Assistentes sociais na Educação: leia última matéria da série sobre atuação profissional nesta área

Publicado em 01/02/2022

Entre avanços custosos e a iminência de retrocessos, quais são os possíveis caminhos para a atuação profissional na Educação?

Embora seja uma política social, a educação é estratégica para a manutenção da sociedade capitalista e de todas as suas opressões, pois é através dela que se garante a formação da força de trabalho e a difusão de valores hegemônicos. Mas, a educação também é resultante da luta da classe trabalhadora para dar direção aos seus processos de produção de uma consciência própria e autônoma.

Portanto, esta é uma política em que há embates de projetos educacionais distintos, sendo, ao mesmo tempo, um espaço privilegiado por propiciar acesso ao conhecimento construído coletivamente pela humanidade, além de propiciar que se construam e se solidifiquem valores e atitudes com potencial para uma consciência social crítica e propositiva.

A presença de assistentes sociais na educação remonta à década de 1930. Ou seja, desde a origem dos processos sócio-históricos constitutivos da profissão, a classe dominante requer do Serviço Social, por meio da educação escolarizada, a atuação quanto à formação técnica, intelectual e moral da classe trabalhadora, visando a reprodução do capital em diferentes ciclos de expansão do capitalismo.

Nos últimos dois anos, conquistas importantes se deram para fortalecer a atuação dessas e desses profissionais na educação, com destaque à aprovação da Lei Federal 13.935/19, que prevê a presença de profissionais da Psicologia e do Serviço Social nas redes públicas de educação básica e a aprovação do Novo Fundeb (Lei 14.113/20), que amplia os recursos para esta política.

Entretanto, essas vitórias, fruto de duas décadas de mobilização, correm sérios riscos de retrocessos, através de Projetos de Lei (PLs) que prejudicam a regulamentação dessas normativas. Por isso, nesta última matéria da série especial Serviço Social na Educação, o CRESS-MG conversa com quem acompanha há muitos anos essa pauta: a assistente social Eliana Bolorino.

Pós-doutora em Serviço Social (Uerj), docente do Curso de Serviço Social da Unesp e líder do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Serviço Social na Educação (Gepesse/Uerj e UFBA), Eliana, que já participou de várias ações do Conselho sobre esta temática, faz, na entrevista, uma análise de conjuntura e propõe reflexões sobre os possíveis caminhos a serem seguidos quando pensamos em assistentes sociais na educação.

1. Para você, a que se deve essa possibilidade de retrocessos na regulamentação da Lei 13.935/19?

A aprovação desta lei ocorreu em um momento histórico adverso que se instaura no Brasil desde o golpe de 2016 e se intensifica com a crise econômica acirrada pela pandemia. Essa situação se agrava em função do posicionamento do atual (des) governo federal ultraliberal, ultraconservador, negacionista em relação aos avanços das ciências e avesso à educação pública, fortalecendo a perspectiva privatista iniciada nos governos anteriores e difundindo propostas de retrocessos, tais como a “escola sem partido”, a militarização das escolas e a educação domiciliar.

É neste cenário de instabilidade que pairam os retrocessos em relação ao reconhecimento de assistentes sociais, psicólogas e psicólogos como profissionais da educação. Trata-se de uma expressão da disputa pelo fundo público, que vai desde o interesse dos empresários da educação, que não querem que a educação pública se fortaleça, até os equívocos dos próprios educadores em relação à real contribuição dessas e desses profissionais como parceiros na efetivação da educação básica como direito social.

Por outro lado, as desigualdades sociais e educacionais, visíveis no sucateamento das escolas, na falta de reconhecimento salarial de docentes, nos índices de evasão e insucesso escolar, são escancaradas com a pandemia e incidem sobremaneira na vida de estudantes, impactando negativamente os índices de escolarização na educação básica. Para superar este momento, faz-se ainda mais essencial a presença, nesta política, de profissionais do Serviço Social e da Psicologia.

Portanto, apesar da incidência de posicionamentos que se contrapõem ao reconhecimento dessas categorias profissionais como parte da política educacional, a realidade concreta confirma a urgência histórica de intervenções nas expressões da questão social que invadem este campo. Exemplo desta situação é a implementação da “busca ativa”, proposta pela Unicef em parceria com a União dos Dirigentes Municipais da Educação (Undime) com o objetivo de incentivar o retorno de estudantes da educação básica: a ação não terá sucesso sem uma equipe técnica nas secretarias municipais de Educação para operacionalizá-la.

Porém, considerando a função estratégica da educação e a imperiosa necessidade de atingir os índices de escolaridade direcionados pelos organismos multilaterais, será preciso alargar as formas de enfrentamento das expressões sociais e educacionais que se agravam no contexto atual. Justamente neste tensionamento de interesses contraditórios, vislumbramos possibilidades de reverter esses retrocessos.

