BH e sua efervescência cultural: mas e o povo negro, cadê?

Publicado em 20/11/2018


Vir à região central consumir os bens culturais da cidade pode custar caro para muita gente, observa Simone. Foto: Douglas Souza. 

A entrevista com a jornalista e pesquisadora Simone Moura aconteceria após sua participação em um debate, na região central de Belo Horizonte (MG), sobre a “Ausência de pessoas negras na arte”. Prestes a iniciar o evento, caiu um forte temporal e a convidada avisou que se atrasaria: “Desci para pegar o ônibus, começou a chover e voltei para casa. Tive que esperar a chuva passar para vir, porque Uber não sobe no morro”.

Naquela noite, com a mesa composta por pesquisadoras e artistas negras da capital mineira, como as grafiteiras Criola e Wanatta, ficava evidente que as reflexões deveriam ser entorno do apagamento e não da ausência da população negra fazendo e consumindo arte. O alto custo de vida dos centros urbanos, somado à baixa renda dessas pessoas, que compõem a maioria de quem vive nas periferias, são alguma das causas que determinam esse cenário.

“O salário mínimo não é suficiente para gente se alimentar, pagar nossas contas e ainda consumir os bens culturais oferecidos pela cidade. Vir até aqui, mesmo nos casos de eventos gratuitos, exige gastos de locomoção e alimentação. Há, ainda, as condições materiais: a gente trabalha o dia todo, chega em casa cansada, não há tempo para pensar em outras coisas”, aponta Simone.

Outro fator que inviabiliza a participação de negras e negros em atividades culturais, de acordo com a pesquisadora, é a desinformação: “Em Belo Horizonte, atualmente, é grande o número de atividades sem custo, mas essas informações não chegam nas periferias, não constam nas mídias que são acessadas nas favelas, como cartazes, carros de som ou rádios comunitárias”, destaca.

Com que roupa eu vou?

Todos esses obstáculos contribuem para que a pessoa negra não se sinta pertencente a sua própria cidade. Basta ir a um espaço cultural da região central e olhar ao redor para perceber a baixa presença do povo preto. “Passamos nos centros de cultura tradicionais e não nos sentimos identificadas e identificados com aquilo e chegamos a nos perguntar ‘com que roupa eu entro aqui?”, observa Simone.

A falta de diálogo entre os saberes legitimados socialmente, ou seja, produzidos pelas pessoas brancas, e os saberes da população negra e periférica, é prejudicial para ambos lados. Para a pesquisadora, uma consequência é que os espaços culturais passam a não comportar a diversidade dos sujeitos que estão distribuídos pela cidade, além disso, o desconhecimento de como o outro vive contribui para a manutenção de preconceitos e do racismo.

Menos representação, mais representatividade


Moradora de uma comunidade em BH, a artista Criola foi uma das autoras das artes pintadas em prédio do Circuito Urbano de Arte (Cura) que realizou sua segunda edição este mês. Foto: Instagram do evento.
 

Por sorte, este panorama vem mudando na última década. À medida que a população negra e periférica passa a ter mais acesso à educação, começa a pautar e a dar visibilidade as suas demandas e produções artísticas e culturais. Com isso, a periferia tem frequentado mais o centro, assim como a classe média e alta tem subido os morros para viver uma “experiência estética”.

“O acesso das classes populares aos espaços de conhecimento tem proporcionado que aquelas e aqueles que historicamente estiveram alijados de estar nesse espaço, comecem a ser vistas. Até há pouco tempo, não se reconhecia a produção acadêmica e cultural produzida por quem vive fora dos centros”, comenta Simone.

A resposta natural a esse processo é também, uma maior representatividade da população negra nas artes, que passa a ser agente e não mais o sujeito representado por artistas brancos. Pensando no processo pedagógico, a pesquisadora acredita que essa recente abertura de diálogo entre periferia e centro permite um aprendizado mútuo, uma vez que alguns imaginários são desconstruídos.

“Hoje, em BH, você tem a opção de assistir um duelo de MC´s no centro da cidade, assim como tem blocos de carnaval que passam pelas comunidades. Há uma ideia pré-concebida do que é ser um negro favelado, assim como nós, que moramos em favelas, temos uma imagem de quem é classe média e mora no centro ou outro bairro mais abastado”, afirma Simone.  

Lá da favela

A imagem pode conter: 3 pessoas, pessoas em pé, multidão e atividades ao ar livre
Surgido há onze anos, o Duelo de Mc's, que acontece debaixo do Viaduto Santa Tereza, já se firmou na agenda cultural da capital mineira. Foto: Pablo Bernardo.

Os obstáculos para que essas pessoas acessem à cultura produzida nos centros urbanos, pela classe média e alta, não as impede de produzir suas próprias narrativas – mesmo que estas não tenham o devido alcance e visibilidade. Além de entretenimento, a produção artística e cultural nas comunidades é uma forma de resistência, a exemplo estão a capoeira, o congado, a folia de reis, as feiras gastronômicas.

“A cultura para quem mora nas periferias é uma forma de fruir, de nos distrairmos ante as opressões cotidianas, por isso precisamos preservá-la e combater as ações de criminalização dessas expressões culturais, como ocorre com o funk ou o rap”, avalia Simone.

Existe um costume de retratar a favela enquanto lugar violento, em que o medo impera, mas, quando esses espaços são retratados por quem vive lá, outros aspectos são destacados, como o convívio em comunidade, as expressões culturais com origem na ancestralidade ou mesmo o cotidiano dessas pessoas: isso tudo também é arte, também é poesia.

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