Crimes ambientais em Mariana e Brumadinho provocam a reflexão sobre o atual modelo de exploração da terra por mineradoras

Publicado em 16/02/2023

Há sete anos, o Brasil testemunhou o crime que causou um dos maiores impactos socioambientais na história do país, quando a barragem denominada “Fundão”, controlada pela empresa Samarco Mineração, se rompeu no subdistrito de Mariana, Bento Rodrigues (MG). Foram mais de 67 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro despejados por toda a extensão do Rio Doce.

Três anos depois, em 25 de janeiro de 2019, outra barragem de rejeitos, operada pela mineradora Vale, na cidade de Brumadinho, se rompeu, tornando-se o crime com o maior número de vidas humanas perdidas no país. Ao todo, foram 270 vítimas, incluindo três desaparecidas e doze milhões de metros cúbicos de lama lançados na bacia do Rio Paraopeba.

Para se ter uma ideia, uma piscina olímpica comporta cerca de mil metros cúbicos de água, ou seja, os dois crimes juntos despejaram o equivalente a 79 milhões de piscinas de lama nessas cidades. Em 2019, um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) analisou as águas do Rio Paraopeba e constatou um aumento significativo na concentração de mercúrio, ferro e outros metais tóxicos tanto para os humanos abastecidos por essa água, quanto para os animais.

Outra pesquisa realizada pelo mesmo grupo da UFRJ apontou uma alteração nas bactérias presentes no rio. As amostras analisadas pelos pesquisadores apontaram que elas ficaram mais resistentes a antibióticos como ampicilina e amoxicilina, acendendo um alerta vermelho entre as e os cientistas, uma vez que essa resistência as leva a não responderem ao tratamento com essas drogas.

Consequências nefastas

Para além das incontáveis perdas humanas e ecológicas, a população atingida até hoje arca com as consequências do crime, que segue sem nenhum condenado. Cadeias completas de produção foram interrompidas, como por exemplo, a pescaria, e, consequentemente, quem dependia dela como fonte de renda: desde o pescador até o vendedor de equipamentos e artigos de pesca ficaram sem trabalho.

Pedro Táboas, assistente social e coordenador de Educação e Serviços Socioassistenciais da Assistência Técnica Independente (ATI) da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), atua junto às atingidas e atingidos na região de Brumadinho, e, em entrevista para o CRESS diz ser difícil contabilizar os danos sofridos por essa população, uma vez que atingem muitas esferas do cotidiano desses sujeitos.

“Vidas foram perdidas, comunidades inteiras foram destruídas, cadeias produtivas foram interrompidas, o custo de vida aumentou, a procura por atendimento nas redes de saúde e socioassistencial aumentou, causando superlotação do sistema, houve um maior consumo do uso de álcool, cigarros, assim como de medicamentos controlados, maior incidência de feminicídio e de tentativas de autoextermínio, entre muitos outros danos.”

É importante ressaltar aqui as questões de gênero envolvidas nessas tragédias. Com o rompimento da barragem, há uma desestruturação de projetos e da economia das famílias atingidas, levando às mulheres a perderem sua autonomia financeira, o que intensifica a chance de insegurança e violência dentro do ambiente familiar.

Mineração mortífera

Esses dois crimes ambientais serviram para que tanto o Estado,  quanto a população e entidades civis ficassem em alerta em relação ao atual modelo de mineração, em que empresas transnacionais, visando apenas o lucro, explorem a terra de maneira pouco ou sem nenhuma sustentabilidade ambiental e humana, como é o caso da Vale e da Samarco.

Em Brumadinho, por exemplo, de acordo com a investigação da Polícia Federal, haviam discussões entre os engenheiros da Vale e auditores de uma consultora alemã, a TÜV SÜD, para que o centro administrativo, local onde estavam os funcionários durante o rompimento, fosse realocado para outro lugar devido às condições da barragem.

Entretanto, nada foi feito, uma vez que para realocar o centro administrativo era necessário paralisar as atividades, atingindo diretamente os custos e o lucro da mineradora. Ainda que o rompimento não pudesse ter sido evitado, a tragédia humana poderia. Os dois crimes nos fazem lembrar que existem inúmeras outras barragens controladas pelas mineradoras em questão.

Somente em Minas Gerais, são 40 barragens que correm o risco de rompimento, sendo quatro delas classificadas em um nível alto de emergência. Por outro lado, situações de risco e calamidade pública ainda estão pouco presentes no calendário do poder público, dificultando o processo de fiscalização e reparação de danos entre as atingidas e os atingidos.

Durante esses momentos de catástrofes, como ocorrido no rompimento das duas barragens, o serviço Socioassistencial e a rede pública de Educação são os primeiros a serem procurados pela população atingida, que, ao perderem seus lares e trabalho, buscam acolhimento institucional e abrigo em escolas.

Contudo, cabe às e aos assistentes sociais disporem de um olhar transversal e multidisciplinar ao atuar nessas situações. Para Pedro, “nosso diálogo com outras áreas precisa de uma conciliação para que possamos enxergar o dano numa totalidade (…) por exemplo, a busca pelo auxílio moradia atinge outros setores como o patrimônio, a infraestrutura.”

Vivemos em uma época em que o modelo vigente de mineração prioriza o lucro, e junto com a omissão do Estado para fiscalizar e tomar providências, o medo toma conta de comunidades inteiras que vivem próximo de barragens como essas. Nessas situações, a organização e a ação coletiva da população podem ser peça-chave para dar às pessoas atingidas a chance de reescreverem suas histórias.

Matéria redigida pela estagiária da Ascom, sob supervisão.

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