Em véspera de ano eleitoral, professora da UFTM explica a importância de entender sobre orçamento público e financiamento de políticas públicas 

Publicado em 16/02/2022

O orçamento público é o que garante a direção, a forma e a concretude da ação planejada do Estado, espelhando as políticas públicas que serão priorizadas por um determinado governo. Não se trata apenas de uma peça técnica e instrumental de política econômica e de planejamento, por meio do qual o Poder Executivo procura cumprir determinado programa de governo ou viabilizar objetivos macroeconômicos. A escolha do programa, projeto ou serviço a ser implementado pelo Estado e dos objetivos de política econômica e social reflete os interesses das classes sociais, envolve negociações de seus representantes políticos, sendo o orçamento expressão de seus interesses e das suas reivindicações.

De acordo com o professor Evilásio Salvador, autor do livro “Quem financia e qual destino dos recursos da seguridade social no Brasil?” (2007), no orçamento público são definidas as prioridades de aplicação dos recursos e a composição das receitas, ou seja, sobre quem vai recair o peso do financiamento tributário. Em outras palavras, é uma escolha econômica, mas, principalmente resultado de opções políticas, refletindo a correlação de forças sociais presente na sociedade. O CRESS-MG conversou com a assistente social, Rosana Arantes, mestre e doutora em Política Social e professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) sobre como este tema atravessa a profissão e a atuação da categoria. Confira!

1. De que forma o debate sobre orçamento público se relaciona com o Serviço Social?

O orçamento público é um poderoso instrumento de redistribuição de renda: quando o sistema tributário é progressivo (recai sobre o patrimônio e a renda) e quando prioriza a canalização de recursos para as políticas universais, são elas que mais possibilitam a igualdade de acessos e condições na sociedade. Ele deve, ou deveria, expressar em dotações financeiras a concretização de um conjunto de direitos, portanto, assegurar recursos suficientes para o financiamento das políticas sociais. O orçamento público deve atender prioritariamente aos direitos sociais, sem restrições financeiras que impeçam a sua consolidação e o seu avanço. 

A classe trabalhadora é a maior responsável pelo financiamento do Estado brasileiro, e consequentemente das políticas públicas, arcando com o ônus de mais de 2/3 das receitas arrecadadas pela União, estados, Distrito Federal e municípios. 

No entanto, o sistema tributário brasileiro tem sido um instrumento a favor da concentração de renda (modelo regressivo de tributação), agravando o ônus fiscal da população mais pobre e aliviando o das classes mais ricas. Aqui no país, o orçamento público é financiado por quem é pobre, através de impostos sobre o salário e de tributos indiretos (via consumo) e apropriado pelos mais ricos, via transferência de recursos para o mercado financeiro e acumulação de capital. A correlação da luta de classes no país, no contexto do neoliberalismo, foi e ainda é, desfavorável à classe trabalhadora e decisiva para o predomínio dos impostos indiretos e regressivos na estrutura tributária. A classe trabalhadora é a maior responsável pelo financiamento do Estado brasileiro, e consequentemente das políticas públicas, arcando com o ônus de mais de 2/3 das receitas arrecadadas pela União, estados, Distrito Federal e municípios. 

Por tudo que foi dito, podemos constatar a estreita relação da atuação profissional das e dos assistentes sociais com a pauta do orçamento público e financiamento das políticas públicas, sobretudo pelo fato de que a forma de financiamento da política social revela as prioridades e interesses da gestão, a ampliação ou retração dos direitos sociais, e determina também, o espaço ocupacional da e do assistente social em determinada área. Lembrando que a partir da publicação da Constituição Federal de 1988, um novo cenário se configura no que diz respeito às políticas sociais e ao papel de cada ente federativo no planejamento, gestão e execução das políticas públicas. Se antes cabia ao governo federal a execução direta de determinadas políticas sociais, com a Constituição e as Leis Orgânicas complementares, os municípios passaram a ser considerados como espaços privilegiados para o planejamento, execução e avaliação das políticas sociais. 

Assim, um novo formato de gestão institucional foi legitimado pela Constituição, pautado no modelo de gestão descentralizada e participativa nas esferas municipal, estadual e federal, com objetivo de romper com práticas autoritárias e paternalistas, fomentando a participação, bem como na instituição de novas formas de financiamento das políticas públicas, a partir do contrato orçamentário.  Nesse contexto, observamos o aumento do número de profissionais nos cargos de gestão e planejamento de políticas sociais, dentre estes, assistentes sociais, o que suscita a necessidade de compreender melhor o campo sócio-ocupacional. Nesse sentido, a gestão pública no marco da nossa Carta Magna colocou novas exigências para o campo de atuação/intervenção profissional, bem como, o processo de renovação do Serviço Social possibilitou a formação de uma consciência crítica e seu rompimento com a “mera execução de políticas públicas”, como definiu José Paulo Netto.

