Nota da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde
Publicado em 08/01/2016
Entre os dias 01 e 04 de dezembro de 2015 ocorreu em Brasília a 15ª Conferência Nacional de Saúde (CNS). Este período concentrou os esforços de milhares de conselheiros, usuário do Sistema Único de Saúde (SUS), trabalhadores do setor, gestores, instituições, entidades e militantes da área que, desde o início do ano, vinham trabalhando na construção de propostas que orientassem os rumos da política de saúde em nosso país.
Apesar de todo empenho de delegados, observadores e convidados que participaram em cada uma ou em todas suas etapas, percebeu-se que as discussões sobre os problemas pelos quais passa o setor saúde no país não foram aprofundadas na justa medida exigida pelo processo de desmonte do SUS, ora em curso.
Questões importantes envolvidas com a defesa intransigente do direito à saúde foram tratadas de maneira superficial, apesar de manifestas na fala da quase totalidade dos participantes e presente no Relatório Base da 15ª CNS: garantia de condições de acesso a serviços de qualidade; integralidade na assistência; condições de trabalhos compatíveis com o respeito a usuários e profissionais do setor; salários dignos aos trabalhadores da área, inerentes às responsabilidades envolvidas no desempenho de suas funções; combate ao processo de sub e desfinanciamento do SUS e rechaço aos processos de privatização do setor.
Em seu lugar, prevaleceu uma “burocratização” da Conferência. A ausência de discussão de seu regulamento dificultou o entendimento da dinâmica a ser adotada nos grupos e na plenária final; a celeridade nas discussões esvaziou seu conteúdo; o processo de votação eletrônico prejudicou o debate nos grupo de trabalho e escamoteou as contradições. Estes elementos romperam com o rito que consagrava o espaço da conferência como uma verdadeira arena de debates, contribuindo não só para a problematização da política de saúde do país como também para o avanço no processo de tomada de consciência e de organização das lutas dos trabalhadores por seus direitos.
Não bastassem essas questões, a conjuntura e a forma como a Conferência foi tratada por parte da Comissão Organizadora da 15ª CNS e por membros do Conselho Nacional de Saúde também contribuiu negativamente com todo o processo já eivado de problemas.
A partir do anúncio da aceitação de um dos pedidos de impeachment da presidente Dilma Rousseff pelo presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, ocorrido na noite do dia 02 de dezembro, a 15ª CNS tornou-se o apêndice de uma disputa que nada tem a ver com a defesa do direito à saúde e os interesses da classe trabalhadora, haja vista os inúmeros ataques ao já combalido Sistema Único de Saúde e aos trabalhadores deste país, durante o ano de 2015.
Com a justificativa da defesa da normalidade constitucional e do processo democrático do país, a despeito da ausência de debates entre os participantes sobre a situação posta, bem como consulta ao plenário para a suspensão dos trabalhos da conferência, esta decisão foi tomada por parte da Comissão Organizadora e por membros do Conselho Nacional de Saúde diante da perspectiva da presença da presidente Dilma Rousseff na conferência. O processo de discussão que se arrastava foi substituído pela polarização intencional que grassa a sociedade brasileira nos dias de hoje, com a finalidade de afastar a classe trabalhadora brasileira da discussão dos motivos reais da crise que se encontram no modelo econômico concentrador e submisso aos interesses do capital financeiro.
“Fora Cunha” e “Fica Dilma” foram as palavras de ordem. O “espetáculo da democracia” se resumiu nas manifestações de apoio à presidente, sem nenhum debate ou criticidade aos rumos da política de saúde em seu governo que apresenta fortes marcas de vinculação com os interesses do mercado (entrada do capital estrangeiro na área da saúde; corte de recursos do setor; conivência e protagonismo com relação aos processos de privatização, haja vista o desmonte da rede de hospitais universitários pela criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares; focalização das políticas assistenciais; entre outros).
