Publicado em 08/03/2018
Sorridente e serena, Diva Moreira, 72 anos, me recebe para nossa conversa sobre sua militância na esquerda. O local escolhido foi o Parque Municipal, refúgio no centro de Belo Horizonte, onde, ela confessa, costumava ir para namorar durante sua juventude. Na bolsa, a incansável militante traz panfletos sobre a Reforma da Previdência, que sempre distribui na estação de metrô.
Seu repertório de militância, iniciada aos 17 anos, com o movimento estudantil, é amplo: inclui o feminismo, o movimento negro e a reforma psiquiátrica, além de ter feito parte do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e de movimentos sindicais e de bairros. Diva conta que quando se tornou feminista, não se debatia a questão da raça e, portanto, não se pensava em um feminismo que contemplasse as demandas das mulheres negras.
“O movimento feminista surgiu, aqui na capital, em decorrência do assassinato de mulheres célebres por seus respectivos companheiros. Naquela época, eu era a única negra envolvida nesse debate. Foi muito mais tarde, no fim da década de 1970, com a organização do movimento negro, que se começou a falar em feminismo negro”, pontua.
Enquanto as mulheres brancas estavam iniciando sua inserção no mercado de trabalho, as negras já trabalhavam fora para ajudar no sustento da família, há muito tempo. Assim também ocorria com as mulheres brancas pobres, do campo e da cidade. Diva diz que as intersecções de raça e classe social passaram a ser consideradas pelas feministas brancas, no Brasil, por conta do feminismo negro.
“Foi um grande avanço, mas mesmo assim, hoje, 130 anos depois da abolição incompleta da escravização, as pessoas brancas ignoram nossas pautas, acreditando ser um exagero abordar o racismo o tempo todo, em todos os espaços. Com a ideia de que somos um país cheio de misturas, elas nem percebem que vivem em uma sociedade segregada”, avalia.
Filha de empregada doméstica, Diva cresceu rodeada de gente branca e, mesmo tendo seguido um caminho diferente da mãe, sempre é confundida com a empregada da família nas reuniões organizadas por esse círculo social. “Frequentemente perguntam se eu sou fulana de tal, que é a senhora que trabalha hoje para eles, e a discriminação é tanta que, mesmo eu dizendo que não sou essa pessoa, pedem para eu mandar recados para ela, deduzindo que por sermos negras e estarmos naquele ambiente, certamente nos conhecemos”, conta, assombrada.
Feminismo ontem e hoje
Sem saudosismos, Diva acredita que as novas feministas tanto têm para aprender, como para ensinar às feministas de sua geração. “Fico encantada com a construção de coletivos horizontais, dinâmicos e alegres nos dias de hoje, e das várias perspectivas de luta e pautas que têm sido abordadas. Nós não tínhamos isso, pois os movimentos eram muito hierarquizados e centralizados”, afirma.
Já o que a velha guarda, como ela brinca, tem a passar para as novas gerações é o acúmulo teórico, conceitual e histórico, o que Diva faz com muito prazer. Ela conta que, recentemente, em uma conversa com adolescentes sobre sua trajetória, três meninas desabaram a chorar, emocionadas. “Nós aportamos experiência. Não faz sentido cada geração partir do zero, sendo que já há algum acúmulo. No final das contas, todas nós somos parte de um processo histórico que já existia e que seguirá existindo”, pontua.
Referência na militância por uma sociedade justa, fraterna e democrática, como ela mesma fala, Diva recebe o título sem modéstia e quando perguntada sobre o que mais a motiva a seguir na luta, ela não hesita: “Não sei fazer outra coisa na vida. É algo que me dá um prazer enorme, sou muito feliz no que faço e me sinto devedora das e dos meus ancestrais. Além disso, tenho um compromisso com as próximas gerações: quero que elas encontrem um país decente para viver”.
Ao final da entrevista, a versátil militante ainda faz algumas reflexões sobre medicina natural e as consequências para a sociedade do uso, que ela considera exagerado, da tecnologia. Nos despedimos e, de longe, a vejo caminhar, elegante, para seu ponto de ônibus. Na multidão, ela é apenas mais uma mulher e, como toda mulher, com um universo de histórias para contar.
Marcela Viana, assessora adjunta de comunicação do CRESS-MG.
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