Ruas de BH recebem, mais uma vez, o Desfile da Luta Antimanicomial
Publicado em 07/05/2018
“ATENTAS E FORTES: TANTÃS SEM TEMER OS GOLPES”
“É preciso estar atento e forte
Não temos tempo de temer a morte”.
(Caetano Veloso)
Atenção! Pare. Olhe. Escute. Em cruzamento muitos golpes na linha do tempo, na linha da vida. No dito popular “morrer basta estar vivo” e Guimarães Rosa insiste que “viver é muito perigoso, carece de ter muita coragem”. Se o tique-taque do tempo não dá trégua, devemos considerar esse momento no país quando o poder tomado de assalto define e sustenta que a constituição cidadã não cabe no orçamento do Brasil. Sendo assim, muros se erguem para deixar de fora os ditos “da margem”, numa sociedade que precisa forjar monstros para justificar a desumanização e o sistema não oficial de castas com a retirada dos direitos sociais e a desqualificação das conquistas dos trabalhadores como privilégio. naturalizando assim a grande segregação.
O governo Temer avança com a mesma insistência do tique-taque do tempo. No cruzamento, muitos golpes:
– o golpe do processo de impeachment montado para retirar a escolha democrática da presidência da República;
– e dele se desdobra golpeando com caninos de vampiro nossa riqueza nacional para entregá-la a interesses externos;
– sugados os direitos da classe trabalhadora, dos vulneráveis, dos pobres, negros, mulheres, marginalizados, sem teto, sem terra, sem propriedade;
– os poderes executivo, legislativo e judiciário articulados contra bodes expiatórios, apoiados/orientados por um quarto poder manipulador da grande mídia;
– as lutas cooptadas para ocultar as decisões e votações compradas diante das câmeras;
– tapas na cara com reformas que deformam até mesmo a constituição;
– e os tiros da intervenção militar na favela, tiros nas lideranças e ativistas pelos direitos humanos. Tudo isso ao mesmo tempo faz parte das estratégias do fascismo que vem se estabelecendo. O assassinato de Marielle Franco marca a história da luta por direitos humanos no Brasil. Filha da Favela da Maré, a socióloga construiu uma trajetória de combate á violência policial e promoção da redução das desigualdades.
– o ovo da serpente eclodiu e o fascismo dá suas caras.
Como manter-se de pé tomando tantos golpes se na esteira desse processo é necessário destruir o povo como agente político, como sujeito político coletivo?
“O sonho vale uma vida?
Não sei. Mas aprendi
da escassa vida que gastei:
a morte não sonha”.
Como não temer? O medo é essa medida para saber onde se pisa, por onde se anda ou como a dor física é a medida do corpo que precisa de cuidado… Mas como fazer esse enfrentamento? Como sobreviver?
E não há nada mais revolucionário que a vida. A vida não falta, marca a hora e se põe de nós, incontornável.
A luta pela delicadeza é com nosso canto, nosso delírio, com a arte, o pensamento, e com o nosso desfile do 18 de maio enfrentamos o escuro do luto das perdas e retrocessos, fazendo-o luta. O escuro continua, mas resistimos. Sem nos deixar tomar pelo medo, mas em atenção. Fortes para prosseguir, procuramos nossos escudos para nos proteger e seguir.
Nos retrocessos e na ditadura que se instala, os dispositivos de repressão e silenciamento vão sendo reativados. A Reforma Psiquiátrica distorcida- deformada-desmontanda; liberdade cerceada, limite à liberdade.
E seguem os golpes por mais prisões, por mais leitos nos hospitais psiquiátricos e investimentos nas comunidades terapêuticas, gaiolas douradas ou não, prontas para uma nova grande internação.
A história registrou que os manicômios não eram apenas depósitos mortíferos para quem tinha algum sofrimento mental. Que neles não se tratava é sabido. Um lugar para se prender quem saía dos duros ditames do poder vigente, inclusive o da razão. Espaços de silenciar, excluir e matar sob a aparência hospitalar de tratar.
Por outra via, na rotina da saúde pública, sabe-se o quanto o SUS é fundamental. Desmontar o SUS é uma forma de extermínio por mais lucro privado. “Quando tudo for privado, seremos privados de tudo”.
