Na semana do Dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto, o STF retoma discussão sobre o tema e abre votação

Publicado em 28/09/2023

Há 33 anos, no contexto do 5º Encontro Feminista Latino-americano sediado na Argentina, foi estabelecido que no dia 28 de setembro seria comemorado o Dia Latino-americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto em defesa dos direitos reprodutivos, pela autonomia das mulheres e para a desnaturalização do papel de mãe na nossa sociedade patriarcal.

O debate sobre o aborto em todo o mundo é repleto de divergências e tabus, como temos acompanhado na última semana, no Brasil, diante da votação pela descriminalização da prática e suas repercussões no Supremo Tribunal Federal (STF). Valores morais e religiosos se sobressaem em relação à discussão do que realmente importa: a questão da saúde pública, já que legalizado ou não, milhares de mulheres se sujeitam ao procedimento todos os anos.

A última Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021, levantamento que ouviu duas mil mulheres em 125 municípios, mostra que, apesar de o procedimento induzido ser crime com penas previstas de um a três anos de detenção, uma em cada sete brasileiras já abortou pelo menos uma vez em sua vida.

Na América Latina e Caribenha, o abortamento é legalizado em apenas seis de vinte países: Guiana, Guiana Francesa, Cuba, Uruguai, Argentina e Colômbia. Já no Suriname, Haiti, República Dominicana, El Salvador, Honduras e Nicarágua, a prática é criminalizada com penas severas para quem a faz.

Honduras é o país da região com as leis mais repressivas contra o aborto. Em janeiro de 2021, os parlamentares aprovaram a reforma do artigo 67 da Constituição Hondurenha, que proíbe o procedimento em qualquer circunstância desde o momento da concepção do feto. O uso, venda, distribuição e compra de anticoncepcionais de emergência também são proibidos.

Na contramão de Honduras, na mesma época, Argentina e Colômbia mudaram suas legislações. Em dezembro de 2020, argentinas e argentinos sancionaram a Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez, que prevê o aborto seguro e gratuito no país até a 14ª semana de gestação e em fevereiro de 2022, a Colômbia descriminalizou a prática até a 24ª semana de gestação.

No restante dos países que compõem esta região, abortar é crime, salvo algumas exceções, como no Brasil, em que a prática é permitida em caso de estupro, risco de morte para mãe ou bebê anencéfalo, sendo que o último caso só foi permitido pelo STF em dezembro de 2012, após intenso debate sob ataques de grupos conservadores e reacionários.

Apesar da reação negativa em relação ao procedimento por parte da sociedade, o levantamento da PNA de 2021 mostrou que mulheres de todas as classes, idades, religiões, escolaridade e estado civil abortam no Brasil. Porém quem mais procura ajuda de assistentes sociais nesses momentos são as mulheres pretas, indígenas, de baixas escolaridade e condição financeira e que, objetiva ou subjetivamente, não têm condições de assumir uma criança.

 

Aborto legal no Brasil?

A legalização do procedimento ainda parece estar longe de se tornar uma realidade no país, uma vez que até mesmo para abortar dentro de uma das três circunstâncias permitidas pelo governo, as mulheres encontram obstáculos para acessar o serviço.

As dificuldades começam com a falta de informação sobre a legislação. Segundo o Mapa do Aborto promovido pela ONG Artigo 19, nenhum órgão nas capitais do Brasil, seja ele estadual ou municipal, divulga dados relevantes sobre a saúde sexual e reprodutiva das mulheres.

Superada a falta de informações, outro obstáculo aparece: a falta de instituições que o façam. Ainda de acordo com o Mapa, até um ano atrás, apenas 42 hospitais de todo o país realizavam o abortamento. Outro fator que dificulta o acesso é a falta de preparo técnico-emocional das e dos profissionais que efetuam o procedimento, fazendo, muitas vezes, juízo de valor sobre o caso.

Além disso, até o final do ano passado, uma portaria do Ministério da Saúde obrigava médicas e médicos a comunicar à polícia a justificativa para a interrupção da gravidez. Em janeiro deste ano, a fim de preservar as vítimas que acabaram de passar por uma situação de trauma, o governo federal invalidou essa portaria.

