100 anos de Serviço Social na América Latina: assistente social mineiro ganha concurso para arte de evento histórico e reflete sobre a história da profissão em nosso continente

Publicado em 25/09/2024

A Associação Latino-americana de Ensino e Investigação em Serviço Social (Alaeits) lançou, em 2023, um concurso internacional para definir a arte e o selo comemorativo dos 100 anos do Serviço Social na América Latina e a identidade visual do 24º Seminário Latinoamericano da Alaeits que acontecerá no ano que vem, na cidade de Santiago, no Chile.

No contexto das comemorações do centenário, previstas para 2025, a criação de uma identidade visual que sintetize essa trajetória de luta e resistência é uma tarefa desafiadora e que foi cumprida com esmero por um assistente social aqui de Minas Gerais: o professor Cristiano Costa de Carvalho. Vencedor do concurso da arte que representará esse marco histórico, ele nos conta como foi o processo por trás do feito.

Graduado em Serviço Social pela PUC Minas, Cristiano atualmente é professor no IEC/PUC Minas e doutorando em Serviço Social pela FCHS/Unesp, além de integrar o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Serviço Social na Educação (Gepesse) e de já ter composto duas gestões passadas do CRESS-MG. Hoje é bolsista da Capes em período sanduíche no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa, de onde conversou conosco. A seguir, em tópicos, as respostas dadas a nossa entrevista.

América Latina: particularidades que inspiram

O que me inspirou foi a possibilidade de contribuir com um momento tão importante para o Serviço Social da “América” Latina e, por meio da identidade visual, contribuir com reflexões sobre avanços e desafios que persistem para a profissão, em particular no continente. Temos raízes históricas profundas e violentadas por colonizadores ao longo dos últimos séculos e que ganham conotações ainda mais complexas na fase monopolista do capitalismo em um território “periférico e dependente”, como nos ensinou os mineiros Mauro Marini e Vânia Bambirra, e mais recentemente com o “fenômeno” da globalização.

No entanto, mesmo diante de tantas adversidades, nosso povo, ou melhor dizendo, nosso povo habitante de Abya Yala*, tem buscado formas de reconstruir nossa identidade, ancestralidade, autonomia e projeção global para além da exploração e terminação periférica do capitalismo global. Encarei o desafio de expressar essa compressão por meio de uma identidade visual realista, tendo como destaque o conceito de interseccionalidade.

Ou seja, na identidade visual expressa por meio das imagens de sujeitos que compõem a grafia do número 100, podendo ser observada também símbolos da resistência, considerei nossa diversidade e singularidade, engendrada dentro de um sistema perverso de poder que produz e reproduz a bifobia, capacitismo, classismo, colonialismo, eurocentrismo, homofobia, machismo, patriarcalismo, racismo, sexismo, transfobia, xenofobia, etc., em uma lógica que legitima e naturaliza as desigualdades e intolerâncias concatenadas para manutenção de poder.

Criar algo não é um processo simples e individual, perpassa pelas nossas experiências, escolhas e vivências. Pelas andanças e trocas que tenho feito ao longo dos últimos anos com assistentes sociais de diversos lugares do mundo, chego à conclusão de que a resistência é a marca do Serviço Social em nosso continente, ou, pelo menos tem sido arduamente trabalhado por setores progressistas que fazem a profissão no cotidiano do trabalho e exercício profissional, em estudos e pesquisas, temos que valorizar nossa identidade e construção histórica de forma a localizar o Serviço Social na História.

Esta arte é um convite para identificar uma malha inspirada na bandeira wiphala e forma a palavra em espanhol “Años”, então, aqui é uma conexão direta com tudo que originou essa parte do mundo que resiste, mas que também é colorido e carregado de beleza. A palavra que define a bandeira wiphala tem origem nas palavras da língua aimará eiphay, que é uma expressão de alegria, e phalax, que é o sonho produzido por conduzir um movimento que reivindica harmonia de irmandade e reciprocidade.

Junto a isso, remeto ao contexto da história recente do povo chileno, onde se deu a origem do Serviço Social no continente, que tem resistido bravamente ao longo dos  últimos anos por ser o laboratório do fracassado neoliberalismo e hoje amarga a destituição do sistema de proteção social e educacional, entre outros problemas estruturais intensificados pós a ditadura de Augusto Pinochet e influenciou o conhecido “sopro do minuano” para toda parte do Cone Sul, nos anos 1990.