Nesse sentido, é tantã quem resiste sem temer. Atentos no feminino das mulheres, uma das forças mais dinâmicas na revolta de “novos sujeitos” – que irrompem no temeroso cenário político com nova voz e/ou nova visibilidade. Mulheres em sua força e contra o masculino cartesiano, positivista, capitalista e ameaçador dos golpes da “ordem e progresso”, num Brasil que ocupa o 5º lugar de assassinatos de mulheres (feminicídio) no mundo.
Atenção. Pare. Olhe. Escute. No cruzamento, retrocessos, mortes, ameaças…Mas tem nossa força em resistir pela vida, pela delicadeza, pela loucura em manter a esperança no amor, na convivência, na saúde pública, na democracia para um Brasil justo.
Somos uma voz que se levanta contra a injustiça. Nossa bandeira de todas as cores e matizes mostra a cara da diversidade na qual se projeta a perigosa imagem do sonho, afinal nada causa mais horror à ordem do que homens e mulheres que sonham. Nós sonhamos e organizamos o sonho.
Marielle Franco, PRESENTE! Jamais calarão a tua voz, cada palavra tua é a multidão nas ruas pelos que têm fome de viver em paz. Jamais apagarão o teu olhar, esse poder lunar movendo as marés. E viverás presente porque somos nós a tua voz”.
Marcus Vinícius Matraga, PRESENTE! ….”as ideias não têm qualquer chance de serem individuais”. Somos coletivos na defesa incessante da vida.
Atentas e fortes cantaremos a liberdade ainda que tantã neste Dezoito de Maio, dia da luta antimanicomial, contra a opressão, a segregação e a violência. Resistir é insistir amar os diferentes.
Rosimeire Silva, PRESENTE! Nossa guerreira Zulu, sua força nos guiará na resistência de viver a liberdade e a esperança.
“Um dia ainda entra em desuso matar gente” (G.R.). Queremos um país onde os filhos da margem tenham direito à terra, ao trabalho, ao pão, ao canto, à dança, às histórias que povoam nossa imaginação, às raízes da nossa alegria.
No Dezoito de Maio 2018, emblemático e presente e atento ao seu tempo/momento, celebramos os 25 anos da experiência belorizontina – 25 anos de luta na sustentação de práticas libertárias e inclusivas. Merecem vivas!
Vivas aos presentes e ausentes que apostaram e apostam nesse movimento em travessia e aqui os aplaudimos por compartilhar seus sonhos e mobilizar o melhor que somos na construção coletiva e guerreira da sociedade sem manicômios.
25 anos nos quais refinamos e aprendemos o gosto pelas invenções em liberdade, invenções das tecnologias sensíveis, ao afeto e ao aprendizado de formas também de resistir, aprender e ensinar que logo ali tem um arco-íris que pode colorir para amenizar a dor e fazer caber a esperança que nos mobiliza os sonhos. A realidade de uma utopia aqui se faz.
Vamos prá rua!
1ª ALA: “EM NOSSA HISTÓRIA DE LUTA, MONTADOS NUM CAVALO AZUL, NÃO TEMEREMOS MAL NENHUM”.
Há 40 anos, Franco Basaglia, um psiquiatra italiano que durante sua trajetória profissional viabilizou a produção de novos saberes e práticas em saúde mental, visitava o Brasil. Basaglia, junto aos companheiros de luta e trabalho, iniciou as mudanças na assistência psiquiátrica italiana através de duas experiências bastante expressivas: as dos hospitais psiquiátricos nas cidades italianas de Gorizia e Trieste. Após iniciar processo de humanização do cuidado em Gorizia, Basaglia observou que não bastava apenas transformar aquele lugar, era preciso o fechamento institucional para que se garantisse a liberdade dos internos. Em Trieste, o processo de desativação do manicômio aconteceu paralelo à criação de unidades de saúde no território que apoiavam aos pacientes, familiares e comunidade. Um ícone deste processo de encerramento do manicômio em Trieste foi Marco Cavallo, que era um cavalo usado para retirar os resíduos e roupas sujas do manicômio e levar para a cidade. Foi construída então uma enorme escultura azul de um cavalo, que foi utilizada no cortejo em comemoração ao processo de desinstitucionalização.
