“São nas brechas que se encontram os perigos”, analisa Lourdes Machado

Publicado em 06/06/2012

Três ônibus saíram de Belo Horizonte rumo à manifestação contra o Ato Médico realizada em Brasília na úlima quarta-feira, 30 de maio. Organizada pela Frente Mineira de Defesa da Saúde, a caravana reuniu diversos profissionais e estudantes de Psicologia, Fisioterapia, Enfermagem, Farmácia, Nutrição, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e Serviço Social, entre outros. Eles temem pela autonomia de suas profissões, caso sejam aprovados o Projeto de Lei do Senado (PLS) 268/2002 e o Projeto de Lei (PL) 7703/2006, conhecidos como "Ato Médico”.

A Frente Mineira de Defesa da Saúde, composta por diversos conselhos profissionais e entidades, entre eles o CRESS-MG, teve atuação destacada na manifestação em Brasília. Nesta entrevista, Lourdes Machado, conselheira e tesoureira do Conselho Regional de Psicologia (CRP-MG), explica quais são as principais críticas do movimento.

– Inicialmente, o Ato Médico era um Projeto de Lei do Senado (PLS) contendo apenas 5 artigos e se transformou em complexidade. Como a Frente Mineira em Defesa da Saúde avalia esse processo?

Não é um PLS simples e, por isso, ele está tramitando há 10 anos. E são muitos interesses envolvidos. É preciso ressaltar que a Frente Mineira de Defesa da Saúde não é contra a regulamentação da Medicina. A nossa crítica está direcionada à forma como o PLS está redigido. Mesmo com toda as alterações, ele continua deixando brechas em alguns artigos. E, assim como em qualquer lei, são nessas brechas que se encontram os perigos.

– Quais são os nós críticos que persistem?

O primeiro nó crítico é a questão do diagnóstico nosológico. Esse é, provavelmente, o ponto crucial. O Ato Médico considera o diagnóstico nosológico como uma atividade privativa dos médicos. E aí está o principal impasse. Nós gostaríamos que a redação fosse alterada para deixar claro que se refere apenas ao diagnóstico médico. Porque nós entendemos que o diagnóstico nosológico também é prerrogativa de outras profissões da saúde que podem utilizar a prescrição.

– Para compreendermos melhor, o que significa o termo nosológico?

É a determinação da origem e da causa da doença, a partir da qual se faz uma prescrição. É óbvio que nós entendemos que a prescrição medicamentosa é uma prerrogativa do médico. Isto nós não questionamos e inclusive está no Código de Ética que norteia a profissão do psicólogo e dos demais profissionais da saúde também. Mas a gente quer continuar trabalhando da forma como fazemos. Os psicólogos querem continuar fazendo diagnóstico e trabalhar em cima de uma prescrição que seja psicológica.

– É possível ilustrarmos essa polêmica através de uma situação concreta?

Vamos considerar um exemplo simples. Digamos que um usuário do sistema de saúde apresente um quadro psicológico relacionado a um problema de obesidade. Eu, como psicóloga, considero que devo encaminhá-lo para uma nutricionista. Segundo o Ato Médico, eu não vou poder, pois não terei autonomia para prescrever esse tratamento. O procedimento que precisarei adotar é encaminhar esse usuário a um médico, que avaliará a necessidade e a pertinência da minha indicação. Se esse médico estiver de acordo, ele irá encaminhar o usuário para o nutricionista. Uma vez acionado, o nutricionista fará uma avaliação do usuário e novamente deverá reencaminhá-lo ao médico, para que este avalie se sua prescrição é pertinente e se há necessidade de retorno ao psicólogo. Então nós entendemos que isso fere a autonomia das profissões, faz reserva de mercado e nos torna meros secretários da Medicina.

– Então, o PLS também altera toda a dinâmica do atendimento em saúde e prejudica a população?