Exemplo dessas novas exigências e renovação da profissão podemos verificar na Lei de Regulamentação da Profissão nº 8.662/93, que estabelece dentre as competências da e do assistente social, “planejar; executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da realidade e para subsidiar as ações profissionais” (artigo 4º parágrafo VII); e que define dentre as nossas atribuições privativas, “coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos e pesquisas, planos, programas e projetos na área de Serviço Social” (artigo 5º, parágrafo I). Como também no Código de Ética do Serviço Social de 1993, que aponta alguns princípios que coadunam com a nova perspectiva de gestão democrática instituída pela Constituição: “Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional”.

A partir dessas transformações, assistentes sociais passam a ser requisitadas e requisitados para atuar também na formulação e avaliação de políticas públicas, bem como no planejamento e na gestão de programas e projetos sociais. Os espaços ocupacionais se ampliam também para atividades relacionadas ao funcionamento e implantação de conselhos de políticas públicas nas áreas da Saúde, Assistência Social, Criança e Adolescente, Habitação, entre outros, em programas de capacitação de conselheiros, na elaboração de planos municipais, no monitoramento e avaliação de programas e projetos, na coordenação de programas e projetos, no planejamento estratégico do trabalho, na elaboração do contrato orçamentário, bem como, na articulação e mobilização, participação e controle social. 

2. Quais os efeitos da Emenda Constitucional 95 no financiamento das políticas sociais?

Um dos elementos fundamentais assegurados na Constituição Federal para construção de políticas sociais foi um arranjo institucional para o financiamento dos direitos sociais via recursos orçamentários e a garantia dos investimentos públicos para as políticas sociais. A Emenda Constitucional nº 95, aprovada em 2016, no Governo de Michel Temer, instituiu um novo regime fiscal no país. Isso significa o congelamento dos gastos na área social por 20 anos. Das despesas primárias (são aqueles gastos necessários para promover os serviços públicos à sociedade, como por exemplo, pagamento de servidores, financiamento das políticas sociais, encargos sociais, transferências para outros entes públicos e investimentos) não haverá aumento dos gastos reais com essas despesas, somente haverá correção dos gastos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).  

A aprovação dessa EC é muito grave, pois a mesma irá inviabilizar a vinculação de recursos para as políticas sociais nos moldes desenhados pela nossa constituição, acarreta perdas importantes de recursos na área social, como na educação, saúde, assistência social, cultura, etc., representa a materialização do desmonte das políticas sociais, tornando-se simbólica no tocante à retração do Estado perante o financiamento das políticas públicas no país. Vamos a alguns exemplos embasados na pesquisa realizada pelo prof. Evilásio Salvador, em 2019, e apresentados na aula “Os efeitos da EC 95 no financiamento das políticas sociais” através do seu canal do Youtube (https://www.youtube.com/watch?v=UT9L5XL4W-s&t=5s, acesso em 04/11/2021):

1) A área da saúde no período da pandemia sofreu impacto muito grande com o congelamento dos gastos, uma vez que o teto para as ações da atenção básica em saúde estava muito baixo, com base no orçamento de 2015. Houve praticamente um congelamento nessa área, não conseguiu acompanhar nem mesmo o IPCA, de 5,22% de participação do PIB em 2016 passou para 5,11% do PIB em 2018. Cabe ressaltar, que nesse período, além da crise sanitária (que exigiu mais recursos para a área da saúde), a população do país aumentou, as demandas de assistência à saúde aumentaram, e o orçamento federal retraiu.

2) Os recursos do orçamento federal para a Política de Assistência Social sofreram uma queda importante, de 1,26% do PIB em 2016 para 0,70 % do PIB em 2018, acarretando a implosão do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

3) A Política de Educação teve um corte real de 12% dos recursos públicos, de 112 bilhões de reais gastos em 2016 para 98 bilhões de reais em 2018, o que reflete uma calamidade nas Universidades Federais do país.

4) A área da cultura, que já tem um orçamento bastante pequeno de participação, teve um corte de 31%.