Após o fechamento do manicômio triestino, Franco Basaglia realiza sua primeira visita ao Brasil, em 1978, mesmo ano que ocorreu a aprovação da Lei 180 (lei da reforma psiquiátrica italiana), que propunha o fechamento dos hospitais psiquiátricos naquele país. Retornou ao Brasil em 1979, em especial para participar do III Congresso Mineiro de Psiquiatria. Sua presença foi um verdadeiro marco na história de Reforma Psiquiátrica Brasileira e determinantes para as transformações implementadas na saúde mental em nosso país. Nas visitas aos hospitais psiquiátricos de Barbacena e Belo Horizonte, Basaglia horrorizado, comparou-os a “um campo de concentração” e “casa de torturas”. Falou-nos da experiência já avançada de reforma em seu país, da Psiquiatria Democrática Italiana e convidou-nos a colocar “entre parêntesis” a doença e o modo no qual foi classificada, para podermos considerar o sujeito. Inspirados em seu pensamento e prática, em 1987, em Bauru (SP), durante o II Encontro dos Trabalhadores em Saúde Mental, surge o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, movimento social composto por usuários, familiares e trabalhadores da saúde mental que nos últimos 30 anos têm lutado e garantido mudanças na assistência psiquiátrica e no olhar da sociedade sobre a loucura.
Na capital mineira, há exatos 25 anos, deu-se início à política de saúde mental, criando os dois primeiros serviços substitutivos ao modelo manicomial, o CERSAM Barreiro e o Centro de Convivência São Paulo. Para a constituição da rede de saúde mental em Belo Horizonte foi preciso muita ousadia. Foi necessário movimentar para desbravar um campo totalmente novo na cidade, o que exigiu da equipe da gestão, dos usuários, dos trabalhadores e da comunidade envolvida muita criatividade para não usar somente o medicamento, mas também usar cultura e arte; para não depender do espaço hospitalar, mas sim utilizar a liberdade como processo terapêutico.
A abertura do CERSAM Barreiro, em 1993, era o início de uma construção coletiva que envolveu muitos atores sociais, a partir do estudo e análise de dados dos atendimentos de urgência e internação dos moradores da região realizada pelos profissionais de saúde mental do distrito sanitário Barreiro. (SOALHEIRO, 2012). O CERSAM Barreiro nascia a partir da discussão de um coletivo, envolvido e interessado em oferecer dignidade no tratamento ao usuário em sofrimento mental, possibilitando liberdade e circulação pela cidade.
Desde seu início, o Centro de Convivência São Paulo também inaugurado em 1993, segue tecendo redes, ressignificando histórias, levando a conversa sobre ser louco, formando para o sensível, abrindo possibilidades, intervindo na cultura, bordando pra fazer borda, politizando o sonho de um mundo mais justo e aberto aos encontros, transformando o olhar sobre a loucura. (SOARES, 2012).
E nestes 25 anos de construções, a rede foi crescendo, novos pontos de atenção sendo conectados, novos desafios foram postos em nome da garantia da autonomia, liberdade, respeito, protagonismo, singularidade, exercício de cidadania, ética e diversidade. E, em nossa história de luta, montados num cavalo azul, não temeremos mal nenhum: POR UMA SOCIEDADE SEM MANICÔMIOS!
2ª ALA: “LOUCURA AMBULANTE CONTRA OS ARROGANTES”.
“É como doido que entro pela vida que tantas vezes não tem porta,
e como doido compreendo o que é perigoso compreender, e só como
doido é que sinto o amor profundo, aquele que se confirma quando
vejo que o radium se irradiará de qualquer modo, se não for pela
confiança, pela esperança e pelo amor, então miseravelmente pela
doente coragem de destruição. Se eu não fosse doido, eu seria
oitocentos policiais com oitocentas metralhadoras, e esta seria a
minha honorabilidade…”.
(Clarice Lispector, em “Mineirinho”.)