2. Quais são as principais reflexões a serem consideradas quando pensamos em ampliar e fortalecer essa bandeira de luta dentro da categoria profissional?

Acredito que as principais reflexões a respeito dessa pauta, se referem a duas dimensões, que explico melhor a seguir.

Formativa

Se refere ao amplo espectro de conhecimentos que assistentes sociais precisam adquirir na sua formação profissional inicial e que devem ser alargados por meio da formação permanente. Assim, é essencial compreender o significado da política de educação nos processos de reprodução social e em relação às suas particularidades em cada nível e modalidade de ensino que guardam especificidades forjadas no processo histórico da luta por sua afirmação como direito.

Nesta dimensão, partimos do pressuposto de que o conhecimento propicia a análise crítica da dinâmica contraditória da sociedade capitalista e dos espaços sócio-ocupacionais de assistentes sociais, rompendo com a visão imediatista, pragmática, determinista e ampliando a formulação de estratégias individuais e coletivas que superem a reprodução acrítica da mera requisição institucional e atenda as reais demandas das usuárias e usuários dos serviços sociais, no caso das instituições educacionais.

Ressalto, ainda, a importância de conhecer as experiências profissionais consolidadas do Serviço Social na educação, afinal, não começamos hoje, temos um acúmulo histórico sobre a intervenção profissional no âmbito da educação que precisa ser considerado, valorizado. O Conjunto CFESS-CRESS, a Abepss e a Enesso, juntamente com entidades representativas da Psicologia, vêm efetivando diversas atividades sobre a temática.

Participei de vários eventos desta natureza, socializando conhecimentos acumulados individual e coletivamente através do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Serviço Social na Educação (Gepesse), articulado entre Uerj e UFBA, que tem se empenhado na realização de pesquisa por meio do processo de sistematização do trabalho profissional na área da educação básica.

Portanto, o desafio da e do assistente social é encontrar estratégias para possibilitar a construção da contra-hegemonia nos espaços da política de educação e, para tal, é preciso potencializar o seu arcabouço de conhecimentos teórico-metodológico, técnico-operativo e ético-político que elucidam a “escola” como espaço que pode possibilitar a construção de sujeitos históricos críticos, propositivos conhecedores dos seus direitos, mesmo com os limites reais da sociedade capitalista.

Mobilização e Articulação

Ao longo do processo de aprovação e, atualmente, implementação das referidas legislações, as entidades que representam o Serviço Social brasileiro têm feito articulações no intuito de conseguir aliados, como a Associação Brasileira de Municípios (ABM), a União Nacional de Dirigentes Municipais (Undime), a Frente Nacional de Prefeitos (FNP), a Conferência Nacional de Municípios (CNM), o Conselho Nacional de Trabalhadores na Educação (CNTE) e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).

É fundamental registrar o empenho dessas organizações na luta contra os retrocessos em relação ao Fundeb. Destaco, ainda, a importância de mobilizar também os movimentos sociais da educação, tais como o Movimento Interfóruns de Educação Infantil (Mieib), a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) para alargar a luta pela universalização do direito à educação, assim como conquistar adesão para a inserção de assistentes sociais, psicólogas e psicólogos na educação.

Neste contexto extremamente adverso em que vivemos, a resistência precisa ser coletiva e propositiva, contrapondo-se ao poder dominante ultraliberal e extremamente conservador. Sabemos que este posicionamento incide sobre a política de educação, rondando com assustadores projetos, a exemplo da consolidação do ensino remoto, o desfinanciamento da política de educação, a privatização, a mercantilização, a refilantropização da educação entre tantos outros.

3. Numa breve avaliação da última década, no que diz respeito à pauta por mais assistentes sociais na educação e considerando a complexidade desta política, no que ainda é preciso avançar?

Acredito que uma forma de avançar é fortalecendo as articulações com os órgãos representativos da categoria profissional das educadoras e educadores e também com os movimentos sociais que lutam pela educação pública, laica e de qualidade socialmente referendada. A efetivação do Observatório Participativo, proposto e criado pelo CFESS, também se constitui numa relevante ferramenta para esta luta.

Neste sentido, a contribuição dos Grupos de Estudos e Pesquisas sobre a política de educação, principalmente educação básica, e o trabalho de assistentes sociais nesta área, podem contribuir para mapear a produção de conhecimentos já existentes sobre essa temática a nível nacional. O Gepesse, há cerca de dez anos, vem realizando pesquisas a este respeito, com intuito de fortalecer a compreensão da significativa contribuição do Serviço Social nesta política social.

