Publicado em 26/06/2023
Álef, Antônio, Francisco, Jandson, Jardel, José Gilvan, Marcelo, Patrício, Pedro, Renayson e Valmir. Na madrugada dos dias 11 e 12 de novembro de 2015, estas onze pessoas, jovens e adultos da periferia de Fortaleza (CE), no bairro do Curió, na Grande Messejana, eram torturadas e assassinadas num massacre que ficou conhecido como a Chacina do Curió. Os autores: agentes do Estado.
Ao todo, 34 policiais militares são réus acusados do crime. A primeira fase do julgamento, que começou no último dia 20/6 e terminou na madrugada do domingo (25/6), condenou quatro policiais militares a mais de 1.100 anos de prisão por participação na Chacina do Curió.
Neste 26 de junho, Dia Internacional de Apoio às Vítimas da Tortura, o CFESS se solidariza às famílias das vítimas do crime, reforçando o compromisso ético-político da categoria de assistentes sociais na defesa intransigente dos direitos humanos.
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Não à toa o Conselho é, desde 2021, integrante do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT), pois entende a importância da atuação da categoria profissional em espaços de combate e enfrentamento às situações de violências e violações de direitos realizadas por distintas instituições e promovidas pelo Estado. Como exemplos, as inúmeras denúncias que expõem situações de maus-tratos e tortura nos diferentes equipamentos públicos de confinamento e na sociedade em geral.
A assistente social Mauricleia Soares, que representa o CFESS no Comitê, ressalta que o Serviço Social, na defesa dos direitos humanos, entende e apoia as legislações que caracterizam e definem o ato de tortura – a Convenção contra a Tortura, promulgada pelo Decreto nº 40/1991. A normativa estabelece que tortura é um “ato pelo qual uma violenta dor ou sofrimento, físico ou mental, é infligido intencionalmente a uma pessoa, com o fim de se obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissão; de puni-la por um ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir ela ou uma terceira pessoa; ou por qualquer razão baseada em discriminação de qualquer espécie, quando tal dor ou sofrimento é imposto por um funcionário público ou por outra pessoa atuando no exercício de funções públicas, ou ainda por instigação dele ou com o seu consentimento ou aquiescência”.
Assistente social e conselheira do CFESS, Iara Santana, de Fortaleza (CE), há anos tem acompanhado de perto as famílias das vítimas da chacina de Curió. Com o lema “transformar o luto em luta”, mães e familiares vêm lutando por justiça e enfrentando ameaças e outras formas de tortura.
“As pessoas assassinadas e aquelas que sobreviveram aos crimes cometidos por agentes públicos do Estado cearense naquela noite de novembro de 2015 tiveram suas vidas cruzadas pela tortura. E de lá até aqui, especialmente as mães, com corações dilacerados, sofrem também a tortura movida pelo sentimento de indignação e dor pela perda dos seus parentes. Não me esqueço o que ouvi de dona Edna, mãe de uma das vítimas, ainda em 2015: ‘eu paguei, eu financiei a morte do meu filho’”, recorda Iara do período que trabalhava como assistente social do Programa de Proteção. Ela lembra que dona Edna se referia aos impostos que a população paga destinados à política de segurança pública. “Entendi naquele momento, como seria radicalmente diferente se tivéssemos uma polícia desmilitarizada”, destacou Iara.
Na última semana, a chacina voltou a ganhar repercussão nacional em razão do julgamento dos autores. O CRESS-CE recentemente publicou nota de apoio a familiares e vítimas, destacando que quem sobreviveu vivencia consequências físicas, sociais, psicológicas, emocionais e outras formas de violência e violações dos direitos humanos. “Assim, é urgente romper com a invisibilização e a naturalização da violência praticada cotidianamente contra jovens negros e negras (…)”, diz trecho do documento, reforçando a necessidade de se aprofundar “o debate no campo ético-político profissional com vistas a contribuir com a luta coletiva contra a violência e a militarização do Estado e pela memória e justiça, em especial quando as vidas são “descartáveis” à lógica capitalista”.