Ao comentar como os treze tiros dados no assassinato a um sujeito chamado “bandido”, facínora em sua época, Clarice comenta seu incômodo em não conseguir aceitar tamanha violência sem se colocar no lugar de quem passou pela vida já marcado pela violência. Ela se posiciona como um dos “sonsos essenciais”, que resguardam seu conforto, sem se importar com a opressão aos marginalizados. Comentando a acusação de que Mineirinho agia “feito doido”, ela faz um certo elogio à loucura, como aquela que desafia o impossível das portas fechadas da segregação, o perigo de não compreender como os ditames sociais, a violência de que se sente arrogantemente “honorável”. Desafio feito com confiança, esperança e amor.
Dos versos de Raul Seixas, que diz preferir ser “metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”, nosso poeta Frederico Eymard compôs diversas frases associando a metamorfose como a loucura e dizendo-a “ambulante”, como bem somos, sobretudo, nos passos do desfile do 18 de maio, da Liberdade à Estação. Diz o poeta, que a loucura ambulante pega para si “tudo que é desviante” da norma do “cidadão de bem”, como ficaram conhecidos os bem intencionados que ardem no inferno do bom gosto, das certezas das velhas opiniões maniqueístas, machistas, sexistas, racistas, segregatícias, fascistas, reacionárias, cartesianas, positivistas na “ordem e progresso”.
Estas opiniões já formadas sobre tudo, que ficam engessadas numa ordem de ferro que, sob a vaidade do “cidadão de bem”, dizem defender a “corrupção”, batendo suas panelas, ariadas depois de terem estado cheias de comida, contra os “bandidos”, a quem chamam apenas os pobres e moradores das favelas. Os arrogantes “normais” não chamam de bandidos aqueles do crime de colarinho branco, que usam black tie, e, com orgulho, manifestam suas velhas opiniões formadas com camisas de futebol oficiais verdes e amarelas e se esqueceram que violência atrai mais violência, e defendem o porte de armas, a intervenção militar, as prisões, a volta dos manicômios… Os arrogantes acham casamento gay uma aberração. Por Deus, eles creem como normal que o cabeça da casa é o homem e mulher tem que ser submissa! Não se consideram racistas, mas tem raiva de cotas para negros nas faculdades. Os arrogantes proclamam que os valores da família patriarcal acabaram, mandam pro inferno, sem dó, nem piedade, quem pensa diferente deles. Os arrogantes que dizem tudo saber sobre o sofrimento humano, reduzindo-o a transmissões neuroquímicas; preocupados com seus lucros de consultórios mas incapazes de enriquecer o pensamento, ao mesmo tempo em que se empobrecem ainda mais quando se vendem à indústria farmacêutica.
Diferente disso, é a loucura, esta que sabe bem o que é violência, sobretudo pelo holocausto por que já passou. É o doido, dito perigoso, aquele que foi encarcerado em condições subumanas e submetido a maus tratos. Frente a tanta “normalidade”, a loucura, talvez, traga uma resposta contra tanta arrogância das velhas opiniões formadas sobre tudo. Quantos doidos vociferaram contra elas? E para serem silenciados, foram trancados em manicômios, amarrados em camisas de forças, rotulados por números de nomes de doenças, dopados por medicações que ainda não tratavam os sofrimentos. Do Centro de Convivência Pampulha vieram os versos:
“Somos loucos e visionários/ Resistimos e avisamos/ A Vida não tem hora de chegar nem de partir./A Vida nos confronta bem ali, onde tudo que falta é o Sentir.”
Parece loucura, coisa de gente tantã hoje resistir, falar de coragem, amor, confiança. Perguntamo-nos: “Brasil, cadê sua alegria? Meus sonhos estão virando fantasia” Mas, como diz o poeta Pedro Tierra: “Nosso retrato futuro resultará/ da desencontrada multiplicação/ dos sonhos que desatamos”.
São estes desatados sonhos que queremos multiplicar na avenida, é feito doidos, ambulantes, a desfilar pelas ruas da cidade, pirados sim, temerosos nunca, que lutaremos contra a “normalidade” violenta e engessada. Como diz, nosso compositor Rogério Carvalho, queremos “uma saúde maluco beleza neste 18 de Maio/ na folia encantar BH”.
