Gestão do Trabalho do Sistema Único de Assistência Social (Suas): desafios e possibilidades para a atuação das e dos assistentes sociais

Publicado em 16/07/2024

A Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social (NOB-RH Suas) define que a gestão do trabalho no âmbito do Suas tem como finalidade o aprimoramento da gestão do Sistema, assim como a qualidade da oferta dos serviços na perspectiva de consolidar o direito socioassistencial, sob o entendimento de que a qualidade dos serviços socioassistenciais disponibilizados à população depende da estruturação do trabalho, da qualificação e da valorização das trabalhadoras.

Para tanto, a Gestão do Trabalho no Suas é apresentada como “a gestão do processo de trabalho necessário ao funcionamento da organização do Sistema, que abarca novos desenhos organizacionais, educação permanente, desprecarização do trabalho, avaliação de desempenho, adequação dos perfis profissionais às necessidades do Suas, processos de negociação do trabalho, sistemas de informação e planos de carreira, cargos e salários, constituição de ambiente saudável e seguro, entre outros aspectos”. (NOB RH SUAS, 2011, p.101)

No que se refere à constituição de ambiente saudável, tendo em vista a saúde das trabalhadoras e trabalhadores do Suas, cabe lembrar que a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1946, trouxe a definição ampliada de saúde, a considerando não como a ausência de doença ou de enfermidade, mas como um estado de completo bem-estar físico, mental e social. No âmbito da saúde do trabalhador, a Organização Internacional do Trabalho caracterizou os riscos psicossociais como o “resultado da interação entre, de um lado, o trabalho, seu ambiente, sua organização e suas condições e, de outro, a capacidade do trabalhador de fazer frente aos elementos advindos de contexto laboral suscetíveis de causar prejuízos físicos e psicológicos.” (LIMA, 2014, p.200).  

De acordo com Lima (2014), as pesquisas sobre riscos psicossociais também versam sobre os estressores organizacionais que afetam a vida dos trabalhadores, que podem ser de natureza física – iluminação, barulho, ventilação, e de natureza psicossociais como aqueles baseados nos papéis, fatores intrínsecos ao trabalho, aspectos de relacionamentos interpessoais no trabalho, autonomia/controle no trabalho e fatores do desenvolvimento da carreira. Alguns autores também consideram a privatização e o assédio moral como estressores. 

Nesta direção, o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), em abril de 2024, lançou a campanha “Assédio Moral não combina com proteção social”, apresentando os seguintes dizeres: “Trabalhadores do Suas precisam de um ambiente saudável e condições de trabalho adequadas para garantir acolhimento, cuidado e proteção”. O mote da campanha revela que as condições de precarização do trabalho impactam a vida de quem atua na área, e consequentemente no resultado do trabalho na política de Assistência Social. 

Entretanto, é preciso dizer que a precarização do trabalho não pode ser vista de forma isolada, nem como se fosse algo da atualidade ou restrito à Assistência Social. Isto porque são múltiplas as formas como a precarização alcança os “vínculos trabalhistas, com salários insuficientes, adoção de formas flexíveis de trabalho informal, parcial, temporário, terceirizado, contratação por tarefas, por pregão eletrônico e outros aspectos”. (Yazbek, 2014, p.140). 

Sendo assim, de modo complementar, Silveira (2014, p.229) afirma que dado o processo histórico de precarização das políticas públicas a gestão do trabalho, deve considerar as múltiplas situações que podem interferir na sua conformação: 

No processo de estruturação da gestão do trabalho, muitas são as situações a serem enfrentadas, dada à história de precarização, conformando um quadro de ausência e, ou, insuficiência de concursos; remuneração e quantidade insuficiente dos trabalhadores do quadro próprio; inexistência da educação permanente e de mecanismos de valorização; burocratização e rotinas em gestão que dificultam o desenvolvimento das atividades relacionadas aos serviços; trabalho submetido a uma lógica burocrática/gerencialista e patrimonialista; ausência/insuficiência de fluxos e protocolos que especifiquem a relação entre Assistência Social e o Sistema de Justiça, ocasionando demandas significativas por verificação/estudos de possíveis violações, entre outras demandas que dificultam os objetivos dos serviços socioassistenciais, além de outras indefinições na relação com demais instituições e políticas públicas. (SILVEIRA, 2014, P.229)

