Publicado em 16/07/2024
“Me tornei uma pessoa com deficiência aos dezesseis anos e a partir disso, percebi o quanto somos invisibilizadas, consideradas incapazes para estar na sociedade com as demais pessoas devido à crença de que os corpos normativos, popularmente entendidos como `normais´, são superiores.”
A fala é da presidenta do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência (PcD) de Juiz de Fora e assessora de Política para Pessoa com Deficiência do mesmo município, Rita Petronilho, que afirma que o capacitismo é parte de nossa cultura e que mudar começa por acolher as demandas dessa população e conscientizar a todas e todos de que há muitas formas de existir.
“O preconceito e a discriminação são estruturais em nossa sociedade. E vemos exemplos em vários âmbitos, desde a falta de acessibilidade em bares às limitações nos planos de carreira ou mesmo a falta de autonomia para decidir sobre o nosso direito reprodutivo e sexual”, aponta. Para a pedagoga e pesquisadora do tema, o debate vem florescendo e “não tem mais volta atrás”.
No Serviço Social brasileiro, por exemplo, a principal entidade representativa da profissão, o Conjunto CFESS-CRESS, elegeu, em seu último Encontro Nacional, em 2023, que o tema a ser abordado para o próximo Dia da e do Assistente Social (15 de maio) seria “Serviço Social na luta Anticapacitista: Por um Brasil de pessoas humanamente diferentes e totalmente livres”.
Para isso, foram criados GTs e comissões, buscando promover formação, em todos os cantos do Brasil, que abordasse a temática, sempre considerando as demandas trazidas pelas próprias PcDs. Nesta perspectiva de defender o fim do capacitismo, é preciso entender que há uma gama de deficiências – e suas particularidades, e que todas e todos PcDs são sujeitos de direito.
“Capacitismo é um termo novo para algo que sempre foi vivido por nós. Agora que tem se dado mais visibilidade ao assunto, reforçamos o quanto sua prática é cruel e segregadora. Devemos produzir artigos, pautar em eventos e abordar o tema com as famílias das PcDs para evitar a superproteção e a insegurança que também podem prejudicar a convivência social”, acrescenta Rita.
Enquanto pedagoga, a profissional destaca o quanto a educação é fundamental na vida de todas as pessoas por proporcionar conhecimentos, sociabilidade e a construção do sujeito. “A aprendizagem se faz com trocas e interações coletivas. A educação especial, na perspectiva inclusiva, visa superar o paradigma biomédico, centrado em diagnósticos e abordagens terapêuticas.”
Atendendo ao disposto na Constituição Federal e na “Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência” (ONU), este formato inclusivo de educação busca o modelo social, em que a PcD é a pessoa de direito, é sujeito de relação e de interação. Portanto, é preciso que este formato seja incorporado nos sistemas de ensino público e privado.
“Avançamos muito no entendimento da aprendizagem enquanto sociedade, mas ainda falta inclusão. É na educação que vivenciamos a diversidade, aprendemos a viver com as diferenças, com respeito das especificidades de cada sujeito. Pensar em uma educação anticapacitista é pensar em uma educação que inclua todas as pessoas, com deficiência ou não”, elucida Rita.
Acolhimento, informação, iniciativas junto ao poder público: muitas são as possibilidades para promover a acessibilidade – conceito central nesta luta. Segundo a pesquisadora, é urgente desconstruir o olhar assistencialista, patriarcal e capacitista sobre as pessoas com deficiência e, claro, pensar as estratégias sempre junto com quem vive a deficiência.
É direito, não é favor
Em certa ocasião, as e os estudantes de Serviço Social da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg), em Cláudio, assistiram um debate sobre autismo em que a palestrante afirmou que o mais importante na atuação profissional com este público era ter amor e empatia pelas pessoas atendidas, num ideal marcadamente paternalista.
Discordando da afirmação, a professora de Direitos Humanos da turma e coordenadora do curso de Direito da mesma instituição, Ana Paula Diniz propôs uma reflexão com as futuras e futuros assistentes sociais após o evento. “Não se exige amor e empatia assim. Enquanto profissional, amemos ou não o outro, temos compromisso ético e jurídico na garantia de direitos dessa população.”
O viés da caridade, da piedade e do assistencialismo são pouco ou nada efetivos quando se trata de garantir direitos a pessoas em situação de vulnerabilidade ou, neste caso, a pessoas com deficiência. Neste sentido, a advogada Ana Paula acredita que a luta anticapacitista começa ao olhar o outro como sujeito de direitos.
“Para isso, as políticas públicas e a legislação têm o papel de promover a igualdade no plano fático, ou seja, a igualdade material ou equidade, diferente da igualdade meramente formal proposta pela Constituição quando diz que todos são iguais perante à lei”, destaca.
Na prática, cada pessoa tem uma trajetória, condições de acesso aos direitos diferentes em virtude de várias questões, assim, é preciso políticas que promovam acessos diferenciados de acordo com cada necessidade, como pondera a profissional que já lecionou Direitos Humanos no Curso de Serviço Social da Uemg.
“Equidade significa dar às pessoas o que elas precisam para que todas e todos tenham acesso às mesmas oportunidades. Somente por meio de políticas públicas efetivas e estruturantes, o direito à igualdade formal será concretizado. É, portanto, papel do Estado promover essas políticas uma vez que se coloca, dentro da Constituição, na condição de garantidor de direitos”, reflete.
Portanto, enquanto assistentes sociais que lidam com esta diversidade, é preciso estar se atualizando constantemente, a fim de ofertar um atendimento de qualidade, sem causar constrangimentos e mais violências, e que garanta o acesso a direitos e a tão almejada dignidade humana que é negada a muitas populações, inclusive a de pessoas com deficiência.
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