Publicado em 18/05/2023
Artes: Rafael Werkema/CFESS
Dia 18 de maio é também a data em que se celebra a Luta Antimanicomial. Uma bandeira incorporada à agenda política e de trabalho da categoria de assistentes sociais e referenciada, inclusive, em um dos principais documentos da profissão: o Código de Ética.
Mas antes de abordar relação entre arte, luta antimanicomial e o Código de Ética, é bom lembrar o porquê da inserção de assistente sociais nessa pauta e o que ela significa.
Em resumo, a luta antimanicomial trata-se da defesa dos direitos de pessoas que passam por algum sofrimento mental, população usuária do Serviço Social, a partir de uma lógica que respeite sua autonomia e sua liberdade; em que essas pessoas tenham o direito a viver em sociedade; de serem atendidas e cuidadas com respeito e dignidade, sem abrir mão de sua cidadania. Para isso, enfrenta-se a lógica perversa dos decadentes manicômios e dos chamados hospícios, que trancafiavam, isolavam e violavam os direitos humanos dessas pessoas, substituindo-os por um modelo de cuidado em liberdade de atenção em saúde mental a partir de serviços abertos, comunitários e territorializados, que acolham população usuária e família.
Essa é a ideia da Reforma Psiquiátrica, cujo debate chegou no Brasil no final da década de 1970 e início da década de 1980, culminando, em 2001, com a aprovação da Lei 10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
Na prática, a lei aponta o fechamento gradual de manicômios e hospícios, sendo substituídos por Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), espaços de acolhimento, em tratamento não-hospitalar, prestando assistência psicológica, médica e social.
Comunidades Terapêuticas: os novos manicômios
Foi realizada ontem (17/5) uma audiência pública na Câmara dos Deputados para debater o papel das Comunidades Terapêuticas (CTs), seu financiamento e, especialmente, seu funcionamento, comparados aos antigos hospitais psiquiátricos. Diversos setores e sociedade civil vêm denunciando há anos as CTs e ONGs, que recebem financiamento público, mas seguem a lógica da privação de liberdade e de enclausuramento e, não obstante, outras inúmeras violações de direitos humanos.
É preciso discutir e cobrar do novo governo qual será a forma de condução da Política de Saúde Mental, em especial, num cenário em que há, de um lado, um sucateamento dos equipamentos e serviços públicos, como os Caps e unidades de acolhimento, e de outro, um repasse superdimensionado às CTs.
O CFESS participou da audiência por meio do conselheiro Agnaldo Knevitz, que “reforçou as bandeiras da luta antimanicomial e da defesa do cuidado em liberdade, defendidas pelo Serviço Social”.
Na audiência, foi citado um estudo da Conectas, que demonstrou que os governos federais, estaduais e municipais seguem critérios nada transparentes no fomento a essas instituições, sendo que, entre 2017 e 2020, o montante do gasto federal em CTs chegou a R$ 300 milhões. Somando os valores repassados por governos e prefeituras de capitais, totalizou R$ 560 milhões.
“Já no tocante às OSC, podemos citar a publicação do Edital nº 03/2022, do Ministério da Cidadania, que financiou com R$ 10 milhões essas instituições sem prever, por exemplo, Plano de Trabalho para execução do valor repassado”.
Agnaldo lembrou também da publicação do Decreto 11.480, de 6 de abril de 2023, que dispôs sobre o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas. O CFESS foi nomeado como membro permanente, com direito a voz e voto. De acordo com o Art. 6º, O Conad se reunirá, em caráter ordinário, semestralmente e, em caráter extraordinário, mediante convocação de seu Presidente ou requerimento de, ao menos, a metade de seus membros.
O Conjunto CFESS-CRESS e o debate sobre o tema
O CFESS, a partir dos princípios do Código de Ética da categoria e entendendo as demandas do trabalho de assistentes sociais no atendimento às pessoas com sofrimento mental, tem produzido, ao longo dos anos, manifestos e documentos sobre o tema.
Em 2016, lançou o Caderno 2 da série Assistentes sociais no combate ao preconceito, abordando o estigma do uso das drogas.
Em 2018, realizou pela primeira vez um seminário nacional sobre o trabalho de assistentes sociais na Política sobre Drogas e Saúde Mental, onde pautou a contribuição da categoria para uma questão de saúde pública que têm interface com a política de assistência social.
Ainda em 2018, lançou também o Relatório Serviço Social e a inserção de assistentes sociais nas CTs, citado na audiência de quarta (17/5).
Há também vários manifestos sobre a temática, sendo o último deles em 2021.
No ano passado (2022), lançou mais um caderno (número 8) da série Assistente social no combate ao preconceito, em que aborda a discriminação contra a população usuária da saúde mental.
E em 2023, durante o 6º Encontro Nacional de Seguridade Social e Serviço Social, realizou plenária específica sobre o tema.
“Precisamos seguir buscando propostas e estratégias que se contraponham ao tratamento conferido por diversos governos às temáticas que perpassam a Saúde Mental. Cada vez mais vemos as questões sendo tratadas e resolvidas com políticas de ‘higienização’, afastando pessoas com transtornos mentais e trancafiando pessoas usuárias de álcool e outras drogas, sem resolver um problema que é de saúde pública”, diz Agnaldo, conselheiro do CFESS.
E a capa do Código de Ética com tudo isso?
Nas comemorações dos 30 anos do Código de Ética da categoria, completados em 2023, o CFESS possibilitou o reencontro virtual, no último mês de abril, de quase toda a equipe que rodou o Brasil no ano de 1993, para debater a reformulação do Código de Ética.
Um dos depoimentos é da ex-conselheira do CFESS e assistente social Mione Sales, que acompanhou, à época, o processo de reformulação do Código e foi, inclusive, junto com a artista visual Márcia Carnaval, quem sugeriu utilizar um extrato da obra do artista Arthur Bispo do Rosário na capa do documento que baliza o trabalho de assistentes sociais.
Um breve resumo: Arthur Bispo do Rosário nasceu em Sergipe em 1909. Foi marinheiro, borracheiro, boxeador e artista. Um dia, começou a ter alucinações auditivas, foi até o Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro, onde solenemente anunciou aos monges: “Sou o enviado de Deus, encarregado de julgar os vivos e os mortos”. Enviado a um manicômio, recebeu o diagnóstico de “esquizofrenia paranoide” e foi internado na Colônia Juliano Moreira (RJ).
Quem contou essa história foi aassistente social da Fiocruz/RJ Conceição Robaina, que foi técnica de referência na Colônia, e também contou um pouco de sua atuação junto ao artista, durante o Encontro Nacional CFESS-CRESS de 2016.
A obra serve de inspiração para uma série de materiais do Serviço Social brasileiro. Não à toa, Arthur Bispo do Rosário é uma figura lendária e representa, para o Serviço Social, cada usuário e usuária das políticas e serviços sociais.
Assista a trechos do vídeo que será lançado em breve sobre os 30 anos do Código de Ética!
Fonte: CFESS
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