Ampliar e qualificar a oferta de políticas públicas é caminho certo para o cuidado com pessoas em situação de rua

Publicado em 18/08/2023

Nos centros urbanos, eles estão por todas as partes. Compõem a paisagem urbana há tanto tempo – frutos de uma desigualdade histórica, que passam despercebidos sob o olhar de quem transita. “Morador de rua” é o nome popularmente dado a essa população; como se fosse possível afirmar que o céu é teto, os viadutos, paredes, e as calçadas o chão de uma moradia digna para algum ser humano. Não são.

Hoje, dados preliminares do Censo Pop Rua 2022 de Belo Horizonte indicam que cerca de 5.400 homens e mulheres, em sua maioria negros e de baixa renda, encontram-se em situação de rua na capital mineira. A nível nacional, o número chega a 281 mil pessoas. Moradia é, sem dúvida, o eixo central de luta dessas população, mas, até que isso se efetive, é preciso garantir acesso a outras políticas – e nisso entra o trabalho da e do assistente social.

Enquanto profissional de Serviço Social, é necessário defender políticas públicas feitas para essa população e, atenção: sempre em diálogo com quem a integra. Desde 2004, com o surgimento do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPSR) essa articulação tem se tornado possível. Como resultado, em 2009, foi criada a Política Nacional para a População em Situação de Rua (Decreto nº 7.053).

Para Maurílio Pereira, o que o levou às ruas foi o desemprego, realidade muito comum para quem tem trajetória de rua. Trecho do documentário do CRESS-MG sobre a importância da moradia digna.

Os avanços existem, mas estão aquém do que essas pessoas precisam para sobreviver nas ruas, muito pela escassez de equipamentos, insuficientes para a demanda, ou mesmo o despreparo  para acolhê-las. O acesso a serviços públicos, por exemplo, é um direito enquanto cidadãs e cidadãos, mas além da falta de moradia, há ainda outros entraves que impossibilitam que essas pessoas procurem um posto de saúde, um serviço de assistência social ou uma previdência.

“É preciso, ainda, refletir sobre como nós assistentes sociais ofertamos serviços de cuidado: será que ao atender alguém neste contexto, estamos reafirmando práticas segregatórias, manicomiais? Precisamos abrir mão do julgamento moral, do que achamos certo ou não”, afirma Priscilla Fraga, assistente social, membro da Frente Popular em Defesa das Pessoas em Situação de Rua e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva Instituto René Rachou (Fiocruz).

A categoria profissional deve, segundo Priscilla, entender que a população em situação de rua é a parte da classe trabalhadora considerada supérflua para o capital. “Na minha experiência no Consultório na Rua de Belo Horizonte e posteriormente como gestora do serviço, as histórias de vida que escutamos perpassam por violências estatal e familiar, desemprego, sofrimento mental, pobreza, falta de acesso a políticas como educação, segurança alimentar etc.” 

Marginalizados: à mercê dos direitos da vida em sociedade

“Eu não quero o bem, pois o bem é algo passageiro”, casal Jhon Carlos e Cláudia Brasil em depoimento para o minidocumentário do CRESS-MG, Moradia Primeiro.

São muitas as camadas que explicam a marginalização dessas crianças, mulheres, homens e pessoas não-binárias. O uso de álcool e outras drogas é uma delas, especialmente o crack. Contudo, corroborando com a ideia de que o uso da substância é a consequência e não a causa da exclusão social, está a Pesquisa Nacional Crack e Exclusão Social, publicada em 2016, pelo Ministério da Justiça e Cidadania.

O resultado aponta que o consumo de álcool, no Brasil, é de 8 a 15 vezes maior do que o de crack, revelando, como avalia Priscilla, uma certa histeria social em torno da droga, e claro, em torno das populações mais pobres. “Nós assistentes sociais precisamos superar os estigmas atribuídos às pessoas em situação de rua ou PSR, nos apropriarmos de temas relevantes que nos dêem embasamento para a rotina de trabalho, como Redução de Danos, autonomia do sujeito e participação social”, pontua a profissional. 

Um diferencial dos Consultórios na Rua é atuar na perspectiva da Redução de Danos. Diretriz do SUS para o cuidado das pessoas que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas, trata-se de uma política pública pautada no sujeito e que considera seu lugar de protagonismo no seu cuidado em saúde. “É uma política pautada em pessoas e não nas drogas, além disso, uma ética de cuidado pautada na realidade que busca fugir de moralismos ou juízos de valor”, destaca Priscilla. 

Então moradora da Ocupação Carolina de Jesus, em BH, a militante trans Sissy Kelly lembra, no documentário do CRESS-MG, que como pessoa em situação de rua, a morte social vem antes da física.

