Trabalho e ensino remoto emergencial

Publicado em 04/11/2020

A presente reflexão parte do pressuposto que o ensino e o trabalho remoto que passamos a vivenciar devido à pandemia da Covid-19 somam-se a uma conjuntura adversa de crise do capital e ascensão dos governos de extrema direita, fazendo com que essas experiências possam ser incorporadas como tendências permanentes e hegemônicas, contribuindo para a acentuação dos níveis de exploração-opressão.

A realidade atual é reveladora no que tange ao funcionamento do modo de produção capitalista em sua face mais perversa. Escancara o caráter destrutivo – próprio dessa sociedade – da escolha do lucro em detrimento da vida. Tal cenário vem se alterando profundamente desde os anos 1970 cujos impactos afetaram todos os níveis e dimensões da vida, tornando-se uma crise estrutural universal (MESZÁROS, 2002).

Como podemos observar, a pandemia da Covid-19, surgida em um momento de profunda crise e tendências fascistas e neoliberais, tem encontrado no caos a oportunidade para a retomada do lucro. No caso da educação superior, os impactos do que está ocorrendo no contexto da crise sanitária não podem ser compreendidos em sua totalidade se não entendermos que são processos decorrentes do avanço das medidas que já vinham sendo implementadas no país.

Nesse sentido, estamos acompanhando o aumento das desigualdades já existentes nessa esfera de ensino, os agravos dos impactos nas condições do trabalho docente e concretamente na qualidade da formação. Conforme destacou Kátia Lima (2019, p. 16), “está em curso uma nova fase da contrarreforma do Estado e da educação superior, operacionalizando a contrarrevolução preventiva pela dura ofensiva à educação pública em sua dupla face: o aprofundamento da sua mercantilização e a busca do silenciamento do conhecimento crítico pela captura da subjetividade de professores e estudantes”.

A experiência do ensino remoto chega somando-se a tendências que já estavam em curso, como: a expansão acelerada da oferta de vagas; o estímulo à prevalência de instituições de ensino privadas não universitárias que colocam em xeque a experiência do tripé ensino, pesquisa e extensão; o desmonte e corte dos recursos das universidades públicas que impossibilitam a vivência do tripé e a permanência de estudantes que trabalham e filhos de trabalhadoras/es nesses espaços; a precarização das condições de trabalho docente com a expansão de contrato por tempo determinado, por tarefas isoladas, horistas – cuja experiência do ensino remoto via tecnologia já vem demonstrando maior precarização; rebaixamento salarial; intensificação do trabalho; elevada relação numérica de discentes por professor; redução da autonomia docente na elaboração dos conteúdos para as disciplinas; além da redução de docentes nos cursos.

Além disso, vivenciamos nos últimos anos, a mudança do perfil socioeconômico das e dos discentes. Como os levantamentos têm demonstrado, nossas discentes apresentam limites concretos para o acompanhamento das atividades via ensino remoto, isto em casos quando ainda é possível acompanhar. E sabemos que essa realidade tem sido ignorada. A desconsideração das condições objetivas para o uso do ensino remoto e o trabalho docente remoto dele decorrente cria, conforme defende a ABEPSS, “condições favoráveis para que estratégias afeitas para a desqualificação da educação como um direito assim como os direitos dos docentes, transformados em privilégios, possam ser realizadas”.

 

Trabalho remoto

No que se refere ao trabalho remoto, este avança como uma necessidade e soma-se a um processo em curso de desregulamentação, flexibilização, terceirização e intensificação do trabalho, sem contar os processos de sofrimentos, adoecimentos e assédios. Acerca disso, é sabido que assistentes sociais já vinham enfrentando, antes mesmo da pandemia, as diferentes formas de vínculos precarizados, isto é, temporários, em domicílio, em tempo parcial, por tarefa/projeto, como parte da chamada pejotização do trabalho (personalidades jurídicas), que a nosso ver expressam as tendências gerais do mercado de trabalho, de “uberização” das relações trabalhistas. Ao que se pode notar, tudo indica, conforme os primeiros estudos, levantamentos e vivências, que o trabalho remoto será incorporado como estratégia para o fortalecimento do tripé terceirização, flexibilização e precarização.

A responsabilidade, os riscos e custos da adesão ao trabalho remoto vêm sendo, na maioria das vezes, transferidos para a classe trabalhadora como estratégias de redução dos gastos e rebaixamento do custo da força de trabalho. Como demonstram Barbosa e Moreira (2020, s/p), “em várias instituições, foram efetuadas a recomendação do corte dos adicionais ocupacionais de insalubridade, periculosidade, irradiação ionizante e gratificação por raio-x, além dos auxílios transporte, adicional noturno e adicional por serviço extraordinário para os/as servidores/as em trabalho remoto”.

Além disso, o espaço doméstico não é um ambiente de trabalho, portanto, um local em que se identifica a falta de estrutura na maioria das realidades e a ausência de equipamentos para todas as moradoras e moradores. Através dessa modalidade, o trabalho aumentou, se excede, assim como também se faz presente a dificuldade de separação do momento de trabalho e da vida particular. Nesse motim, também é notável o aumento da sobrecarga do trabalho das mulheres, que vêm acumulando tarefas domésticas, cuidados familiares, do próprio trabalho e o suporte aos filhos no ensino remoto, uma vez que a sociedade machista naturaliza essas tarefas como propriamente das mulheres.

Estamos diante de um novo momento na história e buscando juntas e juntos as melhores estratégias, posicionamentos e saídas, ainda que não tenhamos respostas para tudo. Isso é processo, estamos construindo, mas é importante demarcar que nós, assistentes sociais, temos princípios e posicionamentos construídos nos últimos anos que nos ajudam a pensar a realidade. Dentre eles, cumpre frisar as Diretrizes Curriculares da ABEPSS, a lei que regulamenta a profissão, nosso Código de Ética, o documento com as bandeiras de luta do Conjunto CFESS-CRESS, nossas resoluções e legislações do Conjunto ainda vigentes, além de toda a literatura da área.

Por ora, permaneceremos na defesa da vida. Na defesa do trabalho presencial com segurança, com direitos e de uma educação pública, gratuita, de qualidade, socialmente referenciada, laica, universal, antipatriarcal, antissexista, anticapacitista e antirracista. E atentas e atentos: o trabalho remoto na pandemia está servindo de laboratório para alterar profundamente as nossas condições de trabalho. 

Por isso, mais do que nunca, o momento é de retomada dos princípios da nossa profissão, fortalecimento dos nossos fundamentos e bandeiras de luta, de participação nas ações dos nossos sindicatos, entidades da categoria, nos somando na luta junto aos movimentos sociais. Os desafios são muitos e a capacidade histórica de enfrentá-los coletivamente está em nossas mãos. 

Como nos inspira a música “Primavera nos dentes”, gravada na década de 1970, pela banda Secos & Molhados: “Quem tem consciência para ter coragem. Quem tem a força de saber que existe. E no centro da própria engrenagem, inventa contra a mola que resiste”.

Texto: Claudio Horst. Assistente social, professor do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e conselheiro do Gestão do CRESS-MG (2020-2023).

 

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