Diante desse contexto, percebe-se que não é apenas precarizar a política pública de Assistência Social, mas  precarizar as condições de trabalho enquanto classe trabalhadora. Ademais, é importante resgatar os três cenários apresentados por Dirce Koga ao analisar a vigilância socioassistencial e a gestão do trabalho no Suas que revelam uma realidade comum a toda a classe trabalhadora brasileira: 

1) o chão do cidadão sendo o mesmo chão de vivência do trabalhador da Assistência Social, isto é, o trabalhador desta política vivendo a mesma realidade do cidadão que ele atende. E, às vezes, as condições de trabalho e de vida do trabalhador se fazem muito próximas da própria condição de vida da população usuária atendida. Trata-se de uma realidade de quem atua nas políticas sociais, e não é exclusividade da Assistência Social, mas se trata de um cenário real a ser considerado.

 2) o chão do cidadão às vezes não corresponde ao chão de vivência do trabalhador da Assistência Social. O trabalhador da política mora em um lugar e trabalha em outro, e essa situação é configurada na forma de um embate para se construir pontes de aproximação ou distanciamento entre vivências de mundos diversos. 

3) o trabalhador da Assistência Social lida com mais de um chão de gestão, dada a precariedade, a necessidade em se ter mais de um emprego, ou seja, ele mora em uma cidade e trabalha em outras duas diferentes, e não raramente distante da sua cidade de moradia. (KOGA,2014, P.32)

Entender esses cenários é importante porque “as possibilidades de atuação profissional não podem ser desvinculadas das condições e processos em que se realiza o trabalho. É nesse sentido que as competências e atribuições profissionais devem se inserir na perspectiva da gestão do trabalho em seu sentido mais amplo, que contempla ao menos três dimensões indissociáveis: as atividades exercidas por trabalhadores e trabalhadoras, as condições materiais, institucionais, físicas e financeiras, e os meios e instrumentos necessários ao seu exercício. A garantia e articulação dessas dimensões são fundamentais para que se possa atuar na perspectiva de efetivar a Assistência Social e materializar o acesso da população aos direitos sociais”. (CFESS,2011)

Entre as diversas profissões que atuam nesta política, tem-se as e os assistentes sociais, que pelos dados do último Censo (2023), é a profissão de nível superior que ocupa o primeiro lugar em termos de número de profissionais.  Historicamente, junto com movimentos sociais, sociedade e outros profissionais, as e os assistentes sociais foram essenciais para tornar a Assistência Social uma política pública, direito do cidadão e dever do Estado.

Dito isto, é importante lembrar que assistentes sociais não detêm todos os meios necessários para efetivar seu trabalho: financeiros, técnicos e humanos. Por isso, depende dos recursos previstos pela instituição que o contrata. Logo, a condição de trabalhador assalariado não só enquadra o assistente social na relação de compra e venda da força de trabalho, mas molda sua inserção na sociedade brasileira. Deste modo, dispõe de relativa autonomia. (Iamamoto, 2015) 

E como classe trabalhadora, nós, assistentes sociais sofremos os impactos da relação capital x trabalho. A exemplo disso, tem-se as repercussões das múltiplas expressões da questão social que emergiram ou se agravaram com a pandemia da Covid-19, exigindo da categoria a construção de respostas coletivas em defesa dos direitos humanos e sociais. Mas, por outro lado, impactaram na organização do trabalho, seja pelas demandas cotidianas ou pelos processos, condições e relações de trabalho, como nos mostra Mota: 

As implicações da crise sanitária e social sobre a profissão atingem os e as assistentes sociais em dois planos principais: no das demandas cotidianas, cujo volume e natureza das situações demandadas estão diretamente relacionadas à desproteção social pública, às violências e as carecimentos em atendimento das necessidades sociais básicas dos trabalhadores e suas famílias, agravadas pela pandemia; e no exercício profissional que envolve condições, relações de trabalho e singularidade das atividades profissionais. (Mota, 2021, p.55)

Diante disso, pode-se afirmar que criar condições e fatores de proteção no trabalho requer posicionamento comprometido com a classe trabalhadora.  Ressalta-se que a e o “assistente social não realiza seu trabalho isoladamente, mas como parte de um trabalho combinado ou de um trabalhador coletivo”. (Iamamoto, 2015, p.63). Vale destacar que as possibilidades estão dadas na realidade, mas não são automaticamente transformadas em alternativas profissionais.

