Nos caminhos às vezes tortuosos, que a Seguridade Social atravessa, a ética profissional deve ser sempre o norte. Leia matéria do CRESS-MG sobre o tema

Publicado em 07/02/2022

Os sistemas de Seguridade Social se propagaram no mundo a partir de 1945, no Pós Segunda Guerra Mundial. Foi através da luta da classe trabalhadora nos países de capitalismo central, por melhores condições de vida e de trabalho, que se construiu o Estado de Bem Estar Social. O modelo foi viabilizado pela forte intervenção do Estado através do fundo público, usado de forma mais redistributiva, e associado às políticas de ampliação de emprego.

A partir da década de 1970, diante da crise do capital, essa experiência foi extinta. Como apontado pelo intelectual István Mészáros, a crise estrutural do capital não atingiu apenas a esfera socioeconômica, mas todas as dimensões da vida em sociedade, e as respostas a este momento se assentaram no tripé neoliberalismo, reestruturação produtiva e financeirização, rompendo o Estado Social e permitindo a implementação de políticas de Seguridade Social.

“No conjunto dessas respostas por parte do capital, emergiu o questionamento neoliberal sobre o ‘tamanho’ do Estado ou o seu intervencionismo para viabilizar a Seguridade Social. Esse discurso ganhou força na América Latina, tanto pelo impacto da crise nestes países de capitalismo dependente, quanto pela atuação dos organismos internacionais com suas agendas de ‘ajuste”, explica a assistente social Alessandra Ribeiro, professora da Ufop e com experiência em Políticas de Seguridade Social.

Um passo para frente, outros tantos para trás

No Brasil, foi construído um modelo próprio de Seguridade Social, composto pelas políticas de Saúde, Previdência Social e Assistência Social e, mesmo que de maneira tardia a partir da Constituição Federal de 1988, é motivo de orgulho para a sociedade brasileira, especialmente no momento político atual, de sucessivos desmontes e retrocessos das políticas públicas, como aponta a docente.

“Numa conjuntura de ataque aos direitos sociais como a proporcionada pelo Governo Bolsonaro, é de extrema importância a previsão de um sistema de Saúde pública, estatal e universal, de uma Previdência Social com uniformidade de benefícios, da Assistência Social como uma política social, de base diversificada de financiamento e, também, o reconhecimento do controle social.”

Neste momento de pandemia da Covid-19, o papel fundamental da Seguridade Social se tornou ainda mais explícito, como lembra Alessandra, uma vez que foi por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), um dos maiores sistemas públicos e universais de saúde do mundo, que se assegurou a vacina para toda a população, assim como o atendimento às milhares de pessoas que foram contaminadas pelo coronavírus. Mas, a conjuntura também explicitou as fragilidades provocadas pelo desmonte dos últimos cinco anos.

“O cenário pandêmico evidenciou, ainda, o resultado de anos de implementação de programas de ajuste fiscal que retiraram sistematicamente o financiamento das políticas de Seguridade Social, precarizaram os serviços públicos, nortearam as contrarreformas trabalhista e da previdência expondo milhares de trabalhadoras e trabalhadores ao trabalho desprotegido, além de jamais terem permitido a efetivação da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas)”, pontua Alessandra.

Governo de marcha a ré

O ajuste fiscal intensificado no país após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, encontrou terreno fértil no Governo Bolsonaro com seu marcado perfil conservador, antidemocrático e ultraneoliberal. Para a professora Alessandra, o projeto bolsonarista está em sintonia com a resposta à crise elaborada pelo capital e, portanto, suas ações reforçam a financeirização da economia, o desmonte do setor público e um ataque ao trabalho.

“A financeirização da riqueza tem exercido maior pressão sobre a política social, principalmente da Seguridade Social, pois essa representa um nicho dos produtos financeiros da Saúde, através dos planos de saúde, e da Previdência, por meio das aposentadorias e pensões. Os benefícios da Seguridade Social são transformados em mais um ‘produto’ financeiro, tornando os direitos de milhares de trabalhadoras e trabalhadores que ficam reféns da crise do capital”, avalia.

