Publicado em 11/03/2022
Considerado tabu, o tema ainda é pouco debatido na sociedade e na política, dificultando que meninas e mulheres pobres tenham acesso a direitos básicos
Esta matéria faz parte do Boletim Conexão Geraes do CRESS-MG. Acesse e leia as demais notícias!
A vida humana é gerada no útero: dele, viemos todas e todos nós. Este mesmo órgão do sistema reprodutor feminino sangra a cada mês quando um óvulo não é fecundado e, então, a fina parede criada para protegê-lo, o endométrio, se desfaz. A isso, dá-se o nome de menstruação. Por uma questão de saúde e de higiene, este sangue deve ser contido, mas, hoje, no Brasil, é preciso ter dinheiro para comprar produtos básicos, como absorventes, para esse período.
Parece óbvio e familiar, afinal, estamos falando de algo fisiológico, natural, que acontece por volta de uma vez ao mês, com mais da metade da população mundial. Mas, em países como o nosso, a menstruação ainda é um tema tabu e, como todo tabu, em especial aqueles ligados às mulheres, dificulta debates importantes e inviabiliza direitos humanos para uma parte significativa da sociedade.
O acesso a higiene e a insumos para o cuidado no período menstrual tem um custo. Já pensou em como lidam com isso, presidiárias, pessoas em situação de rua ou adolescentes internadas em unidades de medida socioeducativas? Há relatos do uso de trapos, folhas de jornal, papelão e até mesmo miolo de pão. A pobreza menstrual, como é conhecido este quadro, é um problema de saúde pública, mas que vem sendo ignorado pelos governantes.
Em outubro, foi sancionado o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual para combater a falta de acesso ou de recursos para a compra de itens necessários ao período menstrual de mulheres e outras pessoas menstruantes (homens transsexuais) em situação de vulnerabilidade social. Entretanto, o governo federal vetou justamente o artigo que garante a distribuição gratuita de absorventes.
A decisão é mais uma evidência da insensibilidade, descaso e desrespeito do mandato do presidente Jair Bolsonaro para com as mulheres, sobretudo as pobres e periféricas, como afirma Egidia Almeida, membro do Fórum de População em Situação de Rua (PSR) de Belo Horizonte, do Fórum Nacional da PSR e pesquisadora extensionista do Programa Polos de Cidadania da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Após o veto, a bancada feminina da Câmara dos Deputados denunciou a falsidade dos argumentos usados pela decisão presidencial que, ao ser feita, acabou esvaziando o principal objetivo da iniciativa, que era o de ofertar produtos de higiene no período de menstruação. Agora, a medida prevê apenas a campanha informativa sobre o tema. Com isso, perdem milhares de pessoas menstruantes de baixa renda”, avalia.
De acordo com a militante, o parecer do presidente reflete e reforça o fato de que a sociedade brasileira ainda mantém muitos tabus relacionados aos órgãos genitais, principalmente no que diz respeito ao cuidado individual com o próprio corpo. Há uma ideia de que é errado falar sobre o assunto com as crianças, assim como é difundido o equívoco de origem cultural e religiosa que defende que a educação sexual seria, na verdade, um estímulo à sexualidade precoce.
Em outras palavras, no país, há quem acredique que ensinar meninas e meninos sobre o funcionamento e a higienização das genitálias, assim como diferenciar toques de afeto aos de abuso, entre outras questóes ligadas à educação sexual, incentive-as a ter relações sexuais. Mas o objetivo é o oposto: as informações contribuem para que crianças e adolescentes saibam identificar um abuso sexual ou mesmo prevnenir uma gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis.
Pobreza menstrual
A pobreza ou precariedade menstrual tem a ver com a dificuldade ou a falta de acesso de meninas, mulheres e homens trans a produtos básicos para manter uma boa higiene no período da menstruação. Trata-se de um fenômeno multifatorial que envolve aspectos políticos, culturais, sociais e econômicos. Dentre os segmentos mais vulnerabilizados pela pobreza, as pessoas negras são as mais afetadas, como explica Egidia.
“As péssimas condições de moradia, a falta de saneamento básico, a falta de acesso à saúde pública de qualidade, os altos valores cobrados por itens de higiene pessoal atingem majoritariamente as mulheres e jovens negras, periféricas, encarceradas e em situação de rua. Esse conjunto de fatores acarreta em danos materiais e emocionais a essas pessoas, afetando sua saúde física e mental.”
Do ponto de vista físico, a higiene precária e o manejo inadequado da menstruação, como o uso de materiais impróprios para conter o sangue, tais como folhas de jornal, trapos, papelão, papel higiênico e miolos de pão, pode causar alergia e irritação da pele e das mucosas, infecções urogenitais como a cistite, a candidíase e pode provocar até mesmo a Síndrome do Choque Tóxico, que em muitos casos leva à morte.
Já emocionalmente, as meninas e mulheres sem condições financeiras para lidar com o ciclo menstrual sofrem constrangimentos nos ambientes escolar, familiar e de trabalho. No caso de crianças e adolescentes carentes que vivem esta situação, há um número considerável daquelas que apresentam perda no rendimento escolar e evasão escolar e, no caso das jovens e adultas, a pobreza menstrual pode causar, ainda, a perda de emprego.
Dados do relatório Livre para Menstruar, feito pelo movimento Girl Up, em 2021, apontam que, no país, uma a cada quatro adolescentes não tem acesso a absorventes. Já o estudo “Impacto da pobreza menstrual no Brasil”, encomendado pela marca Always, também deste ano, indica que 28% das jovens já deixaram de ir à aula por não conseguirem comprar absorvente e, dessas, 48% tiveram vergonha de informar para a escola o motivo das faltas.
“No caso das pessoas que menstruam e estão em situação de rua, contam apenas com doações pontuais. Sem políticas públicas para sanar o problema, aumenta a vulnerabilidade física dessa população e as chances de inclusão social ficam ainda menores”, destaca Egidia. Segundo o relatório da Unicef, de 2021, “Pobreza menstrual no Brasil – Desigualdades e violações de direitos”, o fenômeno mostra que Estado e sociedade civil negligenciam as condições mínimas para garantir a dignidade dessa significativa parcela da população.
“A partir dessa negligência, pode surgir a urgência de remediar os problemas (…) que seriam facilmente prevenidos com os devidos investimentos em infraestrutura e acesso a produtos menstruais. Além disso, quando vivenciada desde a infância, a pobreza menstrual pode resultar ainda em sofrimentos emocionais que dificultam o desenvolvimento de uma mulher adulta com seus potenciais plenamente explorados.”
Como abordado nesta matéria e elencado no quadro Fatores Relacionados à Pobreza Menstrual, este é sim uma questão de saúde pública e que atravessa vários outros problemas sociais, ligados a diferentes políticas públicas, como Educação e Saneamento Básico. Portanto, solucioná-lo integralmente demandaria muito tempo, o que não impede que o Estado tome medidas paliativas para sanar, o quanto antes, o processo doloroso e humilhante pelo qual passam milhares, senão milhões de meninas e mulheres brasileiras.
FATORES RELACIONADOS À POBREZA MENSTRUAL
Fonte: Relatório“Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos” da Unicef, 2021.
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