A presença da autoridade máxima do país em espaços de controle social para debater os rumos das políticas públicas deve fazer parte da agenda de todo governante. Condenável é o aparelhamento destes espaços que os resumem a um simples palanque para o exercício de uma política populista que só contribui com o apassivamento da luta da classe trabalhadora.
Tendo como horizonte a construção de um projeto de orientação classista, a Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde (FNCPS), através de seus fóruns municipais e estaduais, participou ativamente de todas as etapas das conferências de saúde, o que se evidencia pela presença de inúmeras propostas formuladas e defendidas pela Frente no Relatório Nacional consolidado da Etapa Estadual e apresentado para discussão dos grupos na 15ª Conferência Nacional de Saúde. Outro aspecto a ser ressaltado é a expressiva subscrição de 1.343 delegados participantes da conferência na moção proposta pela Frente, aprovada pela maioria do plenário, sendo a moção com maior número de assinaturas.
Estão claros os desafios que se apresentam para a FNCPS e para todos os lutadores que defendem o SUS. A partir particularmente da eleição de Dilma e da edição da 14ª Conferência Nacional de Saúde, foi estabelecida uma aliança tácita entre o governo e o Conselho Nacional de Saúde, que não somente tem limitado sua atuação a defesa de bandeiras genéricas que são de certa forma sintonizadas com os próprios interesses do governo, mas também tem consolidado o flagrante e reiterado descumprimento das deliberações e transformado as conferências em mero cumprimento de uma formalidade burocrática com graves repercussões em todo o país, nos conselhos e conferências municipais e estaduais de saúde.
Conseguir êxito nesse embate ideológico exige da parte da Frente e de seus integrantes em todo o país, uma contínua e crescente capacidade de organização e uma atuação cada vez mais direta e qualificada com inserção em todos os espaços constituídos, institucionalizados ou não, de modo a resgatar a autonomia e independência do controle social e a sua capacidade de resistência, intervenção e definição de proposições na defesa da saúde e do SUS.
Apesar de todos os problemas ressaltados, seguimos acreditando na participação social, na luta dos trabalhadores em defesa do SUS e nos embates com vistas à superação da sociedade capitalista, o que pressupõe a defesa de uma sociedade justa, plena de vida, sem discriminação de gênero, etnia, raça, orientação sexual e sem divisão de classes sociais!
Frente Nacional contra a Privatização da Saúde
EM DEFESA DO SUS!
Os delegados presentes na 15ª Conferência Nacional de Saúde decidem por manifestar publicamente seu apoio a presente moção, apresentada pela Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde:
– Defesa incondicional do Sistema Único de Saúde (SUS) público, 100% estatal, universal e de qualidade sob a gestão direta do Estado;
– Eliminação de todos os chamados “novos” Modelos de Gestão (Organizações Sociais, Fundações Estatais de Direito Privado, Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, Instituto de Saúde Indígena e Parcerias Público-Privadas);
– Contra os cortes do orçamento na saúde;
– Revisão dos fatores restritivos para custeio e investimentos em saúde (Lei de Responsabilidade Fiscal; Desvinculação das Receitas da União e dos Estados – DRU e DRE; e EC 86/15 do orçamento impositivo);
– Extinção dos subsídios públicos aos Planos Privados de Saúde;
– Contra a entrada do capital internacional na saúde, pela revogação da Lei nº 13.097/2015;
– Defesa de concursos públicos pelo RJU e da carreira pública de Estado para pessoal do SUS e contra todas as formas de precarização do trabalho;
– Contra a PEC 451/2014 que afronta a Constituição Federal por tornar obrigatório as empresas contratar plano de saúde ao trabalhador, pago com benefício fiscal;
– Defesa da integralidade da assistência à saúde, através do fortalecimento da atenção básica com retaguarda na média e alta complexidade com rede própria do SUS;
– Respeito e cumprimento às deliberações dos Conselhos e das Conferências de Saúde;
– Pela imediata Auditoria Cidadã da Dívida Pública, que drena recursos das políticas públicas para o Sistema da Dívida.