De forma em geral, os elementos que inspiraram foram estes, pode ser que algo tenha ficado de fora e aí cabe às pessoas identificar e construir os sentidos. Destaco figuras que foram fundamentais para concretizar essa ideia, especialmente as trocas com o designer e cineasta André Vitor Gonçalves e com a minha orientadora na Unesp, a profa. dra. Eliana Bolorino.

Brasil: um continente à parte? O professor responde.

O Brasil é um dos poucos países do Cone Sul não falante da língua espanhola, o que tem sido um dos elementos que nos deixam de fora de algumas articulações e debates do “Trabajo Social” no continente. Ainda assim, não é de agora que a “mineiridade” tem flertado com os países vizinhos para pensar o presente e o futuro do Serviço Social.

Um bom exemplo disso foram as articulações acadêmicas, ainda nos anos 1970, que culminaram com a experiência do Método BH, na Universidade Católica de Minas Gerais (UCMG, atualmente PUC Minas), e que foi fundamental para a profissão. Sem dúvida, o embrião e a efetivação do projeto ético-político profissional historicamente construído pela categoria, herdeiro do Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina e da renovação do Serviço Social no Brasil, passou por Minas.

A interlocução entre profissionais e instituições representativas do Serviço Social brasileiro com demais países do continente, potencialmente, é muito  interessante. Embora cada país possua as suas especificidades, existem questões que podem promover o intercâmbio de experiências em torno dos dilemas que estão para além do aspecto local e regional, perpassam toda as sociedades e comunidades, como movimentos sociais, processos democráticos, a luta antifascista e a articulação sobre temas como violência de gênero e direitos reprodutivos.

Na descriminalização da população usuária de drogas, por exemplo, que tem tido avanços e práticas sociais significativas no Uruguai e Argentina, as instituições representativas do Serviço Social nestes países tem um protagonismo nas lutas sociais, da mesma forma como na Colômbia tem construído políticas públicas bem interessantes de Assistência Social e do trabalho social com famílias. No Chile, há experiências extremamente ricas do trabalho de assistente sociais na Educação que utilizam Paulo Freire como uma das principais referências, e assim por diante.

Eventos como o Alaeits podem formar pontes e interlocuções extremamente ricas que oportunizam aprender com “a vizinhança”, apresentar as experiências e formulações teóricas, metodológicas, éticas e políticas do Serviço Social brasileiro em uma espécie de via de mão dupla, servindo como espaço de formação continuada e especialmente, vivenciando a nossa latinidade neste espaço. Precisamos desses espaços, assim, não nos sentimos sós, aperfeiçoamos nossas práticas e formulações profissionais por meio das trocas constantemente.

Associação Latino-americana de Ensino e Investigação em Serviço Social

No âmbito do Serviço Social, nos vemos com a necessidade de fortalecer as relações políticas entre os países da região e há deliberações importantes na agenda de Relações Internacionais do Conjunto CFESS-CRESS por mais articulação com a Federação Internacional de Assistentes Sociais (Fits) e o Comitê Latino-americano e Caribenho de Organizações Profissionais de Serviço Social (Colacats).

O Serviço Social brasileiro, assim como o do restante da América Latina, é único e especial: o legado do movimento de reconceituação e de ruptura com o conservadorismo proporcionou as bases para construir uma identidade para profissão que subverte a hegemonia do capital e cria valores, intencionalidades e compromissos. Expressão disso é o Projeto Ético-Político do Serviço Social brasileiro estar mais vivo e necessário que nunca. É espetacular o que criamos enquanto profissão e nos orgulha inspirar colegas no Cone Sul, África, Europa etc.

Com a realização do 24º Seminário Latinoamericano da Alaeits, em 2025, na cidade de Santiago, no Chile, as minhas expectativas giram em torno de algo que Saramago, escritor português, disse e tem me ajudado a compreender e a ver o nosso Serviço Social de forma diferente: “É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós”. Então, essa aproximação e a tentativa de construir uma identidade para o Serviço Social no continente assentado na defesa intransigente dos direitos humanos, da democracia, criar estratégias contra o avanço do neoconservadorismo e de análises endógenas do Serviço Social de forma a sintonizar a profissão com as lutas sociais é algo importante e necessário.

* Abya-Yala é uma expressão originária do idioma kuna para designar o território conhecido como “continente americano” e significa “terra viva” ou “terra que floresce”.

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