Travestis e mulheres transexuais – Hoje o dia também é delas

Publicado em 08/03/2017

O Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. Dessas, a maioria são travestis e mulheres transexuais que sobrevivem por meio da prostituição. No Dia das Mulheres, o CRESS-MG aborda o tema, trazendo uma reflexão de como o Serviço Social pode contribuir para modificar esse quadro de ignorância e discriminação. Para isso, conversamos com Fernanda de Moraes que é assistente social, militante pelos direitos da população LGBT e secretária geral da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

1. Quais desafios enfrentam hoje, uma mulher trans?

Primeiramente, não gosto deste prefixo “trans”, pois abrange uma gama de adjetivos e subjetivos, como por exemplo transmissão, translúcida, transporte, transbordar, etc… O prefixo trans exprime o significado de além de, para além de, em troca de, através, para trás. E também pode indicar travessia, deslocamento ou mudança de uma condição para outra.

Uma mulher transexual, ou uma travesti, não se deslocou ou mudou de uma condição masculina para feminina, apenas conciliou o seu gênero para o gênero que se identifica, que sente melhor intimamente, ou melhor, são convictas social e psicologicamente de que pertencem ao sexo/gênero feminino e, que houve discordância na predeterminação genética de seu sexo biológico.

Ainda é enorme a confusão entre Orientação Sexual e Identidade de Gênero*, por causa do sexo de nascimento delas. As mulheres transexuais e as travestis ainda não são aceitas de fato como mulheres, ou pelo menos no gênero feminino, porque no Brasil, e no mundo, é mais fácil ser aceita como homossexual do que modificar seu gênero de nascimento.

*Orientação sexual diz respeito ao sexo pelo qual você se sente atraído. Em linhas gerais, essa categoria é dividida entre as pessoas heterossexuais, as homossexuais e as bissexuais.

Já a identidade de gênero é sobre o gênero (masculino ou feminino) pelo qual a pessoa se identifica, e isso nem sempre está ligado ao seu sexo biológico. Quem tem determinado sexo biológico (vagina, pênis) e se identifica com o gênero que lhe é atribuído (mulher, homem), é considerada uma pessoa cisgênera. Caso não se identifique com o gênero atribuído ao seu sexo, trata-se de uma pessoa transgênera.

2. Para você, o que é ser mulher?

É um conjugado de características, comportamentos e papéis geralmente associados por ambos os fatores, histórica e socialmente definidos e biologicamente criados em uma sociedade.

Gosto do texto em que a escritora, ativista política e feminista Simone de Beauvoir descreve: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. A mulher não tem um destino biológico, ela é formada dentro de uma cultura que define qual o seu papel no seio da sociedade. Porém, o próprio texto rompe com esse destino feminino e mostra que a vida das mulheres pode ser algo completamente diferente do esperado, seja ela o tipo de mulher que for: mulher transexual, travesti ou mulher cisgênero.

3. Por que mesmo dentro do feminismo, há segmentos que relutam em aceitar as mulheres trans?

Muitas feministas não aceitam as mulheres transexuais e as travestis por conta da sua condição de nascimento. Isso parece muito absurdo em pleno século XXI, mas ainda lemos opiniões conservadoras e moralizantes sobre as mulheres transexuais e as travestis, especialmente quando se trata da sexualidade feminina. Mas as mulheres em si se sobressaem às características associadas tradicionalmente à condição feminina, que derivam menos de imposições da natureza e mais de mitos disseminados pela cultura. As mulheres transexuais e as travestis, portanto, colocam em xeque a maneira como as feministas radicais e como a própria sociedade as enxergam.

4. Você é assistente social. O que te levou a escolher esta profissão?

Em minha cidade natal, Manaus (AM), cursei medicina na Universidade do Amazonas, pois não haviam políticas públicas para as mulheres transexuais e travestis. O máximo que a gente tinha era a sobrevivência através da prostituição, onde éramos perseguidas todos os dias pela PM.

Dez anos mais tarde, iniciei o curso de Serviço Social e me formei em 2010, na Unesp de Franca (SP). O que me levou a essa escolha foi o fato de ser uma mulher transexual formada em uma universidade pública e poder dissipar meus conhecimentos sobre a condição identitária feminina das mulheres transexuais e das travestis.

Para ser definida como mulher transexual, ou como uma travesti, não basta que uma pessoa queira pertencer ao gênero feminino ou se submeter à uma cirurgia de redesignação sexual, apenas para usufruir vantagens culturais ou que goste de atividades típicas e vestimentas femininas, pois ser mulher vai muito além disso.

5. Como acha que o Serviço Social pode contribuir para a população trans?

Através da participação conjunta com os movimentos sociais organizados e abrindo portas para que mais e mais Mulheres Transexuais e Travestis se formem e deixem de ser uma população excluída e estigmatizada da sociedade brasileira.

Entre janeiro de 2008 e abril de 2013, foram 486 mortes, 123 casos de mulheres transexuais e travestis vítimas de assassinatos no Brasil. O país mantém a primeira posição do ranking anual que contabiliza a transfobia sofrida por essa população. A maior parte das mortes ocorre com as Mulheres Transexuais e as Travestis que se prostituem.

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