Desta forma, “cabe às e aos profissionais apropriarem-se dessas possibilidades e, como sujeitos, desenvolvê-las transformando-as em projetos e frentes de trabalho. Assim, a conjuntura não condiciona unidirecionalmente as perspectivas profissionais, todavia impõe limites e possibilidades (Iamamoto, 2015, p.21) que, apesar das dificuldades imputadas ao cotidiano profissional não serem limitadoras, sirvam como mola propulsora de mudanças. 

Nessa perspectiva, a gestão do trabalho no Suas pode contribuir, através das ações de valorização de suas e seus trabalhadores, tanto com a organização quanto a identificação dos profissionais como classe trabalhadora. Por isso, a presença da categoria profissional de assistentes sociais é importante na construção desses espaços de gestão do trabalho.

Outros espaços como os conselhos de classe, sindicatos, conselhos de Assistência Social, fóruns de trabalhadores e demais espaços coletivos e de luta são fundamentais para construir alternativas a fim de combater os fetiches do capital, que atravessam o cotidiano profissional e impactam na qualidade de vida e na saúde da classe trabalhadora.

Essa e outras matérias estão disponíveis na mais nova edição do Boletim On-line do CRESS-MG, o Conexão Geraes. Confira!

 

Referências 

CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de Assistência Social. Série: Trabalho e Projeto Profissional nas Políticas Sociais. Brasília- DF, 2011. Disponível em: https://www.cfess.org.br/arquivos/Cartilha_CFESS_Final_Grafica.pdf. Acesso em 10 de junho de 2024. 

CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Campanha contra o assédio moral do SUAS. Disponível em: https://www.blogcnas.com/post/campanha-contra-o-ass%C3%A9dio-moral-do-suas-baixe-aqui-os-v%C3%ADdeos-da-campanha-1. Acesso em: 05 de junho de 2024.

IAMAMOTO, Marilda Vilela. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional, 26 edição – São Paulo, Cortez, 2015.

KOGA, Dirce. Gestão do Trabalho e Vigilância Socioassistencial: integração e possibilidades. IN: CRUS, José Ferreira da; ALBUQUERQUE, Simone Aparecida.  Gestão do Trabalho e Educação Permanente do SUAS em pauta. MDS. Brasília- DF. 2014. Disponível  em https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Livros/gestao_suas.pdf. Acesso em 05 de junho de 2024.

LIMA, Maria Elizabeth Antunes. Os riscos psicossociais – uma reflexão a partir da psicologia do trabalho. In: FONSECA, João Cesar de Freitas; SALES, Mara Marçal; VIEIRA, Carlos Eduardo Carrusca.Psicologia do trabalho e das organizações: encontros, olhares e desafios.1ªEdição – Curitiba, PR: CRV,2014.

MOTA, Ana Elizabeth. Crise sanitária, políticas  públicas e sociabilidade: desafios ao Serviço Social IN: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS).Diálogos do cotidiano: reflexão sobre o trabalho profissional, Caderno 1, Brasília -DF, 2021. 

NOB-RH SUAS: Anotada e Comentada – Brasília, DF: MDS; Secretaria Nacional de Assistência Social, 2011.

SECRETARIA NACIONAL DE ASSISTENCIA SOCIAL. CENSO SUAS. Disponível em: https://aplicacoes.mds.gov.br/snas/vigilancia/index2.php. Acesso em 10 de junho de 2024.

SILVEIRA, Jucimeri Isolda. Profissões e Trabalho Social no Sistema Único de Assistência Social: significado histórico e projeto construído. IN: CRUS, José Ferreira da; ALBUQUERQUE, Simone Aparecida.  Gestão do Trabalho e Educação Permanente do SUAS em pauta. MDS. Brasília- DF. 2014. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Livros/gestao_suas.pdf. Acesso em 05 de junho de 2024.

YAZBEK, Maria Carmelita. EDUCAÇÃO PERMANENTE E A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: O PAPEL DA ACADEMIA E OS DESAFIOS PARA O SERVIÇO SOCIAL. IN: CRUS, José Ferreira da; ALBUQUERQUE, Simone Aparecida.  Gestão do Trabalho e Educação Permanente do SUAS em pauta. MDS. Brasília- DF. 2014. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Livros/gestao_suas.pdf. Acesso em 05 de junho de 2024.

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