A voz de quem espera por justiça
“A espera e a busca por justiça, que começou agora, tem sido longa para nós”, relata Silvia Helena, familiar de uma das vítimas da Chacina do Curió. Já são anos torturantes aguardando pelo julgamento, com sofrimento não só pelas perdas de amigos e familiares, mas também pelas ameaças recebidas nesse tempo, que fizeram com que seu filho, sobrevivente, fosse inserido no programa de proteção às testemunhas.
“É muito difícil você buscar por uma justiça morando num país e num estado tão machista e desumano. Mas em nenhum momento nós pensamos em trazer essa justiça para a vingança. Quando eu vi e ouvi a sentença e no meu íntimo fiquei muito feliz, mas, ao mesmo tempo, triste. Não pela sentença, que estava justa, mas pelos familiares, pelos filhos, pelos pais, pelas mães em si, que não têm culpa nenhuma do que aqueles policiais fizeram”, pontuou Silvia, após o julgamento dos primeiros quatro policiais réus, condenados a mais de 250 anos cada um.
População negra e periférica: a que mais morre e a que mais é presa
Além de serem as maiores vítimas do Estado brasileiro, a população periférica negra e jovem é a que mais é encarcerada. O Brasil conta atualmente com 768.493 pessoas presas. Desse total, 56,9% são presas provisórias, ou seja, ainda não foram condenadas definitivamente, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Essa realidade vem sendo marcada pela política de encarceramento em massa da pobreza.
O país figura, desde 2017, como a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China, que, ao contrário do Brasil, vêm progressivamente reduzindo suas taxas de aprisionamento.
Um dos cartazes mais marcantes da campanha de gestão (2017-2020) “Assistentes sociais no combate ao racismo” denunciou a política de Estado genocida contra a população negra. Com dados de 2019 do Ipea e do Fórum de Segurança, o Conjunto CFESS-CRESS denunciou que 75,5% das vítimas de homicídio no Brasil eram negras, maior proporção da última década. As manchetes de jornais atestam: nas periferias, todo dia, crianças e jovens negras são assassinadas. Que Estado dá carta branca pra assassinar gente preta? O brasileiro, com certeza, sim!
Como membro do CNPCT, junto com outros sujeitos, o CFESS tem feito o enfrentamento ao Estado brasileiro, que se comprometeu com vários instrumentos e legislações internacionais de estabelecer, em conformidade com suas diretrizes, a criação de comitês, mecanismos no âmbito dos estados e do Distrito Federal, como também o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. “Esses são espaços de debates e denúncias das condições de pessoas presas, de familiares, dos presídios e de trabalhadores e trabalhadoras, pois o sistema prisional brasileiro enfrenta problemas gravíssimos e notórios, como a superlotação e a falta de serviços prisionais e estrutura adequada”, explica a assistente social Mauricleia Soares.
Para Iara Santana, conselheira do CFESS, a “tortura e suas raízes fincadas na escravização negra e indígena brasileira, acumula na contemporaneidade das nossas relações sociais, marcas persistentes que podemos encontrar no chão das periferias deste país. Os corpos não brancos, sequestrados pelo Estado ora para o sistema prisional, ora para os lugares que, ramificados em covas, dilaceram famílias. Os linchamentos públicos, os desaparecimentos de jovens negros e as chacinas são trágicas confluências dessas realidades torturadoras do nosso cotidiano”, denuncia.
Quer saber mais sobre o debate e a luta contra a tortura?
Existe uma parcela de assistentes sociais que atua em instituições de privação de liberdade. Na maioria, trabalham em uma estrutura autoritária, hierárquica, com riscos à integridade física e mental de profissionais. Por isso, no cotidiano de trabalho, estes(as) assistentes sociais se colocam opostos(as) a essas práticas de controle, de penalização e de punição.
Em 2020, o Conselho Federal lançou uma edição especial do informativo “CFESS Manifesta” com subsídios sobre o assunto. O documento aponta fatos que demonstram que o Estado brasileiro segue torturando a população preta e pobre, por meio da omissão no atendimento às necessidades mais básicas e da superexploração da força de trabalho, e de forma escancarada, por meio da cotidiana violência policial.
Relembre aqui o “CFESS Manifesta”
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