“Eu sou como eu sou
Pronome
Pessoal instransferível
Do homem que iniciei
Na medida do impossível”
(Torquato Neto)
3ª ALA: “QUE TIRO FOI ESSE QUE FERIU O AMANHÃ?”.
Há muitos tiros zunindo à nossa volta, atingindo corpos e mentes, pessoas e sonhos, das crianças e dos adolescentes brasileiros.
São muitos tiros de arma de fogo, de revólveres, fuzis. Tiros sem rumo que atingem crianças no pátio de suas escolas, perto de suas casas, até mesmo na barriga de suas mães. Tiros de endereço certo, que trazem a morte de meninas e meninos que não pagaram pequenas dívidas no tráfico. Tiros covardes de quem não conversa nem pergunta, apenas aponta a arma e manda bala.
Mas são também tiros de outras armas e outras violências. Há poucos dias, o cérebro de um menino de 12 anos foi mutilado por uma lobotomia, provavelmente prescrito por um médico. Todos os dias, mentes de inúmeros meninos e meninas são feridas pelo desprezo e pela humilhação, pelo ódio e pelo preconceito. Todos os dias, corpos de inúmeros meninos e meninas são algemados, aprisionados, expostos. Abandono, solidão, desamparo, são armas mortíferas que deixam em corpos e mentes as mais fundas cicatrizes.
Sim, há tiros de todo jeito e por toda parte, roubando das crianças e dos adolescentes aqueles direitos que seu país e seu povo lhes deviam assegurar. Direito a moradia e escola, saúde e cuidado, passeio e brincadeiras; a um projeto de vida e a um lugar na cidade. Direito ao nosso respeito, ao nosso afeto, à nossa companhia.
É preciso devolver às crianças e adolescentes o futuro que por direito lhes pertence. É preciso curar seu amanhã ferido, para que o possam recriar e construir. É preciso uma política que os acolha, que os proteja, que forme atores sociais e políticos, ocupantes de um lugar no mundo, capazes de dar expressão a seus desejos e escolhas . É preciso dar corpo aos nossos serviços substitutivos que apostam no cuidado de portas abertas, em liberdade, respeitando as diferenças e possibilitando escuta e saídas para o sofrimento que acomete nossas crianças. Seja nos CAPSi/CERSAMi em situação de crises, na atenção básica, nas equipes complementares, ou nas oficinas do Arte da Saúde.É preciso inventar caminhos, impedir destinos aparentemente inevitáveis, e isso não se faz sem tomar partido no enfrentamento da dominação econômica e política que expulsa nossos jovens da cena da cidade.
É preciso dar corpo a este amanhã que anda sumido, encontrar formas que o sustentem, cores que o alegrem. Chega de tiros! Armados com palavras justas e desejos verdadeiros, com alguma loucura e muitas razões, estamos mais uma vez nas ruas da cidade, neste 18 de maio, Dia Nacional da Luta Antimanicomial, em defesa da vida e dos direitos das crianças e adolescentes brasileiros.
4ª ALA: “COMUNIDADE TERAPÊUTICA E OUTRAS PRISÕES VIOLAM, REDUÇÃO DE DANOS É DA HORA”.
O Brasil passou a ocupar, em 2017, o triste 3º lugar no ranking mundial dos países com o maior número de pessoas encarceradas: em torno de 700.000.
Parcela significativa deste número é composta por pessoas que são detidas em flagrante, desarmadas, sozinhas e carregando consigo pequenas quantidades de drogas. Sua maioria, negros, jovens e pobres, cumprindo prisão sem julgamento.
A UNICEF (2014) mostrou que o Brasil tem a triste estatística de ser o segundo país no mundo em número absoluto de homicídios de adolescentes, atrás apenas da Nigéria. E as características dos que morrem, são as mesmas dos que são condenados a viverem a terrível e desumana realidade das prisões brasileiras.
Ambos, o encarceramento em massa e o genocídio da população negra, encontram no mesmo fenômeno, sua justificativa: a chamada “guerra às drogas”. Idealizada pelos Estados Unidos, no início da década de 70, e logo disseminada pelo mundo, inclusive para o Brasil, essa guerra mostrou-se, mais de quatro décadas depois, um trágico equívoco e fracasso: afinal, a guerra proposta não se dirige às drogas, mas às pessoas, cujo público alvo é definido pelo recorte sócio/econômico/racial.
