Estado Laico e religiosidade no Serviço Social foram discutidos em evento na Sede (BH)
Publicado em 03/10/2013
A influência de grupos religiosos na política, em especial na luta dos movimentos feminista e LGBT, foram abordados na quarta edição do Ciclo de Debate Diálogos em Direitos Humanos, promovido pelo CRESS-MG, em BH, no dia 25 de setembro.
O tema do encontro, Laicidade do Estado, foi tratado pela convidada Magali da Silva Almeida, assistente social, professora de Serviço Social da UFBA e especialista em religiosidade, e também por Bernadete Esperança, enfermeira e integrante da Marcha Mundial das Mulheres, e Carlos Magno, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT).
Veja os destaques do debate.
Estado Laico como direito
Estado laico significa um país ou nação com uma posição neutra no campo religioso. A laicidade do Estado pressupõe a não intervenção da Igreja nos assuntos sociopolíticos e culturais. O contrário disso, ou seja, quando doutrinas norteiam deliberações políticas, jurídicas e policiais é conhecido como teocracia, ou Estado religioso, como acontece na Inglaterra, com o protestantismo ou em Israel, com o judaísmo.
Diferente do que se pode pensar, o Estado laico é uma forma de governabilidade que permite aos cidadãos de uma nação, a livre manifestação religiosa, como afirma a professora Magali. “Laicização é entender o processo de regulamentação política, incluindo aspectos jurídicos, de modo que, pensar Estado Laico, é pensar num Estado neutro diante da diversidade cultural e religiosa”, afirma.
O Brasil é um país laico, entretanto, frequentemente, grupos religiosos interferem nas decisões tomadas por indivíduos, para o coletivo. Um exemplo atual disso é a bancada evangélica que vem ganhando cada vez mais força no Congresso Nacional. Haja vista que o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados do Brasil, Marcos Feliciano, pertence a esta bancada.
De acordo com Magali, o pastor Feliciano é fruto de um processo iniciado no Brasil, nos anos 1970, que foi a criação da Igreja Universal do Reino de Deus. “A Universal se opõe à teologia da libertação, da igreja católica, e tem uma perspectiva conservadora que desconstrói todos os direitos conquistados pelos trabalhadores, nas décadas anteriores a sua fundação”, comenta.
A professora acredita que a laicidade deve ser vista como um direito, mas esse debate deve ser pensado e articulado não apenas na concepção da cisão entre Estado e religião. “É preciso observar como as diferentes religiões se manifestam, se renovam, se rearticulam e intervêm na cena pública”, aponta. Magali completa, ainda, que esse é um debate fundamental, pois faz com que repensemos questões que imaginamos que já havíamos superado. “No domínio da luta de classes, é importante conhecer essas formas de opressão mantidas pelo próprio Estado”, diz.
A palestrante acredita que o Serviço Social avançou muito ao romper com uma perspectiva conservadora, entretanto, ainda há lacunas a serem preenchidas, sobre a formação acadêmica. “Penso que fica um vazio, pois a questão da religiosidade perdeu espaço na academia, como se ela não fosse merecedora de tratamento teórico e empírico. Hoje, por conta da força da religião em todo o processo de internacionalização do capital, é necessário debater esse tema em todas as esferas da formação do assistente social”, observa.
Religião na luta LGBT
“Um dos grandes problemas que fazem com a nossa luta, é despolitizá-la”, afirma Carlos Magno, sobre a luta do movimento LGBT: “O que vemos hoje, na política, não são discursos parlamentares, e sim, descaradamente religiosos”, ressalta.
O presidente da ABGLT afirma que a defesa do Estado Laico é central para todos os movimentos sociais. “Esse é um modelo de governo que garante a pauta dos direitos humanos e efetiva a cidadania. Sem ele, o conjunto da militância social sai perdendo, e a sociedade também”, destaca.
A bancada evangélica, hoje, no parlamento tem grande poder, como afirma Carlos: “Esses grupos religiosos não são grandes, são barulhentos.” Ele acredita que a eleição de Feliciano tenha sido positiva, no sentido de chamar a atenção da sociedade para as demandas LGBTs. “O processo do deputado foi importante, porque toda a homofobia que tratamos há muito tempo, foi revivida por ele, e muita gente indiferente a essa causa, passou a se posicionar. Um debate que era nosso, da nossa sexualidade, passou a fazer parte da cena pública”, pontua.
Ainda otimista, o militante destaca que se por um lado há uma poderosa força conservadora na política, por outro lado, existem setores progressistas da igreja católica, pentecostal, etc. “Devemos saber dialogar com esses grupos, estar abertos ao debate com quem está disposto a debater conosco”, afirma.
Mulheres silenciadas
É propagado que a vida das mulheres melhorou muito, inclusive com uma presidenta a frente do país. Mas não é bem assim, afirma a militante Bernadete. “Vários estudos comprovam que continuamos sofrendo violências domésticas e discriminação no mercado de trabalho. Fora aquilo que era privado e passou a ser público, como a própria questão do estupro dentro de casa”, argumenta.
Um debate sempre muito atual, o aborto, também foi tratado por Bernadete. “Em BH, a principal causa de morte materna em BH é o abortamento inseguro. Esse é um tema de saúde pública. Quem morre por aborto é a mulher pobre, negra e que não tem acesso a uma saúde pública, em que ela possa fazer o procedimento com segurança, como acontece com a mulher rica”, aponta.
Vivemos em uma conjuntura em que o conservadorismo tem voltado a crescer, intrinsecamente ligado ao aumento da crise no sistema capitalista. Para Bernadete, há três saídas para isso: guerras, com o aumento da exploração dos trabalhadores; surgimento de governos fascistas e nazistas, para manter e reproduzir o sistema vigente; ou fazer a revolução e transformar esse cenário de barbárie. “Nós queremos a transformação, por isso não podemos menosprezar a força desses parlamentares religiosos que não nos representam. É preciso lembrar que não queremos só um Estado Laico, mas também um Estado não capitalista, patriarcal e racista”, completa.