservadoras dentro do próprio serviço social, e desmistificar argumentos da grande mídia?
Fabíola Leal – A categoria deve se aliar aos movimentos sociais e organizações coletivas que militam na área de saúde, defesa de direitos humanos e na área de drogas, entre outras. A defesa de outra Política de Drogas brasileira, que faça um contraponto à atual, é algo que nos demanda a articulação e participação em Frentes, Fóruns e demais organizações por todo o território brasileiro. Defender e propor uma perspectiva que valorize a redução de danos como princípio norteador das nossas intervenções e a legalização das drogas e descriminalização das pessoas que consomem drogas na atualidade devem ser as bandeiras de lutas das/os assistentes sociais defensoras/es do projeto ético-político profissional. Somente coletivamente conseguiremos fazer os enfrentamentos necessários nesse cenário extremamente desafiador.
CFESS – As Comissões de Orientação e Fiscalização Profissional (Cofi) dos CRESS podem contribuir com a categoria nessa atuação? Como o assistente social pode buscar esse apoio?
Solange Moreira – As Cofi podem e devem contribuir com esse debate. Essas comissões, ao discutirem o exercício profissional e todas as demandas que dele advêm, têm condições de propor alternativas conjuntas para a atuação profissional, orientar, além de exercer, com a presença de profissionais, a fiscalização nos locais que apresentem indícios de violações dos princípios da profissão. O CFESS convoca todos os CRESS e suas respectivas Cofi para discutirem, em âmbito local, a atuação nos espaços de tratamento e prevenção, além dos demais espaços integrantes da rede de atenção que contam com a presença do serviço social (como o judiciário, o Suas, a educação, etc.). Considerando a crescente requisição das/os assistentes sociais para atuarem na área de drogas, torna-se necessária e urgente a permanência da discussão acerca dos processos de trabalho nos espaços variados e a reafirmação das diretrizes e orientações presentes nos diversos subsídios publicados pelo Conjunto CFESS-CRESS, com destaque para os Parâmetros de Atuação de Assistentes Sociais na Política de Saúde.
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Fonte: CFESS
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