Mesmo causador de mortes e violência, esta lógica continua a pautar a imensa maioria das ações públicas referentes à política de álcool e outras drogas e fazem do medo e da insegurança uma estratégia de continuidade.
Diante disso, o financiamento público a comunidades terapêuticas tem se configurado como mais uma estratégia de encarceramento de usuários de drogas enquanto tratamento semelhante ao modelo manicomial. Sua lógica objetiva apenas a abstinência, conceito que devemos ampliar para além do uso da droga, pois a promoção da exclusão em todas as suas formas coloca o sujeito a abster-se do social, familiar, subjetivo e tantos outros laços que a liberdade e a autonomia nos convocam. Além disso, são incontáveis as constatações em vistorias e em denúncias, as violações de direitos, todas graves por princípio, que ocorrem nestas instituições e muitas vezes divulgadas pela mídia.
Por sua vez, o modelo de tratamento humanizado, amparado na Redução de Danos, é recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Essa estratégia visa o respeito aos sujeitos, tratando-os como cidadãos de direitos, garantindo o acesso às politicas públicas, respeitando a singularidade, a liberdade de escolha, o cuidado, o vínculo e assegurando serviços substitutivos ao modelo proibicionista e excludente que hoje representa o retrocesso, ou seja, as chamadas comunidades terapêuticas. O assédio e crescimento destas em todo o país representa a escalada do tratamento moral-religioso que constantemente viola os direitos humanos e reproduz um modelo opressor de cuidado focado na droga e não no sujeito. Por isso, corroboramos com Antônio Nery Filho, quando ele afirma: “As drogas, mesmo o crack, são produtos químicos sem alma: não falam, não pensam e não simbolizam. Isso é coisa de humanos. Drogas, isso não me interessa. Meu interesse é pelos humanos e suas vicissitudes”.
5ª ALA: “MALDITOS MARIONETE E BATE PANELA: CHEGA DE TANTO HORROR EM NOSSA GOELA”.
365 dias de golpe por ano, 24 horas de resistência por dia.
Apesar de golpes políticos serem uma tradição no Brasil e em demais países da América Latina, e da eleição presidencial de 2014 ter sido marcada por uma disputa feroz, desleal e carregada de ódio, 54 milhões de votos garantiram a reeleição da presidenta Dilma Rouseff, mesmo com todo o desgaste e tensão. Mal imaginávamos que o espaço institucional para fazer acontecer mais um golpe no país já estava sendo urdido, numa articulação de fazer inveja a qualquer máfia do mundo, conseguindo o impeachment da presidenta.
A posse de Michel Temer inaugura o governo ilegítimo e um estado de exceção. Desde então se ocupa do poder uma coalização antidemocrática formada por (1) grupos econômicos liderados pelo setor financeiro e industrial; (2) políticos de partidos fisiológicos, liderados pelo PMDB, e partidos da direita e extrema direita; (3) o judiciário e o ministério público que junto com a Polícia Federal sustentam um processo de terrorismo de Estado submetendo a sociedade a uma situação de suspensão das garantias individuais; (4) mídia que apóia e participa do golpe, liderada pelo grupo Globo, induzindo o ódio de classe e o estigma à política; (5) articulações internacionais entre o governo e empresas estadunidenses, especialmente do setor do petróleo.
Impôs-se ao país, pela força, uma agenda neoliberal, de restrição de direitos sociais (previdência, saúde, legislação trabalhista, educação, moradia, renda) e de desnacionalização da economia, Esta coalização antidemocrática está, em passos acelerados, destruindo a previdência social, desarticulando o SUS, ameaçando as universidades públicas, desfazendo direitos históricos da classe trabalhadora, como a CLT, impondo uma política de educação básica de feição totalitária.
Impedir judicialmente que o ex-presidente Lula dispute as eleições de 2018 compõe o golpe e acirra o ódio contra a política e as minorias.
