Publicado em 17/03/2022
Em um contexto histórico marcado pelo conservadorismo, pela intensificação do discursos de ódio contra as chamadas minorias, pelos fortes ataques à democracia, pela constante violação de direitos humanos e pela crescente criminalização da pobreza, fica evidente a importância de reafirmar, cada vez com mais veemência, a defesa intransigente dos direitos humanos, respaldada pelos princípios fundamentais do Código de Ética da e do Assistente Social.
A população trans, uma das vítimas dessas opressões, vem ganhando destaque nas lutas sociais e também na mídia, muitas das vezes, infelizmente, para noticiar o que as estatísticas confirmam: o alto índice de mortes precoces de mulheres e homens trans. No dia 14 de março, um mês e meio após as comemorações pela Visibilidade Trans (29/01), morreu Paulo Vaz, belo-horizontino de 36 anos, policial civil em São Paulo e ativista pelos direitos LGBTQIA+, em especial de pessoas trans, como era seu caso.
A morte prematura do rapaz, sob condições ainda suspeitas, reacendeu o debate sobre o papel de cada uma e cada um de nós, enquanto sociedade, “para pensar em formas de construir um mundo onde as pessoas queiram viver”, como publicou a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) em nota sobre o ocorrido. Conscientes do dever profissional de assistentes sociais nesta luta, o Cofi Responde desta edição decidiu tratar da defesa dos direitos da população trans.
As respostas, a seguir, foram dadas a partir das previsões postas na Resolução CFESS 489/06, que estabelece normas vedando condutas discriminatórias ou preconceituosas, por orientação e expressão sexual por pessoas do mesmo sexo, no exercício profissional de assistentes sociais e na Resolução CFESS 845 de 2018, que dispõe sobre a atuação profissional das e dos profissionais em relação ao processo transexualizador.
Essas resoluções são orientadas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que afirma em seu art. 1° que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”; pela Constituição Federal de 1988, que dispõe em seu art. 5° que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, assegurando assim, os direitos fundamentais à igualdade, à liberdade, à tolerância e à dignidade da pessoa humana.
Outra base importante que justifica as referidas resoluções são os Princípios de Yogyakarta de 2007, referentes à aplicação da legislação internacional de direitos humanos, que compreende a identidade de gênero como: “a profundamente sentida experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos”.
Esses valores também estão consagrados no Projeto Ético e Político do Serviço Social, vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária em que não haja dominação, exploração de classe, etnia e gênero. Esses preceitos se expressam especialmente nos seguintes princípios do Código de Ética: “I – Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; VI – Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças; VIII – Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero; XI – Exercício do Serviço Social sem ser discriminado/a nem discriminar por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, idade e condição física.”
De acordo com essas resoluções, assistentes sociais, no exercício profissional, devem se abster de condutas preconceituosas e/ou discriminatórias, bem como, de práticas que caracterizem o policiamento de comportamentos, dentre outros, o de identidade de gênero. Desse modo, devemos respeitar o direito de uso do nome social, ou seja, o nome escolhido pela pessoa trans para se identificar na sociedade, bem como abster-se de utilizar instrumentos e técnicas que criem, mantenham, reforcem preconceitos à população trans, além de refutar qualquer avaliação ou modelo patologizante ou corretivo da diversidade de expressão e identidade de gênero, dentre outros.
O processo transexualizador foi instituído no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) em 2008 e ampliado pela Portaria do Ministério da Saúde nº 2.803/13. Trata-se de uma linha de cuidados em saúde, direcionados à população de travestis, transexuais, transgêneros e outras identidades de gênero. São definidos por um conjunto de estratégias e procedimentos assistenciais que auxiliam na transição de gênero. O processo transexualizador é resultante do conceito de saúde criado pela OMS e adotado pelo SUS, que define saúde como “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”.
