A disputa de poder na conjuntura e os desafios de organização da classe trabalhadora
Publicado em 16/03/2016
Arte: Rafael Werkema/CFESS
“Bordar novas quimeras
Para quê,
No desapegar das agonias, do caos enlouquecedor e da hipocrisia escravizada
Possamos virar a página da pré-história desumana
E tecer no amanhecer de um novo cotidiano
Outrora ilusões desejadas”.
(daniela castilho)
As posições do CFESS têm sido historicamente muito nítidas e autônomas quanto aos governos brasileiros e aos interesses das classes dominantes. Nossa profunda e necessária crítica reitera nossa responsabilidade com o que a categoria de assistentes sociais construiu nas últimas décadas com o projeto ético-politico, e nosso compromisso com a classe trabalhadora, classe a que pertencemos e na qual construímos nossa identidade.
A atual gestão do CFESS, Tecendo na luta a manhã desejada, mantém esta direção política, no reconhecimento de que, numa sociedade desigual, a ideologia é prática inevitável da luta de classes. Nessa perspectiva, realizamos, junto com outras entidades e movimentos sociais, a crítica aos governos que fortalecem o projeto das elites e suas opções em favorecer o capital em detrimento das condições de vida da população, especialmente por meio da privatização da saúde, educação e violação dos direitos sociais e humanos. Repudiamos, pelos vários informativos CFESS MANIFESTA, o conservadorismo e reacionarismo que tão fortemente se expressam em nosso país.
Nessa perspectiva, lançamos em 2015 um primeiro CFESS MANIFESTA sobre essa conjuntura (
clique para acessar), no qual reiteramos a posição autônoma quanto ao atual governo e contra sua adesão ao projeto de conciliação de classes, que favoreceu os interesses do grande capital, implementando algumas escassas e tímidas reformas sociais. Projeto que nos impacta diretamente como categoria, nas condições de rebaixamento da nossa formação profissional (a exemplo do crescimento exponencial do EaD) e precarização do trabalho (expressa na regulamentação da terceirização e outras formas de flexibilização do trabalho), amplamente por nós debatidos e expressos em documentos disponibilizados no site da entidade.
Também denunciamos que os ataques aos direitos conquistados pela classe trabalhadora não foram poupados e as condições de proteção social estão cada dia mais nas mãos do capital privado, como bem revelam a previdência social, a educação e a saúde neste país. Alguns dos flagrantes da direção política do governo petista na continuidade da política econômica do ajuste fiscal e sua concessão ao mercado financeiro são expressos pelo investimento na Ebserh, Funpresp e no Fies como o maior custo do MEC.
Os acontecimentos dos últimos dias de ataque ao ex-presidente Lula representam, em nossa opinião, o resultado desastroso, mas esperado, das opções históricas do Partido dos Trabalhadores ao romper com a necessária radicalidade do projeto da classe trabalhadora e fortalecer seu compromisso com as elites, pela perspectiva da conciliação que ora chega ao esgotamento ante a crise econômica. Acompanha este processo o repúdio das elites a tudo que representa o mínimo de avanço dos direitos dos/as trabalhadores/as, mesmo que tão frágeis e cheios de contradições, como nos últimos governos.
O que se espalha no país hoje é movido ainda pela grande mídia, expressiva do oligopólio de uma comunicação não democratizada e dominada por poucos grupos familiares da elite brasileira. Lula e o PT, por mais que tenham abandonado os interesses da classe trabalhadora, trazem, simbólica e contraditoriamente, algumas referências dos movimentos sociais. Movimentos que conduziram tensões históricas importantes e fazem tremer a aristocrática burguesia brasileira que hoje conduz, com sangue no olho, a disputa de governo em meio a uma crise estrutural.
Por isso, na nossa avaliação, o comportamento recente da Polícia Federal, do Poder Judiciário e ainda as ações absurdas da Polícia Militar no Sindicato dos Metalúrgicos em Diadema (SP), ilustram essa reação antidemocrática e antipopular de forma cristalina. Repudiamos estas ações políticas e seletivas de suposto combate à corrupção. Reconhecemos a necessidade de investigação ampliada de todos os partidos e pessoas envolvidas com a usurpação do dinheiro público, mas compreendemos que o direcionamento unilateral é parte da reação das classes dominantes que não mais identificam o PT e Lula como autênticos representantes do projeto do grande capital. Lembramos ainda que esta seletividade do Judiciário não é bem uma novidade para a população negra, nordestina e a juventude pobre, que enfrentam cotidianamente a luta pela sobrevivência e têm, na resistência, o mote constante de sua criminalização, e por vezes, até a morte.
O que nos preocupa e, ao mesmo tempo, nos alerta é saber que parte do fascismo, presente em várias manifestações, é também direcionado à classe da qual Lula se originou e atinge sim a luta dos direitos sociais e humanos, da liberdade de expressão e ainda os movimentos sociais organizados na perspectiva da radicalidade. Fossem somente direcionados ao PT, os panelaços e aplaudaços, plenos de falta de conhecimento da história e cultura, não vociferariam repúdio contra bandeiras, direitos e a todo e qualquer sinal de reação e organização da classe trabalhadora.
Lula e o PT tomaram direção divergente dos interesses de classe, prejudicando inclusive o seu próprio poder de mobilização e força da organização para enfrentar o reacionarismo crescente, mas a luta continua no lugar onde sempre esteve e com quem dela necessita. Se apontamos a necessidade urgente de reconstrução do campo político com um caráter critico e radical, temos esperança no poder histórico das lutas sociais.
Assim, nos posicionamos contra a crescente onda conservadora, porque ela atinge também nossas reivindicações históricas. Reforçamos a importância de proteger as conquistas da democracia, que, a despeito de suas contradições, resguardou a duras penas os direitos e legalidade de organização da classe trabalhadora. Ressaltamos, no entanto, que o caminho essencial para a força e unidade dos/as lutadores/as é, sem dúvida, a busca por superarmos ilusões e mitos e avançarmos na articulação política coletiva da classe. Sigamos juntos/as com quem se mantém na luta, sintonizando discursos e práticas cotidianas em defesa dos/as trabalhadores/as e o projeto de emancipação humana.