Luta antimanicomial é lembrada no Dia Mundial da Saúde Mental

Publicado em 10/10/2017

Nas últimas décadas, houve um avanço significativo na maneira em que são concebidas as políticas públicas de Saúde Mental no Brasil e muito disso se deve aos movimentos iniciados entre as décadas de 1960 e 1980, conhecidos como Reforma Psiquiátrica e Movimento da Luta Antimanicomial. A onda de conservadorismo que assola a sociedade, refletido, por exemplo, nas medidas tomadas pelo atual – e ilegítimo – governo de Michel Temer, põe em jogo a perspectiva antimanicomial da Saúde Mental.

Hoje, Dia Mundial da Saúde Mental, o CRESS-MG propõe uma reflexão sobre o papel do Serviço Social na luta por uma sociedade em que são garantidos os direitos das pessoas em sofrimento mental. Para isso, convidamos a assistente social Rachel Gouveia, professora na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e militante do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial (MNLA) e do Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial do Rio de Janeiro (NEMLA/RJ).

Manicômios e o capital

O manicômio existe há mais de 200 anos e representa mais do que um modelo assistencial, pois vincula-se às estratégias de dominação e reprodução do capitalismo. Com os anos, essa instituição sofreu inúmeras metamorfoses ultrapassando, inclusive, as paredes institucionais, afirma Rachel.

“O ‘manicômio social’ está enraizado nas relações sociais e encontra-se mais vivo do que nunca! A Reforma Psiquiátrica brasileira, enquanto política pública, conseguiu avançar e se constituir através da estratégia da desinstitucionalização e com a implementação dos serviços substitutivos. Entretanto, a atualização do pensamento e da lógica manicomial ainda estão presentes no cotidiano.”

Para a professora e militante, é de extrema importância sinalizar que a Luta Antimanicomial não traz consigo uma mera reforma assistencial em Saúde Mental, mas expressa em sua natureza um projeto societário de transformação. A luta “por uma sociedade sem manicômios” coloca-se contrária às desigualdades de classe, gênero, raça/etnia e a favor da superação da propriedade privada. A partir disso, é possível compreender que mesmo com a extinção do hospício como modelo assistencial, as expressões do “manicômio social” continuarão a existir.

Esse ano estamos, com o aniversário de 30 anos do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, Rachel pontua que “retomar as bases que constituíram esse movimento torna-se fundamental para conseguirmos avançar não só na defesa de uma política pública, mas acima de tudo, seguirmos na direção da transformação societária”.

Contribuições do Serviço Social

A participação do Serviço Social na Reforma Psiquiátrica deu-se com a presença de profissionais nas bases da militância do movimento da luta antimanicomial. De acordo com a professora, apesar de a historiografia da categoria demonstrar que a profissão nas décadas de 1980 e 1990 vivenciava um processo de maturidade e fortalecimento do projeto ético-político profissional, não se pode deixar de registrar que as e os assistentes sociais estiveram e continuam presentes na constituição da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial.

É importante assinalar que Reforma Psiquiátrica não é a mesma coisa que Luta Antimanicomial. No próprio processo de construção da experiência brasileira, pontua Rachel, podem ser identificadas forças conservadoras da psiquiatria tradicional que defendem a reorganização dos serviços em Saúde Mental. Inclusive entre as e os “antimanicomiais” também há quem defenda a humanização e reorganização do hospício, o que nos convoca a reflexão e debates a todo instante: “Logo, temos disputas de projetos dentro do campo”, avalia.

Em relação à política de Saúde Mental, a contribuição do Serviço Social se faz presente desde a sua constituição como também pela implementação, consolidação e sua defesa, seja através da participação na gestão da política e dos serviços, como representantes nos Conselhos de Saúde, na mobilização das pessoas atendidas e seus familiares nos serviços, na criação de estratégias que proporcionem autonomia e emancipação política e na produção do cuidado em saúde mental em geral.

No que diz respeito a Luta Antimanicomial, Rachel assinala que a categoria traz uma grande contribuição quando recupera, junto ao campo da Atenção Psicossocial, uma leitura marxista da realidade: “As estratégias adotadas pelas percussoras e percursores dessa luta deram-se por meio da institucionalização das ações, o que levou ao esvaziamento das bases do movimento social. Ao suscitarmos questões no cotidiano do movimento tornou-se possível retomar as bases revolucionárias que foram “esquecidas” no avançar da política pública”.

“Há pontos comuns entre a Luta Antimanicomial e o projeto ético-político do Serviço Social e que estão vinculados a uma potencialidade revolucionária como a liberdade, a emancipação e os direitos humanos. Destaco que a predominância da análise da micropolítica e da estrutura subjetiva dos sujeitos – e que está em disputa – influenciou para um certo distanciamento do Serviço Social com a Saúde Mental e camuflou as contribuições da categoria na Luta Antimanicomial e na Reforma Psiquiátrica brasileira”, analisa.

Serviços substitutivos – Caps

A constituição dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) não é só um avanço assistencial como também altera o trato das e dos profissionais com o sujeito e a sua experiência de sofrimento psíquico. O Caps substitui o modelo assistencial, modificando o manicômio e suas bases de isolamento, internação, centralidade do poder e saber médico, e além de representar transformação jurídico-política (tem-se a mudança legislativa para a criação desses e outros serviços que constituem a Rede de Atenção Psicossocial), representa também uma mudança no processo de trabalho e na formação das e dos profissionais que, agora, podem alterar e interferir nas relações sociais e comunitárias, possibilitando algumas alterações de como a sociedade lida com o sofrimento-existência.