Extamente. Isso acontece de diversas formas. O PLS determina, por exemplo, que toda prática invasiva só pode ser realizada com prescrição médica. Isso significa que o enfermeiro até pode aplicar injeção, desde que com autorização do médico. Então, imagine as campanhas de vacinação infantil. Antes de receber a vacina, as mães de todas as crianças deverão obter uma prescrição médica. Isso fere a autonomia do trabalho do agente de saúde e do enfermeiro. Imagine isso no âmbito do SUS. Imagine o impacto disso para os diversos munícipios pequenos que nem sequer possuem médico.

– Além do diagnóstico e da prescrição, que outro ponto é considerado nó crítico?

Um outro ponto polêmico é a questão das chefias. Segundo o Ato Médico, todos os serviços médicos deverão ser coordenados por médicos. Isso nós estamos de acordo, assim como, por exemplo, os serviços de enfermagem são chefiados por enfermeiros. Mas o que significa “serviços médicos”? Essa é uma brecha que preocupa. Em nenhuma parte da legislação, se define o que são serviços médicos. E aí se abre a possibilidade para diversos entendimentos. Serviços médicos poderiam abarcar, por exemplo, o Centro de Atenção Psicossocial ou as secretarias de saúde, que hoje têm diversos gestores que não são médicos. Então, é preciso definir o que são “serviços médicos”.

– As bases estruturais do Sistema Único de Saúde ficam prejudicadas com o Ato Médico?

A 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986, foi o grande marco para a construção do modelo atual de saúde pública no Brasil. Ela amplia o conceito de saúde, seguindo indicações da Declaração de Alma-Ata de 1978, assinada por diversos países do mundo. Então, a saúde deixa de ser ausência de doenças e passa a ser um conjunto de bem-estar físico, social, psicológico, etc. A saúde passa também a englobar uma série de direitos, como o direito à alimentação, à vida social, ao lazer, etc. Construiu-se a ideia de que organismo saudável é aquele que tem condições internas e externas de combater o agente agressor. Por isso, o Ato Médico é um retrocesso, uma vez que ele contraria a ideia que já vem sendo trabalhada de uma saúde multiprofissional. A Declaração de Alma-Ata faz um resgate histórico, reconhecendo inclusive o papel desempenhado pela parteira, e enfatiza a importância dos vários profissionais da atenção primária. Foi essa noção que possibilitou a constituição e os avanços do SUS. A saúde é um campo de múltiplos saberes e fazeres. Qualquer equipe de saúde de um posto, CTI ou UTI envolve médicos, psicólogos, assistentes sociais, fonoaudiólogos, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas, farmacêuticos, etc. Assim, o sistema de saúde enxerga o indivíduo na sua totalidade e não só no recorte da doença. Os aspectos sociais e psicológicos são considerados. Tudo isso foi conquistado arduamente pelas nossas profissões e pelos usuários do SUS ao longo dos anos. E ao fazer uma reserva de mercado, colocando todos os profissionais tutelados pela Medicina, estamos ferindo os princípios do SUS e as deliberações das conferências de saúde.

– Em que pé está o trâmite do Ato Médico e qual a estratégia de mobilização?

Está faltando passar em duas comissões: a de Educação e a de Assuntos Sociais. Aí depois vai para a votação em plenário. O senador Cássio Cunha Lima é o coordenador da Comissão de Educação. Depois de uma audiência pública, ele sinalizou mudanças na redação, tentando alterar a questão do diagnóstico nosológico. Mas, segundo informações não oficiais, não houve acordo com a Medicina. Ao que parece, os médicos não abrem mão da redação desse artigo. Essa é a informação corrente, mas ainda não temos detalhes. A estratégia da Frente Mineira de Defesa da Saúde é participar da mobilização nacional, coordenada pelos diversos conselhos profissionais. No plano estadual, vamos fazer uma grande movimentação e dialogar com os senadores mineiros. É preciso ainda debater o projeto com a população. Porque se perguntarmos nas ruas o que é o Ato Médico, as pessoas não sabem responder. Por uma questão histórica, devido ao poderio da Medicina, as pessoas tendem a achar que nós estamos contra a profissão dos médicos. Então precisamos deixar claro que não somos contra a regulamentação, mas não podemos aceitar a invasão nas nossas profissões.

Leia também: Manifestação contra o Ato Médico reúne profissionais e estudantes em Brasília

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