Outro ponto relevante é potencializar a organização de eventos sobre a efetivação do trabalho da e do assistente social, a partir das suas particularidades na educação básica, no ensino superior, na educação profissional tecnológica, além das modalidades de ensino, forjando espaços de circulação de saberes e estratégias de lutas. Por fim, é essencial o contato direto com educadoras e educadores da educação básica (gestão, professorado, coordenação pedagógica), em eventos regionalizados com o objetivo de “apresentar” o Serviço Social e a Psicologia, delineando o real significado da atuação dessas profissões nesta área de atuação.

Desta forma, haverá possibilidade de desconstruir equívocos, distorções em relação à intencionalidade dessas profissões ao lutarem pela inserção nesta política social e a efetiva contribuição a partir do arcabouço de conhecimentos específicos de cada profissão. Educadoras e educadores são atores principais da política educacional e assistentes sociais, psicólogas e psicólogos são parceiros que atuam nas desigualdades sociais e educacionais com o intuito de contribuir na garantia do acesso e permanência, na democratização da gestão e na qualidade da educação.

Para encerrar… só poderia ser com Paulo Freire:

“É preciso ter esperança. Mas tem de ser esperança do verbo esperançar. Por que isso? Porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. Esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. ‘Ah, eu espero que melhore, que funcione, que resolva’. Já esperançar é ir atrás, é se juntar, é não desistir. É ser capaz de recusar aquilo que apodrece a nossa capacidade de integridade e a nossa fé ativa nas obras. Esperança é a capacidade de olhar e reagir àquilo que parece não ter saída. Por isso, é muito diferente de esperar; temos mesmo é de esperançar!”

O PAPEL DA POLÍTICA NESTA LUTA

Estamos às vésperas de um ano eleitoral e se torna imprescindível lembrar o papel que a política exerce na proposição e aprovação de leis que garantam direitos ao povo. Quando falamos do acesso à educação, assim como da participação de assistentes sociais nesta área, não é diferente. Esta é uma pauta antiga no legislativo (espaço onde as leis são propostas), como lembra o assistente social e deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT), André Quintão.

“Em articulação com as entidades representativas da educação e das e dos profissionais do Serviço Social e da Psicologia, essa pauta tem história por aqui. A aprovação da Lei Federal 13.935 foi determinante para que essa inserção seja efetivada como política pública. Mas a luta tem que continuar para garantir a implementação da lei nos estados, cujos prazos, mesmo considerando as dificuldades impostas pela pandemia, estão atrasados.”

Para o parlamentar, é importante que sejam feitas gestões junto ao governo de Minas Gerais para garantir as condições e as contratações necessárias, conforme a realidade da rede de educação no estado. A mobilização é outro elemento crucial. No âmbito estadual, temos a Lei Estadual 16.683/07, de autoria de Quintão, que autoriza o poder executivo a desenvolver ações de acompanhamento social nas escolas da rede pública de ensino.

“A normativa foi resultado de uma construção coletiva que iniciei na Assembleia Legislativa (ALMG), a pedido do CRESS-MG, e envolveu debates com educadores, universidades e parlamentares de diversos municípios e até mesmo de outros estados. Para efetivá-la, enfrentamos muitos problemas ao longo dos anos, sobretudo relacionados à ausência de uma legislação federal e, por consequência, também de recursos”, explica.

Agora, além das leis federais aprovadas em 2019 e 2020, há, em Minas Gerais, um Projeto de Lei (PL) regulamentando o Serviço Social e a Psicologia na rede de educação e que está prestes a ser votado em plenário. A normativa já foi aperfeiçoada por um substitutivo e reformula a lei de autoria do deputado. Além disso, Quintão pontua que o governo estadual anunciou um cronograma para o início das contratações dessas duas categorias profissionais.

“Destacamos, também, a importância do concurso público, que é uma forma de conferir estabilidade à política pública, de promover sua continuidade e processos de capacitação. A implementação da lei tem que ser vista como um investimento na política pública da educação, que terá certamente impactos positivos para a vida das crianças e jovens e do ambiente escolar. A educação é um direito social, seu acesso e qualificação precisam ser assegurados”, considera o deputado.

Hoje, destaca o parlamentar, é consenso que o processo de ensino-aprendizagem e o desempenho escolar estão afetos a questões internas e também externas, à família e à comunidade. “As equipes multiprofissionais têm papel fundamental, como por exemplo, na mediação com as redes de proteção, os Cras e Creas. Tudo isso torna-se mais urgente agora, com os perversos reflexos sociais da pandemia sobre a realidade das crianças, jovens e de toda a comunidade escolar”, conclui Quintão.

Leia as outras matérias da série Assistentes Sociais na Educação, divulgadas em nosso Boletim Conexão Geraes

Subsídios iniciais para entender a atuação profissional na política de Educação.

Análises socioeconômicas: as potencialidades da principal demanda de assistentes sociais na Educação

Educação para além dos muros da escola: o papel de assistentes sociais na educação básica.

 

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