Na última semana, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou pela descriminalização da interrupção voluntária da gravidez (aborto) nas primeiras doze semanas de gestação. A ministra evidencia que o debate sobre o aborto é sensível e de extrema delicadeza, mas que a lei atual, que penaliza criminalmente mulheres que realizam o procedimento, deve ser revista.

Rosa Weber relembrou que na época da criação da normativa, a maternidade e os afazeres domésticos eram tidos como o projeto de vida da mulher, e que a criminalização do aborto era uma forma de tutelar a vida humana, mas que agora é hora de tirar a mulher dessa posição de “cidadã de segunda classe”, permitindo com que se expresse sobre sua liberdade e autonomia.

Na mesma semana, o Conjunto CFESS-CRESS foi habilitado como Amicus Curiae (amigo da Corte) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442 (ADPF 442) que aborda a descriminalização da prática. Isso porque, durante a primeira votação, em que a ministra abriu o placar a favor da descriminalização, a entidade apresentou um memorial e sustentação oral (em vídeo) para a sessão.

Considerando o caráter técnico das justificativas apresentadas pelo CFESS e a amplitude de sua representatividade, o órgão recebeu a habilitação como uma forma de reconhecimento público, dada a relevância da entidade no tema, da valorização de sua produção e de seu posicionamento político, figurando em algo importante para o Conjunto, para a categoria profissional e para a sociedade em geral.

 

O papel do Serviço Social

Assistentes sociais fazem parte do conjunto de profissionais que trabalham na linha de frente do serviço de aborto no Brasil, e até o início do século, o pensamento da categoria era ainda muito conservador em relação a esse assunto. Os avanços são poucos, mas indicam uma luz no fim do túnel.

Em setembro de 2020, por exemplo, um grupo de mulheres criou a Rede de Assistente Sociais Pelo Direito de Decidir (RASPDD), coletivo que busca, a partir da organização e articulação política, fortalecer esta luta. Em live promovida pelo grupo, em 28 de setembro de 2022, as profissioanais que trabalham diretamente com o serviço debateram os avanços e retrocessos do direito ao aborto e sua ligação com o Serviço Social.

Cássia Carloto, assistente social, doutora e professora na Universidade Estadual de Londrina (UEL) considera que existe uma lacuna na produção acadêmica e na formação da categoria. A consequência dessa brecha é a falta de conhecimento da legislação vigente por grande parte das e dos assistentes sociais, levando a uma estigmatização ainda maior do aborto e abrindo espaço para práticas preconceituosas contra as mulheres que procuram ajuda.

“A defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa do arbítrio e do autoritarismo é um dos princípios fundamentais do nosso Código de Ética. O Serviço Social é uma profissão que lida com a garantia de direitos. Nesse sentido, se analisamos o aborto como um direito, exergamos nele uma área para essa reflexões e atuação acerca dos direitos reprodutivos das mulheres”, afirma Cássia.

Contudo, existem algumas ações que podem tornar esse processo menos doloroso para as usuárias. A acolhida e a escuta qualificadas junto com o reconhecimento da capacidade moral e ética da mulher sobre essa escolha são um dos pontos-chaves para que haja um atendimento que realmente as ampare.

Pela garantia do direito de decidir, pela ampliação da rede de atendimento ao aborto legal, pelo livre acesso as informações de qualidade sobre sexualidade e reprodução, e pela descriminalização e legalização, o Conjunto CFESS-CRESS segue na luta junto ao direito das brasileiras de decidir sobre seus corpos e destinos.

 

Saiba mais

Confira aqui a nota técnica “A importância ética do trabalho de assistentes sociais nas diferentes políticas públicas para a garantia do direito à vida das mulheres e para a materialização do direito ao aborto legal” escrita pela doutora e assistente social da Prefeitura Municipal de Londrina, Nayara Damião, e lançada este mês pelo CFESS.

A RASPDD convida a todas e todos profissionais, não só do Serviço Social, a assinar, apoiar e divulgar o manifesto a favor do aborto do grupo. Assine o documento aqui e contribua para essa luta também!

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