Para quem não tem moradia, como ficam os cuidados contra o coronavírus?

Publicado em 23/06/2020

O isolamento social, medida tomada para conter a propagação da Covid-19, assim como as orientações básicas de higiene esbarram em questões sociais para serem efetivadas. O caso das pessoas em situação de rua é o mais emblemático: como manter as orientações de distanciamento social ou mesmo de um simples “lavar as mãos” com a falta de moradia e de condições que garantam isso?

A invisibilidade dessa população e de sua luta por direitos fica ainda mais evidente no contexto da pandemia, quando há a urgência na implantação de políticas públicas que garantam que essas mulheres e homens tenham acesso a direitos humanos básicos e que, em meio à crise, não se contaminem pelo coronavírus, como pontua o coordenador, em Minas Gerais, do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR) e da Associação de Luta por Moradia para Todos, Samuel Rodrigues.

“Somos uma população invisível e distante da visão de qualquer gestor. Sofremos um grande preconceito social e isso torna difícil a aceitação de que também somos público-alvo das políticas públicas. A nível federal, a verdade é que nada esperamos do atual Governo Bolsonaro, pois tudo que ele tem defendido nos afeta diretamente, como o Estado mínimo, a internação compulsória e a liberação das armas”, afirma.

De acordo com Samuel, os poucos avanços que se viam para a população em situação de rua, em âmbitos municipal, no caso de Belo Horizonte, e estadual, foram interrompidos com a pandemia, e para superar a crise, o MNPR está se reunindo com outras organizações para trabalhar as necessidades imediatas, como a oferta de alimentação, cobertores e cuidados com a higiene e saúde.

Conversamos com assistentes sociais que atuam e militam na luta das pessoas em situação de rua, para que elas expliquem a importância das políticas públicas de Assistência Social e Saúde, na garantia dos direitos dessa população, especialmente durante a crise pandêmica.

Para ver a relação da política de Habitação com a luta desse público, confira o vídeo  que o CRESS-MG e o Coletivo Habite a Política fizeram sobre o tema!

Confira a live promovida de forma conjunta pelos Conselhos Regionais de Serviço Social e de Psicologia, em junho 2020, com o tema "População em situação de rua no contexto de pandemia: o papel do SUS e do SUAS e as violações de Direitos Humanos"!

 

Assistência Social

A Política Nacional para a População em Situação de Rua (Decreto 7053/2009) estabelece direitos relacionados a diversas áreas de políticas públicas, além de reafirmar a participação social enquanto diretriz e de instituir mecanismos de monitoramento e avaliação desta política. 

No que diz respeito à Assistência Social, os direitos para esse segmento estão inscritos nos objetivos, diretrizes, funções e seguranças socioassistenciais garantidas nas normativas que lhe são próprias, como a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) e a Política Nacional de Assistência Social (PNAS). 

Esta política, no que concerne à oferta para a população de rua, tem a função de garantia e defesa de direitos por meio da efetivação do pleno acesso aos direitos socioassistenciais; a vigilância socioassistencial – que analisa territorialmente a ocorrência de danos e vulnerabilidades e avalia os serviços socioassistenciais; e a proteção social a famílias e indivíduos. 

Esta última, por sua vez, visa a garantia da vida, a redução de danos e a prevenção da incidência de riscos, afirmando a necessidade do estabelecimento de cinco seguranças socioassistenciais: de renda; de sobrevivência; de acolhida; de convívio ou vivência familiar, comunitária e social; e do desenvolvimento da autonomia individual, familiar e social.

Em uma articulação entre serviços, benefícios e programas, a política de Assistência Social busca ofertas do campo relacional e também material a fim de garantir as mínimas condições sociais de sobrevivência. No que se refere à população em situação de rua, isto se materializa em acolhimentos institucionais, centros pops e serviços especializados para esse público, como o Serviço Especializado em Abordagem Social.

“Todos estas ofertas têm como foco a construção do processo de saída das ruas, fortalecimento dos vínculos, acesso a direitos e o respeito à trajetória de vida de cada sujeito”, explica a assistente social e integrante do Fórum Municipal de Trabalhadores do SUAS de Belo Horizonte (FMTSUAS-BH), Olga Aquino.

Porém, como pontua a profissional e militante, embora historicamente a Assistência Social tenha assumido centralidade na política de atenção à população como um todo e tenha sido uma das únicas a atuar sobre o fenômeno das pessoas em situação de rua, é preciso entender que a proteção social deve ser garantida pelo conjunto de políticas públicas, conhecido como Seguridade Social, além de estabelecer interface com as demais políticas públicas.

“A Assistência Social é fundamental, mas deve atuar articulada com outras políticas públicas, visto que a população em situação de rua é uma expressão da questão social, fruto de um modelo de sociedade que não oferece pleno emprego a todas e todos, e produz miséria, pobreza e desigualdade social. Só em conjunto é possível construir as bases e retaguardas para que não se viva em situação de privação e abandono e que se tenha de fato acesso aos seus direitos!”

