Publicado em 28/01/2019
A identidade trans é também uma cultura, como explica João Maria. “Temos uma forma de estar no mundo e de percebê-lo que é muito própria."
É em sua casa, de muros azuis e paredes recheadas de gravuras, pinturas, fotografias e poesias ligadas ao universo trans que o artivista (artista e ativista), transmasculino e não-binário*, João Maria Kaisen, 27, recebe o CRESS-MG para uma entrevista sobre a importância da arte e da cultura na vida de mulheres e homens trans.
Natural de Belo Horizonte (MG), o jovem conta que escrever sempre foi uma paixão, mas que foi com a terapia ocupacional realizada durante suas internações em hospitais psiquiátricos, em função de pressões sociais e abusos médicos, que ele despertou seu interesse por outras expressões artísticas.
“Este foi um período em que tentei encontrar as próprias vias para ficar tranquilo emocional e psicologicamente. A princípio comecei a fazer artesanato, depois tive contato com o teatro e a partir daí me descobri neste lugar da performance”, comenta.
Atualmente, João Maria é bolsista no Galpão Cine Horto, onde estuda teatro e, há cerca de um ano, compõe uma banda formada por amigos trans, o Mascucetas, que conta com artistas do teatro, da música e da literatura. Ele explica que se intitulam de uma “tipo banda”, pois, o que realmente fazem é uma performance e a música é um dos vários elementos de suas apresentações.
“A cada encontro é uma experimentação do trabalho. Difícil definir o que somos, mas o que fazemos, sem dúvida, tem um teor político, afinal, são corpos que só de estarem ali, falando da sua experiência, com suas próprias vozes, já é muito simbólico”, enfatiza o artista.
Cultura trans
Trecho do primeiro livro de Jõao Maria, ainda sem editora, "Generalidades ou passarinho loque esse".
A identidade trans é também uma cultura, como explica João Maria. “Temos uma forma de estar no mundo e de percebê-lo que é muito própria. Reivindicar esta cultura, significa romper com a lógica de patologização dos corpos, conceito que defende a ideia de que nascemos em corpos errados”, avalia.
Ele reforça, ainda, que as mulheres e homens trans são ensinados a odiarem seus corpos. “Eu não quero odiar meu corpo, não tem nada de errado com ele, só não estou no padrão da expectativa cisgênero”, pontua, comparando vivências trans com as de pessoas que se identificam com o gênero que é atribuído à sua genitália, equivocadamente visto como normativo.
Para ele, a arte é uma ferramenta de resistência e de empoderamento dessa população e, inclusive, de transformação social, pois, por meio das diversas expressões artísticas, como dança, poesia e cinema, pode-se tocar as pessoas de uma maneira que a informação por si só não consegue alcançar, causando empatia e tolerância.
Na capital mineira, por exemplo, a Academia Transliterária é exclusivamente voltada para esse pensamento de pesquisa, de estética e de linguagem artística, o que tem sido transformador para muitas e muitos integrantes, como exemplifica João Maria. “Há o caso de uma mulher que desde que começou a produzir arte, deixou a situação de prostituição e o uso abusivo de drogas em que estava”.
Por falar em produção de pessoas trans, o livro lançado ano passado por João Maria, "Generalidades ou passarinho loque esse", ainda sem editora, pode ser adquirido na Casa Juta, na Rua Almandina, 56, Santa Teresa, BH, ou enviando diretamente uma mensagem pro autor, no seu Instagram @joaomariakaisen que o envio é feito para todo o Brasil. Leia aqui, mais detalhes da obra.
Resistiremos
Quanto aos desafios que o atual momento político e de avanço do conservadorismo traz às lutas sociais, o artivista ressalta que para a população trans, na qual cada dia vivido é uma vitória, o cenário nunca foi promissor. Para ele, o que muda é a chance de perder direitos conquistados e maiores chances de agressões, potencializadas com a facilidade do armamento da população.
“Precisamos pensar estratégias para continuarmos vivas e vivos. Precisamos ocupar os lugares e continuar fazendo o que acreditamos, caso contrário, seremos massacradas e massacrados. Precisamos, principalmente, unir as diferentes lutas sociais, como movimento negro e de mulheres cis, pois assim somos mais fortes”, considera.
Cadê as e os trans?
Você já parou para pensar quantas pessoas trans, famosas ou não, você conhece? No mês da Visibilidade Trans é fundamental divulgar iniciativas feitas pela e para mulheres e homens trans. Abaixo, segue uma lista desses projetos ou figuras de Belo Horizonte para você conhecer mais sobre esta identidade de gênero, apoiar e contribuir para que essas pessoas tenham mais voz e visibilidade.
Academia TransLiterária
Coletivo de artistas da população T(travestis, transsexuais e transgêneros), e pessoas Cisgêneras próximas à pauta, que investiga estratégias, estéticas e linguagens artísticas para difusão e protagonismo da arte/cultura T e periférica.
https://www.facebook.com/transliteraria/
Lucca Najar
Publicitário e homem trans que milita através do seu canal no YouTube, falando sobre si, sobre seu cotidiano, sua transição e os preconceitos e alegrias que ele vive simplesmente por ser quem ele é.
https://www.youtube.com/channel
TransEnem
Cursinho preparatório para o Enem e de empoderamento voltado para pessoas trans e travestis.
https://www.facebook.com/transenembh/
TransVest
Tranvest é um projeto artístico-pedagógico que objetiva combater a transfobia e incluir travestis, transexuais e transgêneros na sociedade.
TransPreta
Giovanna Heliodoro mora em BH e compartilho vivências em meio a transição, além de discutir questões sociais, raciais e, sobretudo ligadas a gênero e sexualidade.
https://www.instagram.com/transpreta/
*A diferença entre transmasculino e homem trans é mais de ordem política, uma vez que o primeiro termo tenta romper com a ideia binária que a palavra homem carrega, ou seja, a transmasculinidade não necessariamente está vinculada à ideia de ser homem, como explica João Maria. “Não sou homem, nem mulher, sou uma pessoa não-binária, portanto, este termo me contempla mais”.
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