5) A área de direito de cidadania (ações voltadas para garantia de direitos humanos, direitos das mulheres, programas para adolescentes em conflito com a lei e programas de igualdade racial), teve uma queda de 57%, de 2 bilhões de reais pagos 2016 para 0,93 milhões de reais. Uma queda importante que evidencia um desfinanciamento e desmonte das políticas sociais. 6) No que diz respeito aos juros e amortização da dívida pública do país, houve um crescimento da destinação orçamentária para essa função, passou de 242 bilhões de reais em 2016 para 292 bilhões de reais em 2018 (crescimento de 10 vezes mais do que a variação do orçamento, representa ¼ no orçamento público federal). 

Importante destacar, que o subfinanciamento é problema presente desde a implantação SUS, que se agravou no decorrer do tempo e, mais recentemente, a política de austeridade fiscal aprofundada com a Emenda Constitucional 95/2016, proporciona avanço na desconstrução do SUS com a restrição do financiamento.

3. Estamos às vésperas de um ano eleitoral. Como as eleições podem interferir na questão do financiamento das políticas públicas e a que se devem ater assistentes sociais, enquanto cidadãs e cidadãos, ao escolher em quem votar?

É importante entendermos, que o orçamento público é instituído por meio de Contrato Orçamentário, estabelecido em Lei e seu processo de construção também obedece a dispositivos legais. As principais determinações estão na CF/1988 (capítulo II, as finanças públicas), na Lei 4320/1964, que estabelece as normas específicas sobre elaboração e organização orçamentária, na Lei complementar 101/2000, também conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A CF/1988 no art. 165, determina a elaboração do contrato orçamentário com base em três instrumentos legais: i) Plano Plurianual – PPA (Define Prioridades de cada esfera de governo por um período de 4 anos. Deve conter os princípios, diretrizes e metas da administração pública. Tem por objetivo assegurar a continuidade das políticas públicas nas mudanças de governo); ii) Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO (Estabelece metas e prioridades para o exercício financeiro por ano e orienta a elaboração da LOA) e iii) Lei Orçamentária Anual – LOA (Define as prioridades contidas no PPA e as metas a serem atingidas naquele ano previstas no LDO).  

O processo de elaboração do contrato orçamentário é um processo dinâmico e contínuo com várias etapas articuladas. Participam dessas etapas, o Poder Executivo, na elaboração da proposta orçamentária; os Conselhos gestores, na apreciação, adequação e aprovação; o Poder Legislativo, na apreciação, adequação e autorização e a Sociedade civil, no controle, acompanhamento e monitoramento, bem como nas reivindicações. Em que pese a abrangência dos atores/sujeitos envolvidos, o orçamento público ainda é muito dominado pelo Poder Executivo e Legislativo, a sociedade civil e os movimentos sociais não participam efetivamente na elaboração do processo de planejamento orçamentário. 

A participação da sociedade civil no contrato orçamentário deve ocorrer desde a Campanha eleitoral, como também, na elaboração e aprovação do PPA, da LDO e da LOA, no monitoramento da execução orçamentária, e no controle dos conselhos e fundos. Portanto, a escolha da/o candidato em período eleitoral é extremamente importante, uma vez que a elaboração, apreciação e aprovação do orçamento público passa, obrigatoriamente, pelo Poder Executivo e Legislativo, ou seja, pelo Presidente da República, Governadores e Prefeitos, bem como pelos Deputados Estaduais e Federal, Senadores e Vereadores. 

Portanto, a participação e mobilização da sociedade civil desde o período eleitoral, no sentido conhecer as propostas de governo e reivindicar dos integrantes do Executivo e Legislativo, o compromisso de destinação de mais recursos financeiros para as políticas públicas universais, bem como de realização da reforma do sistema tributário (para o modelo progressivo) e a revogação da EC 95 é necessária e urgente!

Temas atuais para você, assistente social

Considerados tabus, certos temas são pouco debatidos na sociedade e na política, o que dificulta o acesso a direitos de parcelas significativas da população.

Para ajudar a reverter esse quadro, o último Boletim Conexão Geraes do ano traz respostas às dúvidas de assistentes sociais que atuam com usuárias que tenham abortado e, na seção de Direitos Humanos, falamos da pobreza menstrual e o porquê o Estado precisa garantir insumos para a higiene básica de meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade, durante a menstruação.

Essa edição traz, ainda, matérias sobre:

? Os possíveis caminhos do Serviço Social na Educação c/ Eliana Bolorino e André Quintão
?️ Ética profissional no contexto do desmonte da Seguridade Social c/ Ana Maria Mourão e Alessandra Ribeiro
✊? Racismo estrutural e atuação profissional na pandemia c/ Tales Fornazier
? Orçamento público e o financiamento de políticas públicas c/ Rosana Arantes

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