Luta em unidade da classe trabalhadora é fundamental para aprovar piso salarial
Publicado em 30/03/2016
(Arte: Rafael Werkema/CFESS)
A análise da conjuntura política do país,
divulgada pelo CFESS há duas semanas, apontou uma série de provocações sobre o momento político brasileiro e, principalmente, preocupações acerca da crescente onda conservadora que ataca reivindicações históricas da classe trabalhadora.
Além de atento e posicionado neste contexto, o Conselho Federal tem acompanhado e participado das lutas gerais de trabalhadores e trabalhadoras, seja nas ruas ou nos espaços de controle social, e dado destaque às pautas mais específicas do Serviço Social brasileiro, a exemplo dos projetos de lei (PL) diretamente ligados às condições de trabalho da categoria de assistentes sociais.
A tensão política dos últimos meses tem influenciado diretamente nas pautas e votações no Congresso Nacional, que emperrou de vez a análise de matérias que poderiam garantir direitos da população brasileira.
Se antes parlamentares já não demonstravam esforço em acelerar a tramitação de projetos de interesse da classe trabalhadora, votando seletivamente aqueles que agradam o empresariado e o próprio corpo parlamentar, agora, em meio à guerra política, denúncias de corrupção e ataques entre os partidos políticos, pautas progressistas são totalmente ignoradas e esquecidas.
Nesse bojo, estão os projetos de lei que impactam diretamente nas condições de trabalho e nos campos de atuação de assistentes sociais, como o
PL 5.278/2009, que dispõe sobre o piso salarial da categoria, ou o
PL 430/2015, que trata das condições de trabalho, entre outros.
Em todo o país, assistentes sociais vêm se indignando cotidianamente com as condições salariais da categoria, reconhecendo também que a precarização atinge amplos setores da classe trabalhadora e que a luta deve ser coletiva.
Nesse sentido, o CFESS e o grupo de assistentes sociais
Mobiliza Brasil, que reúne profissionais, estudantes e entidades, têm dado destaque à pauta do piso salarial e de outros projetos de interesse da categoria.
E para falar um pouco sobre estas temáticas em uma perspectiva mais ampla, abordando o mundo do trabalho em meio a esse turbilhão de acontecimentos, o CFESS conversou com o sociólogo e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Ricardo Antunes. Autor de livros considerados parte da bibliografia básica no Serviço Social, como Adeus ao Trabalho (1995) e Os Sentidos do Trabalho (1999), Antunes afirmou que só a mobilização da categoria será capaz de reverter o quadro de precarização das condições de trabalho de assistentes sociais.
CFESS – Hoje, a categoria de assistentes sociais, assim como toda a classe trabalhadora, vem sofrendo ataques às suas condições de trabalho: salários baixíssimos, desrespeito à Lei que reduziu para 30 horas a jornada de trabalho, realização de tarefas para além daquelas estabelecidas pela Lei de Regulamentação, entre outros. Dentro dessa perspectiva, e a partir de parte de sua obra acerca do tema, principalmente no que diz respeito ao alargamento das formas precarizadas de trabalho, de que maneira você analisa este momento?
Ricardo Antunes – Estamos vivemos num contexto muito contraditório no país. Nos últimos anos, foi possível avançar em algumas conquistas categorias e de grande relevância, mas bastante pontuais. Um exemplo é a ampliação de toda a legislação protetora do trabalho para as trabalhadoras domésticas (
Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015).
Esse foi um avanço muito importante que, assim como qualquer direito conquistado pela população, teve, como contrapartida, a burla. Certamente, o número de patrões nas casas do Brasil que estão seguindo à risca esta legislação social protetora do trabalho é menor do que quantidade de trabalhadoras domésticas que estão tendo seus direitos garantidos.
Isso mostra que quando se tem um avanço efetivo, este é frequentemente barrado pela prática concreta do aviltamento do trabalho.
O mesmo pode se dizer sobre a redução da jornada de trabalho das assistentes sociais. Um direito garantido por lei, mas que vem sendo burlado a partir de uma propositura do governo federal.
Estamos presenciando uma ampliação do assalariamento dos serviços sociais e sua proletarização, essa entendida como precarização do trabalho. Como a precarização é um processo, um movimento, ela pode ser maior ou menor.
Se você estabelece a jornada de 30 horas e ela é efetivada, isso é um avanço pra quem trabalhava 40 ou 44 horas. Mas se você estabelece a jornada de trinta horas e continua trabalhando quarenta, é porque você está sofrendo um processo de precarização, seja pelo aumento da carga de trabalho, seja pela burla de um direito legal.
Ricardo Antunes durante entrevista para o site
Viomundo (Reprodução/Imagem: Padu Palmério)
CFESS – Dentro dessa perspectiva, qual o significado e importância de se ter um piso salarial?
Ricardo Antunes – Ter um piso salarial significa demarcar que a classe trabalhadora não deve aceitar receber menos do que o estabelecido por lei. E lutar por um piso salarial é enfrentar a precarização das condições do trabalho.
Entretanto, não basta lutar para se ter um piso. É preciso lutar para que ele seja respeitado. Veja como exemplo professores e professoras do ensino público, que possuem um piso salarial, mas que muitos estados e municípios não cumprem por falta de obrigatoriedade no cumprimento da Lei.
Então, o primeiro passo que as assistentes sociais devem dar é conseguir a aprovação de um piso salarial digno. Em seguida, lutar pela sua implementação.
Hoje, o que as classes dominantes querem é uma política de flexibilização, onde o negociado se sobrepõe ao legislado. A barbárie é completa.
CFESS – E como enfrentar esses ataques?
Ricardo Antunes – Somente através de mobilização e resistência. Vou dar um exemplo. No ano passado, a Câmara dos Deputados, por meio de manobra do deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) votou, na calada da noite, o então PL 4.330/2004 (agora
PLC 30/2015), que leva à terceirização total. Sua votação ocorreu de forma bruta e esmagadora por um parlamento aviltado, que faço questão de ressaltar que é o mais degradado de toda a história brasileira e que chamo de “parlamento de negócios”.
Assim que o PL foi votado na Câmara, houve uma expressiva mobilização no Brasil de sindicatos e centrais sindicais, movimentos sociais etc. que deram visibilidade aos perigos da votação e aprovação do projeto de lei, impulsionando um movimento nacional de recusa ao projeto, com ameaça de greves e paralisações.
Semanas depois, esse PL foi colocado em votação novamente e, embora aprovado e comemorado pelas classes dominantes, ele foi menos votado, comparado à primeira votação, e sofreu uma série de alterações e correções.
E por que isso ocorreu? Porque houve mobilização. Hoje, o PL da Terceirização está no Senado (PLC 30/2015). Se ele for colocado em votação, será necessário convocar uma greve geral dos trabalhadores e trabalhadoras contra sua aprovação.
Portanto, só há um jeito de impedir as derrotas dos direitos do trabalho: com resistência, denúncia e mobilização.