Publicado em 01/11/2017
O Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, é uma data que nos provoca pensar tanto a necessidade de valorizar as raízes africanas que conformam a cara e a cultura do que se entende por povo brasileiro, como entender que até os dias de hoje, pessoas negras sofrem – e resistem – às consequências dos povos africanos e seus descendentes que foram escravizados ao longo de séculos. Além da riqueza advinda da África e de seus afrodescendentes, é preciso discutir sobre o racismo enraizado na sociedade e que leva a altos índices de desigualdade racial/social.
Como lidam com a questão social e a garantia de acesso a direitos, as e os assistentes sociais devem estar afiados sobre as pautas da população negra. Assim sendo, o CRESS-MG convidou seu conselheiro, José Ribeiro, para tratar o tema, em função de sua experiência acadêmica e de militância nas pautas do Movimento Negro.
José Ribeiro, assistente social e militante do movimento negro, comenta os desafios da atuação profissional da e do assistente s
1. O Código de Ética da e do Assistente Social prevê o empenho na eliminação de todas as formas de preconceito e, nisso, pode-se inserir o racismo. Quais parecem ser, na sua opinião, os desafios para a aplicação desse princípio no que diz respeito à questão racial?
A conjuntura atual nos remete ao pensamento de que eliminar todas as formas de preconceito é uma utopia vivida pelos grupos que lutam em prol dos direitos humanos no país, dentre eles podemos citar os diversos grupos que compõem o Movimento Negro e suas diversas pautas.
A história nos revela que o Brasil pouco avançou nesta discussão, pois até os dias atuais o povo negro ainda sofre com as permanências do período escravocrata e das atrocidades desde então legitimadas, em que a população negra sofreu brutais tentativas de desumanização, tendo sido tratada como um animal adestrado simplesmente para o trabalho, desconsiderando sua cultura e transformando-a em objeto de negociação, quase destituída de direitos, tida como uma mercadoria que poderia ser trocada por outra. Até os dias atuais vemos que negras e negros sofrem vários tipos de discriminações.
As desigualdades raciais no Brasil configuram-se como um fenômeno complexo e se constituem como um desafio grandioso a ser superado pelos governos e pela própria sociedade como um todo. Combater e enfrentar as dificuldades que se colocam para a superação das desigualdades e da discriminação são os desafios colocados e evidenciados no campo das políticas públicas para a igualdade racial, a partir da reflexão de que o povo brasileiro precisa reconhecer e aceitar sua origem e sua cultura, fato ainda muito incipiente na sociedade brasileira. Tal movimento pode se dar, entre outros, por meio de políticas mais efetivas, que perpassem pelas relações sociais, combatendo as desigualdades sociais, o preconceito e o racismo introjetado nos diversos cantos e espaços do país.
Para o Serviço Social contemporâneo os desafios surgem em decorrência de alguns pontos, sendo eles, o mito da democracia racial, o ideal de branqueamento, a pós-modernidade e, por fim, o retorno da política neoliberal.
2. As pessoas negras (pretas e pardas) são a maioria no Brasil, representando 53,6% da população (IBGE, 2014). Por outro lado, representam 76% das mais pobres, ou seja, são o principal público das políticas públicas. Nesse contexto, quais as consequências do racismo institucional?
As consequências do racismo institucional nos revelam que, no Brasil, negras e negros sofrem não só a discriminação racial devida ao preconceito e operada no plano privado, mas, também e sobretudo, o racismo institucional, que inspira as políticas estatais que lhes são dirigidas e materializadas nelas. Trata-se de discriminação racial praticada pelo Estado ao atuar de forma diferenciada em relação a esses segmentos populacionais, introduzindo em nossas cidades e em nossa sociedade, pela via das políticas públicas, “um corte entre o que deve viver e o que deve morrer”, o que chamo de faxina étnica.