 

Na pandemia

O FMTSUAS-BH vem, desde março, se debruçando sobre as necessidades da população em situação de rua durante a pandemia, em que se destacam:

>> Espaços para higienização com acesso a água e sabão;

>> Moradia adequada em hotéis e/ou espaços públicos ociosos, principalmente para pessoas consideradas mais vulneráveis, como idosas, diabéticas, hipertensas e quem tem insuficiência renal ou doença respiratória crônica;

>> Acolhimento imediato, em locais adequados, para pessoas sintomáticas ou com testagem positiva para a Covid-19;

>> Substituição, em caráter de urgência, do modelo de acolhimento institucional no caso da capital mineira, que aglomera, em camas não exclusivas e espaços insalubres, centenas de pessoas;

>> Disponibilização de espaços públicos educacionais e esportivos que estejam com atividades suspensas e que contenham equipamentos de higiene (vestiário e banheiros) para utilização como ponto de apoio à população em situação de rua, permitindo a higiene básica;

>> Flexibilização do acesso ao Restaurante Popular para a garantia de alimentação à população em situação de rua e aquela em processo de saída das ruas (Bolsa Moradia);

>> Potencialização das ações de saúde nos territórios, com ênfase também na promoção e prevenção;

>> Disponibilização de álcool em gel, máscaras faciais e material informativo à população em situação de rua.

É urgente que se amplie e descentralize o atendimento à população em situação de rua, principalmente para a higienização, apoio e auxílio ao acesso à renda emergencial e benefícios. O acolhimento institucional também deve ser reorganizado, uma vez que hoje, recebe centenas de pessoas, contribuindo para o aumento dos riscos de disseminação do coronavírus, como avalia Olga.

Para ela, este quadro desnuda a precariedade dos equipamentos socioassistenciais e sua fragilidade em garantir autonomia e privacidade, onde as particularidades dos sujeitos ficam em segundo plano. “A pandemia põe uma lente de aumento sobre todas estas questões, mas que agora são agravadas pela urgência e delicadeza do momento ”, considera.

 

Saúde

O Sistema Único de Saúde (SUS) tem como um dos princípios norteadores a universalidade, em que qualquer cidadã ou cidadão pode acessá-lo, incluindo, portanto, a população em situação de rua. Entretanto, essas pessoas têm acesso a atendimento e liberação de medicações nas farmácias das Unidades Básicas de Saúde (UBS) sem precisar apresentar o documento de identificação, considerando que a falta do documento é uma realidade comum nas ruas.

No SUS, há profissionais que acreditam que pessoas em situação de rua precisam necessariamente de um serviço ou de uma ou um profissional específico para realizar os atendimentos. Sujeito de direito como qualquer outra, estas mulheres e homens não precisam de intermediação nos serviços, mas de serem ouvidas por todas e todos os profissionais em sua singularidade, como aponta Priscilla Fraga, assistente Social e coordenadora do Consultório de Rua da Prefeitura de Belo Horizonte.

“Não digo aqui que assistentes sociais não sejam importantes para integrar o cuidado desse sujeito, nem desconsidero a necessidade de criação/ampliação de políticas públicas especializadas para as pessoas em situação de rua, mas ressalto que esta postura desumaniza o indivíduo e o diferencia de forma equivocada”, destaca.

 

Medidas Urgentes

Neste contexto de pandemia, as necessidades da população de rua continuam sendo as mesmas de antes, afirma a assistente social. “Historicamente esta população foi invisibilizada, por muitas vezes sem acesso a locais adequados para higiene, moradia ou abrigamento, alimentação saudável, e permanecem sem esse tipo de acesso.”

É fato, entretanto, que neste momento é preciso ações emergenciais. Para Priscilla, é importante ouvir essas pessoas de forma que o conhecimento delas seja norteador na elaboração dessas estratégias, para que considerem seus modos de vida, suas singularidades e desejos para, assim, dialogar efetivamente com suas necessidades.

“Acredito na importância da criação e ampliação de serviços especializados que considerem as realidades desses sujeitos, bem como a necessidade de articulação intersetorial entre as demais políticas sociais, com destaque para a política de Assistência Social, mas sem perder de vista que as pessoas em situação de rua têm direito a acessar os serviços ‘convencionais”, comenta.

É comum, segundo Priscilla, profissionais conduzirem os atendimentos baseadas em suas concepções morais, com orientações para a ou o paciente retornar de um jeito diferente do que ele é, seja mais limpo, menos intoxicado, menos atrasado, menos impaciente, ou até mesmo desconsiderando que algumas pessoas podem optar por permanecer com trajetória de vida nas ruas, visto que a cidade é das pessoas.

“Precisamos aprender a receber essa população como ela é, da forma que ela consiga se apresentar, sem estabelecermos condições e, principalmente considerando o que esse sujeito traz, para que consigamos ouvir e construir junto da usuária e usuário o cuidado que for possível, a partir do que ele aponta como sua realidade”, sugere a assistente social.

 

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