Evidencia-se o crescimento de uma mentalidade fascista em nossa sociedade. O fascismo saiu do armário e dissemina violência e medo. As pedras, ovos e tiros contra a caravana do ex-presidente Lula, o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, as quase 70 execuções já ocorridas no atual governo, são inequívocos sinais do duro terreno que estamos pisando. Daí só brotarão tormento e dor.
Que o samba enredo antológico e o inesquecível e corajoso desfile do Paraíso do Tuiuti no carnaval de 2018, com suas alas “Guerreiros da CLT”, “Patos da FIESP” e o último carro alegórico com os “Manifestoches”, as marionetes de paneleiros e o vampirão Temer, sirvam de grito de guerra e resistência para a fundamental reconstrução da democracia brasileira:
"Não sou escravo de nenhum senhor
Meu Paraíso é meu bastião…
Meu Tuiuti, o quilombo da favela
É sentinela na libertação…
6ª ALA: “NADA POR NÓS, SEM NÓS”.
Nos últimos dois anos, vivenciamos no Brasil um momento nebuloso de nossa ainda jovem democracia. O golpe se aprofunda e caminhamos em direções perigosas. A classe trabalhadora e as pessoas mais pobres já estão pagando a conta deste governo, ilegítimo na sua origem, descomprometido com as causas sociais e sustentado com apoio de uma mídia mentirosa e antidemocrática.
O desmonte estrutural das políticas públicas é evidente e agressivo. Destacamos o ataque ao Sistema Único de Saúde (SUS), em especial, à atual política de Saúde Mental. A proposta em curso pelo Ministério da Saúde, que volta a dar ênfase à internação, não passa de uma reedição grosseira do que tivemos que enfrentar nos anos 80, quando um dos maiores gastos da saúde pública brasileira era com internações psiquiátricas e os usuários submetidos à privação de liberdade e violências diversas. Não vamos tolerar esse retrocesso: Fora Quirino!
O retrocesso atinge também as instituições de defesa de direitos, inclusive os movimentos sociais. Mas o ovo da serpente a gente não ignora, a gente enfrenta.
Direitos humanos são os direitos básicos que possibilitam a construção de um viver em que sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres. O direito à vida, à liberdade, ao trabalho, à educação, à crença religiosa, à terra, à alimentação, à moradia, à mobilidade. Uma sociedade onde a dignidade humana seja garantida não pode ser construída por um estado violento e opressor, mas sim, através do poder popular e do exercício da democracia. Precisamos intensificar e integrar os nossos processos de mobilização social em defesa de uma sociedade livre, justa e solidária, pois somente a luta nas ruas e nas praças poderá fazer cessar o processo de perda de direitos a que estamos submetidos neste momento político brasileiro.
Em meio às nossas lutas, mais um horror, mais um assassinato. Marielle Franco, 38 anos. Uma mulher negra, lésbica e defensora dos direitos humanos que ocupou importante lugar de poder e ousou questionar as violências instituídas em nossa sociedade. Uma mulher que encarna tudo aquilo que não pode mais ser invisibilizado ou silenciado. Uma mulher que, na posição de vereadora da segunda maior cidade do país, pautava o extermínio da juventude negra e a falência da guerra às drogas, questões fundamentais para a consolidação da Política Pública de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas. Essa morte, infelizmente, não é isolada. O Brasil é o quarto país no mundo que mais mata defensores de direitos humanos e o número vem aumentando a cada ano. Não é possível esquecermos que em 2016, Marcus Vinícius, 57 anos, militante da Luta Antimanicomial e defensor dos direitos humanos também foi executado.
É justamente neste momento, na hora mais nebulosa, que precisamos mostrar nossa coragem e força coletiva. Os movimentos sociais falam por sí mesmos! Ninguém vai tomar a nossa voz e a nossa causa. Juntos, as entidades da luta antimanicomial, dos movimentos Estudantil, Negro, Mulheres, LGBTTQ, Sem Terra, Sem Teto, entre outros, sustentam a luta por delicadeza, pela inclusão das diferenças e pelas liberdades. Na defesa de nossos direitos, nenhum minuto de silêncio, mas uma vida inteira de luta. Nada por nós, sem nós!
ATENTAS E FORTES: TANTÃS SEM TEMER OS GOLPES
POR UMA SOCIEDADE SEM MANICÔMIOS!
2018