A expressão, utilizada para evidenciar as relações entre o racismo e as políticas públicas do Estado para territórios e populações negras no Brasil, não é mera retórica. Antes, sustenta que as elevadas taxas de homicídio e de “autos de resistência” nos territórios de maioria negra, ou seja, nas favelas e bairros periféricos, as políticas de remoção e de despejo de sua população, os altos índices de encarceramento de negros pobres, a precariedade das políticas públicas de habitação, saúde e educação para o conjunto da população negra e o desrespeito a suas tradições culturais e religiosas não são sucessivos produtos do acaso ou do mau funcionamento do Estado, mas deste modo, traduzem o racismo institucional que opera no país bem ao largo de qualquer perspectiva de integração social e urbana desses segmentos populacionais pela via da cidadania.
Esse modo específico de gestão estatal das populações negras e de seus territórios de moradia − que “faz viver e deixa morrer”, como diz Foucault − pode ser identificado no âmbito das políticas públicas praticadas pelo Estado brasileiro. Para isto, basta examinar alguns dados empíricos que expressam o sentido e o escopo de sua formulação e de sua realização.
3. A consciência negra diz respeito, também, à valorização e preservação da(s) cultura(s) afro-brasileira(s). Quais contribuições o Serviço Social pode trazer a esse debate?
O Serviço Social pode contribuir com a construção da identidade cultural do povo brasileiro, construindo uma reflexão acerca do ser humano, tanto no que abrange a sua individualidade, levando em consideração as questões subjetivas, quanto a sua posição no âmbito social e coletivo; além de proporcionar pesquisas sobre a cultura afro-brasileira em suas mais variadas manifestações, dentro de uma perspectiva abrangente. Ou seja, de modo a entrelaçar as diversas linhas do conhecimento.
Portanto, é necessário pensar os currículos escolares e os projetos pedagógicos para a diminuição da violência e combate às formas de opressão em nosso país e como divulgadoras e divulgadores da cultura, na obrigação de estar à frente deste trabalho. Parto do princípio de que a questão negra no Brasil, enfrenta antigos e novos inimigos no campo da subjetividade, com grande capacidade de mutação e combinação, influenciando o campo objetivo das relações sociais com seus discursos ditos progressistas. Assim, cabe um olhar mais aprofundado e analítico do Serviço Social.
Percebeu-se que este público, em sua trajetória sócio-histórica, carrega as manifestações da questão social, pois o preconceito, a desigualdade, a exclusão social e a negação dos direitos se fazem presentes. São, portanto, grandes os desafios que o Serviço Social enfrenta na contemporaneidade ao procurar direcionar ações que visem à melhoria da intervenção da e do assistente social perante esta população que luta pela construção da política da igualdade racial no Brasil.
4. Finalmente, porque ainda é preciso uma data sobre a Consciência Negra?
Penso que a data sobre a consciência negra sirva para lembrar e refletir que ainda temos que lutar por direitos que ainda não nos foram dados. Mas, consciência negra não se lembra em um único dia e sim todos os dias, pois Dia da Negra e do Negro é todo dia e a luta se dá na cotidianidade dos fatos evidenciados. O que quero sublinhar ao discuti-los é que, no Brasil, as desigualdades sociais se somam e são elevadas pelas desigualdades raciais. Mais do que isso: as desigualdades raciais estão no cerne do modo de gestão estatal dos territórios de maioria negra e desta população.
Todas as situações vividas por este povo e as lutas travadas nos revelam quanto as desigualdades sociais têm cor e estão profundamente enraizadas no racismo institucional que estrutura a sociedade brasileira e se materializa por meio das políticas praticadas pelo Estado, em todos os seus níveis. Esta data serve para fortalecermos o nosso projeto ético-politico, instrumento norteador da profissão que nos vincula ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero e reforça o combate a qualquer forma de discriminação e preconceito, e principalmente o combate ao racismo introjetado em nossas instituições.
LAROYÊ AOS GUARDIÕES.
VIVA A LUTA DO POVO NEGRO/PRETO E QUE AS NOSSAS LUTAS NÃO SEJAM EM VÃO!
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