Como exemplos dos ataques governamentais a esta política, está a manutenção do teto de gastos associada à PEC 32, que caso aprovada, implicará em um desmonte generalizado dos serviços públicos, a nova Lei do BPC ( Lei nº 14.176/21) que dificultou e limitou o acesso de pessoas idosas e deficientes aos seus direitos e a Medida Provisória nº 1.061/21 que revogou o Programa Bolsa Família e instituiu um novo programa de transferência de renda denominado Auxílio Brasil.

“Esta última medida foi tomada sem qualquer debate com a sociedade e com o explícito direcionamento eleitoreiro. Friso, ainda, a tentativa do governo de anular a convocação da 12ª Conferência Nacional de Assistência Social e o Decreto nº 9.759/21 que extinguiu mais de 600 espaços de gestão e controle social democráticos das políticas sociais, evidenciando a sua direção antidemocrática e atingindo fortemente a participação popular que constitui um pilar importante de sustentação da Seguridade Social”, elucida Alessandra.

Ética profissional como norte

O Serviço Social brasileiro defende a concepção de Seguridade Social ampliada, conforme inscrito na Carta de Maceió (2000), que garanta, de forma universal, o direito à educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social e assistência social. Neste sentido, ao longo da história, assistentes sociais têm contribuído para efetivar esta política social como direito e, portanto, responsabilidade do Estado, com financiamento progressivo, controle social e estruturação radicalmente democrática.

Com o desmonte da Seguridade Social e os ataques ao trabalho, a categoria tem lidado com desafios como a fragilização de vínculos empregatícios, a precarização dos espaços de trabalho que não se adequam às condições éticas e técnicas e que, portanto, não asseguram a qualidade do atendimento nem a preservação do sigilo de informações, além da intensificação da afronta às atribuições privativas das profissões com requisições institucionais distantes da direção do nosso projeto profissional e uma demanda explosiva de atendimentos frente à precarização da vida da classe trabalhadora.

“Somos duplamente impactadas e impactados pelo desmonte da Seguridade Social, seja enquanto classe trabalhadora que sofre todas as perdas impostas ao mundo do trabalho, seja enquanto profissionais que atendem uma população cada vez mais empobrecida e alijada de seus direitos”, aponta Alessandra. Contudo, mesmo perante o caos, é preciso que as e os assistentes sociais se fortaleçam coletivamente para resistir aos retrocessos, como lembra a professora.

“Devemos manter alinhamento ao nosso projeto profissional e ao projeto societário da classe trabalhadora, de superação da sociabilidade capitalista.  É fundamental fomentarmos a mobilização social, a participação efetiva na luta de classes, defender firmemente a democracia e os direitos humanos. É preciso lutar para derrotar não apenas a figura de Bolsonaro, mas sim o projeto que ele representa!”, enfatiza. 

O projeto ético e político do Serviço Social, como demarca Alessandra, não permite a essa categoria de profissionais banalizar a atual conjuntura. “Ao contrário, é preciso suspender o cotidiano, desvelar e analisar a realidade social para construir estratégias de enfrentamento e uma atuação profissional norteados pelos princípios do Código de Ética da e do Assistente Social”, conclui.

Ano de eleições presidenciais: o que temos a ver?

Ana Maria Arreguy Mourão. Fonte: Apes-JF.

“A Seguridade Social tem uma importância fundamental em qualquer projeto de governo por implicar três políticas sociais que asseguram direitos da classe trabalhadora. 

No atual governo, esta política tem sido desmontada já que a ideia é cortar, de forma desumana, direitos arduamente conquistados, reduzindo a possibilidade de atender as necessidades do povo e empobrecendo-o ainda mais.

Com a pandemia, estas ações governamentais se ampliaram, contribuindo para a morte de milhares de pessoas e prejudicando significativamente o trabalho das e dos assistentes sociais.  

Nossa profissão se orienta pelo Código de Ética que vai na direção contrária a do presidente Jair Bolsonaro. Com as eleições presidenciais do próximo ano, é essencial que nós, assistentes sociais, levemos isso em conta.

Ao escolher candidatas e candidatos, consideremos as normativas da profissão e o respeito aos direitos humanos. Com a unidade de profissionais competentes que somos, podemos contribuir para mudar este cenário sombrio.” 

Ana Maria Mourão, assistente social, professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), ex-gestão do CRESS-MG e incansável militante do respeito aos Fundamentos do Serviço Social e da Ética Profissional.

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Esta matéria faz parte do último Boletim Conexão Geraes. Para acessar as demais reportagens, clique na imagem.

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