Assim, fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais são determinantes para a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população. Neste sentido, o processo transexualizador está para além da assistência clínico-terapêutica; abarca também o enfrentamento às expressões da questão social relacionadas às expressões de gênero. Desse modo, a nossa atuação deve se pautar pela integralidade da atenção à saúde e considerar as diversas necessidades da população usuária e o atendimento a seus direitos, tendo em vista que esse acompanhamento não deve ser focalizado nos procedimentos hormonais ou cirúrgicos
Enquanto componente da equipe multiprofissional, a ou o assistente social deve se atentar para os fatores de vulnerabilidade e de risco social, relacionados à “trans(gressão)” do binarismo de gênero, que é uma das estruturas determinantes para a inclusão/exclusão da vida em sociedades marcadas pelo patriarcado. Na equipe multiprofissional, quando pertinente, também cabe às e aos assistentes sociais emitir opinião técnica a respeito de procedimentos relacionados às transformações corporais, sempre respeitando o direito à autodesignação das usuárias e dos usuários do serviço, como pessoas trans, travestis, transexuais, transgêneros.
Nesse contexto, também cabe a nós, enquanto profissionais do Serviço Social, atender e acompanhar crianças e adolescentes que manifestem expressões de identidades de gênero trans, considerando as inúmeras dificuldades que enfrentam no contexto familiar, escolar e demais relações sociais nesta fase peculiar de desenvolvimento, na perspectiva do Código de Ética do Serviço Social. Em suma, a ou o assistente social deverá reconhecer a dinâmica relacional da pessoa usuária do serviço, a fim de promover estratégias de inserção social na família, no trabalho, nas instituições de ensino e nos demais espaços sociais presentes na vida delas.
Primeiramente é preciso enfatizar que o conhecimento aprofundado e crítico sobre as questões que envolvem a profissão é um pressuposto básico para uma atuação profissional engajada no enfrentamento às expressões da questão social, em especial sobre o processo transexualizador, ainda marcado por fortes preconceitos, decorrentes da postura conservadora ainda presente no Serviço Social, bem como da ausência de conhecimento sobre o tema.
Conforme a Resolução CFESS 845/2018, assistentes sociais deverão contribuir, no âmbito de seu espaço de trabalho, para a promoção de uma cultura de respeito à diversidade de expressão e identidade de gênero, a partir de reflexões críticas acerca dos padrões de gênero estabelecidos socialmente. Poderão também contribuir com a promoção de normativas, protocolos e orientações que possibilitem a ampliação de direitos e a utilização do nome social, além da utilização de uma abordagem intersetorial, visando a ampliação do acesso às políticas públicas e aos direitos sociais.
Outra forma de contribuir com esse processo é a realização do mapeamento de rede de atenção, de proteção e de acesso aos direitos das pessoas LGBTQIA+ em todas as políticas públicas; No horizonte de atuação, também é premente que o profissional promova o estímulo à participação social e política da população LGBTQIA+ de forma a incidir nos espaços de controle social, como conferências, conselhos de direitos e fóruns de políticas públicas. Além disso, as e os assistentes sociais também poderão somar forças na construção de estratégias para o enfrentamento da violência e da transfobia institucional, particularmente nos serviços de acolhimento.
Primeiramente é preciso salientar que a violação de tais preceitos constitui infração ética e que a sua prática ou conivência com ela pode implicar processo ético. Sendo assim, não basta abster-se, no exercício da profissão, de condutas preconceituosas e/ou discriminatórias, também é dever da e do profissional denunciá-las ao CRESS quando praticadas por colega de profissão.
Desse modo, além da responsabilização penal por crime de homofobia, aplicada pela autoridade competente, o descumprimento do disposto nas referidas resoluções pode implicar, conforme o caso, apuração das responsabilidades éticas da e do profissional, nos termos do Código de Ética Profissional da e do Assistente Social.
Assim, segundo o art. 23°, as infrações ao Código acarretarão penalidades, desde multa à cassação do exercício profissional, na forma dos dispositivos legais e/ou regimentais a depender da gravidade do fato. Vale ressaltar que esse tipo de infração pode ser denunciada ao CRESS pela própria usuária ou usuário do respectivo serviço ou por qualquer pessoa que tenha testemunhado ou que tenha conhecimento do fato.
Sugestão de Leitura
Caderno da série “Assistente social no combate ao preconceito”
Serviço Social e Diversidade Trans
Orientações para atendimento de pessoas trans e travestis
Atuação profissional do/a assistente social em relação ao processo transexualizador
Inclusão e uso do nome social da assistente social travesti e do(a) assistente social transexual nos documentos de identidade profissional
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