Profissões da saúde assinam carta contra Interdição Ética proposta pelo Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais

Publicado em 27/08/2021

As profissões da área da Saúde, signatárias desta Carta, vêm posicionar-se contra o indicativo de Interdição Ética proposta pelo Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRMMG) nos Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAMs) de Belo Horizonte. Tal intervenção foi notificada à Secretaria Municipal de Saúde no último dia 20 de julho de 2021, considerando vistorias realizadas durante o ano de 2020.

É legitima a intenção de um Conselho de Classe preocupar-se com as condições de trabalho dos profissionais que orienta e fiscaliza; porém ao longo do processo ficou nítida que a intenção do CRM é a disputa de narrativa, ou seja, são contra o modelo assistencial que preconiza o trabalho multidisciplinar, aberto, inserido na comunidade e dentro das diretrizes do SUS.

A ideia de uma interdição ética coloca em questão uma Política de atenção à saúde mental e não somente as condições de trabalho da equipe médica dos serviços substitutivos de Belo Horizonte. Tal intervenção ética não foi encaminhada ao Conselho Municipal de Saúde, local de construção, debate e decisão das políticas públicas de saúde, ao que se refere a política de saúde mental em BH. Soma-se aos questionamentos da forma de atuação o fato de que os profissionais médicos que trabalham nos CERSAMs, em sua maioria, não foram consultados quanto a este ato. Sublinha-se ainda que não faz parte dos Conselhos de Classe regular as políticas públicas, prerrogativa que escapa a qualquer autarquia profissional.

Atualmente a Rede de Atenção Psicossocial de Belo Horizonte (RAPS-BH) conta com cerca de 283 pontos de atenção e quase 3.000 profissionais. Profissionais das mais diversas formações que compõem um trabalho multiprofissional. Tratamento que se estabelece nas premissas da territorialidade, dignidade da pessoa humana, tratamento que visa a reinserção da família, geração de trabalho e renda, de forma comunitária. Assim são os serviços da RAPS: territoriais e de base comunitária, de oferta de cuidado em liberdade, cuidado artesanal, construído a várias mãos. Nesse sentido, acreditamos que nenhuma intervenção deverá ser defendida e proposta sem dialogar com tantas outras profissões que compõem a oferta do cuidado, a partir de uma lógica centrada no usuário, muito menos, quando esta intervenção tem efeitos negativos para os usuários da rede, comprometendo seu tratamento, como é o caso aqui em questão. A horizontalidade é ponto fundamental na Política da saúde mental antimanicomial, incluindo diversos atores: gestores, trabalhadores e usuários.

Deve-se considerar que a interdição ética proposta pode tirar os diversos profissionais dos postos de trabalho, provocando desassistência, inaceitável. A intervenção que o CRM-MG propõe não interfere somente na atuação dos profissionais de sua categoria, mas mudaria o modelo de assistência que BH construiu. Modelo esse, reconhecido nacional e internacionalmente frente a diversas Agências de Saúde. Um retrocesso no modelo do SUS, na saúde coletiva, tensionando para fortalecer um obsoleto modelo biomédico. Neste sentido, a intervenção do CRM-MG se aproxima muito mais da desconstrução do modelo de saúde mental reformista, centrada no sujeito que trata, e muito menos da preocupação com os profissionais médicos presentes nos serviços.

Trabalhamos em defesa de uma atuação multiprofissional, contrária a qualquer corporativismo em detrimento do trabalho multiprofissional. Defendemos que as profissões precisam construir intervenções integradas, articuladas de modo interdisciplinar o trabalho em saúde mental. Pelo que preconiza o SUS, nenhuma profissão decide a política pública, cabendo aos Conselhos Municipais de Saúde, papel decisório quanto a essas pautas. A Reforma Psiquiátrica consolidada no Brasil, estabelece com seus princípios uma mudança de paradigma, implicando os vários saberes na construção do trabalho. Mas cabe destacar a importância reservada a voz dos usuários, protagonistas neste processo, inclusive com cadeira assegurada nos Conselhos de Saúde. Os Conselhos Profissionais abaixo relacionados não compactuam com o desmonte da RAPS como propõe o CRM-MG em nome de uma suposta intervenção ética.

As intervenções éticas acontecem nos espaços democráticos de direito, onde todos podem posicionar-se frente a condução de uma Política de Saúde Mental. Intervenções de gabinete não representam esta rede viva e cidadã, elaborada por muitas mãos. As políticas públicas precisam se nortear pela ética do cuidado, como a RAPS de BH tem preconizado ao longo de décadas.

 

Belo Horizonte, 24 de agosto de 2021.

 

Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais (CRFMG)

Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG)

Conselho Regional de Serviço Social de Minas Gerais (CRESS-MG)

Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Quarta Região (Crefito-4)

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