“A proposta é que os Caps sejam de base territorial e comunitária, viabilizando um cuidado em Saúde Mental que tenha a liberdade como valor central e a responsabilidade e o vínculo como estratégias potentes de transformação. Esses serviços devem produzir diálogo com a comunidade em que a pessoa com sofrimento mental esteja inserida, possibilitando o compartilhamento do cuidado em Saúde Mental entre indivíduo, família, comunidade e Estado”, destaca Rachel.

Infelizmente, há limitações na potencialidade desses serviços. Para a professora, devido ao desmonte dos serviços públicos e também pela redução de sua potencialidade por parte de algumas gestoras e gestores, os Caps estão cada vez mais “ambulatorizados” ou “encapsulados”: “Como eles se tornaram uma política pública nacional, tivemos a sua implementação nos diversos municípios, entretanto, nem todas as pessoas envolvidas são antimanicomiais ou aderem os princípios antimanicomiais, o que leva ao esvaziamento da essência da proposta”.

Histórico de avanços

A Reforma Psiquiátrica brasileira e a Luta Antimanicomial caminharam lado a lado do processo de democratização da sociedade brasileira. Constituiu-se como política pública já na gestão do governo Collor (1990-92) com a presença de Domingos Sávio na coordenação nacional. Consecutivamente houve outros coordenadores identificados como “antimanicomiais” na gestão da política nacional.

Nos anos 1990, ocorreu o fechamento de leitos psiquiátricos, o reordenamento do financiamento público para a mudança do modelo e a criação e a implantação dos novos serviços. Já no início dos anos 2000 representou a mudança da dimensão jurídico-política da Reforma Psiquiátrica brasileira. As legislações mais importantes foram conquistadas nessa primeira década, inclusive a Lei 10.216/2001 que redireciona o modelo assistencial.

A partir de 2010, torna-se intensa e expressiva a presença de uma nova geração de militantes antimanicomiais que ocupam os espaços de base dos movimentos, suscitando a ruptura com as estratégias tradicionais. É a partir desse momento que se reconfigura e retoma a direção central da luta antimanicomial. Uma nova geração que participa das jornadas de junho de 2013, dos mais diversos movimentos sociais e partidos políticos de esquerda, além de retomar uma formação marxista, passa a propor e a redirecionar as ações da luta antimanicomial. Portanto, o lema passa a ser: (Ainda) Por uma sociedade sem manicômios.

Projetos em disputa

Dentro do Movimento de Reforma Psiquiátrica, existem dois projetos em disputa, como esclarece Rachel: o primeiro diz respeito ao projeto de Reforma Psiquiátrica assentado na perspectiva radical da Luta Antimanicomial e no lema “Por uma sociedade sem manicômios”.

“Esse projeto pauta-se nos princípios defendidos na Carta de Bauru que expressam um projeto societário de transformação e não apenas em uma ‘reforma’ da assistência psiquiátrica. Já o segundo, diz respeito a uma Reforma Psiquiátrica Brasileira ‘simpática’ aos interesses do neoliberalismo e do grande capital. Tal projeto vem aceitando a implantação da Reforma Psiquiátrica Brasileira a qualquer custo”, explica.

De acordo com essa perspectiva, o segundo projeto vem sendo implantado, principalmente, através de parcerias público-privadas, seja com ONGs, Fundações ou Organizações Sociais. Além disso, houve a inserção das comunidades terapêuticas na Rede de Atenção Psicossocial (Raps), o engessamento da própria Rede de Cuidados, através do estabelecimento da portaria 3088/2011, que institui a Raps, a pouca expansão dos serviços substitutivos, destacando o não avanço das residências terapêuticas e também a precarização das formas contratuais e o engessamento do fechamento dos leitos psiquiátricos em todo o Brasil.

Devido a concessões e pactuações realizadas e pela ausência de crítica aos governos de Lula e Dilma, segundo a professora, vive-se uma severa ameaça de retomar com o modelo manicomial, devido às concessões e pactuações realizadas, sendo urgente retomar as bases antimanicomiais radicais pautadas pelo fim das opressões e explorações de gênero, raça/etnia e classe e também da propriedade privada.

Conheça mais sobre o CRESS-MG

Informações adicionais
Informações adicionais
Informações adicionais

SEDE: (31) 3527-7676 | cress@cress-mg.org.br

Rua Guajajaras, 410 - 11º andar. Centro. Belo Horizonte - MG. CEP 30180-912

Funcionamento: segunda a sexta, das 13h às 19h


SECCIONAL JUIZ DE FORA: (32) 3217-9186 | seccionaljuizdefora@cress-mg.org.br

Av. Barão do Rio Branco, 2595 - sala 1103/1104. Juiz de Fora - MG. CEP 36010-907

Funcionamento: segunda a sexta, das 13h às 19h


SECCIONAL MONTES CLAROS: (38) 3221-9358 | seccionalmontesclaros@cress-mg.org.br

Av. Coronel Prates, 376 - sala 301. Centro. Montes Claros - MG. CEP 39400-104

Funcionamento: segunda a sexta, das 13h às 19h


SECCIONAL UBERLÂNDIA: (34) 3236-3024 | seccionaluberlandia@cress-mg.org.br

Av. Afonso Pena, 547 - sala 101. Uberlândia - MG. CEP 38400-128

Funcionamento: segunda a sexta, das 13h às 19h