Seja no contexto das ruas ou não, é preciso entender e respeitar que existem pessoas que não desejam ou que não conseguem ficar sem usar nenhuma droga, mas mesmo assim, é possível cuidar para que esse indivíduo diminua os prejuízos sobre seu corpo e mente. “Atuar nessa perspectiva traz uma maior possibilidade de construção de vínculo da equipe técnica com os sujeitos, pois quebra a expectativa de reprovação em relação ao uso. Falar de redução de danos é falar de apologia ao cuidado e à vida”, pondera a assistente social.

É preciso, ainda, de acordo com Priscilla, garantir espaços de escuta adequada para que se construa junto dos sujeitos, respeitando suas escolhas – como a de seguir ou não usando drogas, e possibilitando ampliar o acesso aos direitos sociais nas políticas públicas. Além de construir espaços participativos com a população usuária dos serviços e se organizar junto ao controle social e aos movimentos sociais em defesa da população em situação de rua.

Lutar por mais serviços e qualificar os que já existem

Creas, Upas, Centros de Saúde, Centros Pop, Consultórios na Rua, equipes do Serviço Especializado em Abordagem Social: além de políticas públicas que são direito de toda a população, inclusive das que estão em situação de rua, há dispositivos voltados para esse segmento e que são essenciais para garantir que essas pessoas acessem direitos básicos. Para Priscilla, vale frisar a existência desses equipamentos, para não cair na ideia de que nada é feito, mas ainda falta.

“As políticas públicas não ampliaram os serviços em comparação ao crescimento populacional das PSR na cidade. Neste sentido, é comum ver trabalhadoras e trabalhadores, principalmente da Saúde e Assistência Social, numa ‘queda de braço’, se cobrando mutuamente, na tentativa de garantir os direitos da população. As equipes têm trabalhado exaustivamente, mas as queixas e demandas devem ser direcionadas aos espaços de controle social e aos gestores do executivo municipal.”

Além disso, Priscilla demarca que embora existam serviços que funcionam, há demandas expressivas da população em situação de rua que são historicamente negligenciadas, como o acesso à moradia, ainda muito escasso, a necessidade de banheiros públicos na cidade, a ampliação de restaurantes populares e o acesso à água de qualidade, que inclusive são direitos humanos essenciais. Diante destes desafios, a assistente social e doutoranda provoca algumas reflexões.

“Como uma pessoa em situação de rua conseguirá um trabalho formal para tentar sair desse contexto se não lhe são ofertadas condições mínimas de acesso à água para higiene? Sem um endereço para colocar no currículo ou colocando no currículo o endereço de um equipamento público? Como irá se organizar para uma rotina de trabalho se precisa chegar às 17h na porta de um abrigo para tentar uma vaga de pernoite? Enfim, temos muito o que caminhar ainda”, questiona.

Moradia como prioridade

O Moradia Primeiro é um conceito baseado no modelo “Housing First” (no inglês mesmo) considerando seu surgimento em Nova York em 1992. Trata-se de uma política prioritária demandada pelo Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPSR), reconhecendo a moradia como direito humano essencial.

Neste modelo de moradia, o sujeito teria uma equipe multiprofissional flexível que funciona como uma espécie de apoio e suporte, contribuindo com a possibilidade de permanência na moradia, auxiliando no acesso aos demais direitos junto à rede intersetorial. Desta forma, o acesso à moradia surge como política pública central, possibilitando a organização das outras políticas de forma complementar. 

Caminhar no sentido da efetivação da Moradia Primeiro é garantir para a população em situação de rua moradia segura, individualizada, com apoio, preservando sua autonomia e articulando as demais políticas públicas de forma intersetorial.

Em 2019, o CRESS-MG produziu com o apoio do Coletivo Habite a Política, um minidocumentário com experiências de mulheres e homens com trajetória de rua, falando sobre a importância, na prática, de se ter uma moradia. Saiba mais aqui, e assista o vídeo acima

Conheça mais sobre o CRESS-MG

Informações adicionais
Informações adicionais
Informações adicionais

SEDE: (31) 3527-7676 | cress@cress-mg.org.br

Rua Guajajaras, 410 - 11º andar. Centro. Belo Horizonte - MG. CEP 30180-912

Funcionamento: segunda a sexta, das 13h às 19h


SECCIONAL JUIZ DE FORA: (32) 3217-9186 | seccionaljuizdefora@cress-mg.org.br

Av. Barão do Rio Branco, 2595 - sala 1103/1104. Juiz de Fora - MG. CEP 36010-907

Funcionamento: segunda a sexta, das 13h às 19h


SECCIONAL MONTES CLAROS: (38) 3221-9358 | seccionalmontesclaros@cress-mg.org.br

Av. Coronel Prates, 376 - sala 301. Centro. Montes Claros - MG. CEP 39400-104

Funcionamento: segunda a sexta, das 13h às 19h


SECCIONAL UBERLÂNDIA: (34) 3236-3024 | seccionaluberlandia@cress-mg.org.br

Av. Afonso Pena, 547 - sala 101. Uberlândia - MG. CEP 38400-128

Funcionamento: segunda a sexta, das 13h às 19h