Democracia & Serviço Social: leia as reflexões propostas para a categoria nestas eleições

Publicado em 21/10/2022

Eblin Farage
Assistente social, mestre pelo PPGSS da UFRJ e doutora pelo PPGSS da Uerj. Professora associada da Escola de Serviço Social da UFF, membro do PPGSSDR-UFF e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Favelas e Espaços Populares (NEPFE) da UFF.

Vivemos um dos momentos mais complexos de nossa história recente. Considerando o período pós-ditadura empresarial militar (1964-1984), quando o Brasil passou pela fase de redemocratização e reconstrução de estruturas que garantam algumas liberdades democráticas, o ciclo iniciado em 2019, com a ascensão da extrema-direita, tem significado um retrocesso social. 

Reconhecer os limites impostos no período atual exige de nós, assistentes sociais e demais trabalhadoras e trabalhadores, identificar que esse ciclo tem suas raízes ainda no período da ditadura empresarial militar, que deixou entulhos conservadores e autoritários, alimentados nos porões da sociedade. As sementes das quais vingaram essas raízes, contudo, são muito mais antigas, pois encontram-se na particularidade da formação social brasileira marcadamente escravocrata, racista, machista, elitista e hierárquica.

Reconhecer a particularidade de um país colonizado e escravocrata nos ajuda a compreender o alastramento do conservadorismo nos últimos anos. Por isso, um dos desafios é reconhecer o retrocesso social e humanitário que se caracteriza como uma visão de mundo, como um projeto de sociedade que é: elitista, intolerante, hierárquico, meritocrático, higienista e violento.

A reverberação do lastro histórico da conservadora particularidade brasileira ganhou status de polarização recentemente. Nesse processo é necessário considerar alguns pressupostos analíticos para avançarmos na reflexão: i) a colonização deixou marcas estruturais no Brasil, como o racismo, o machismo e a desigualdade; ii) os ciclos econômicos, políticos, sociais e culturais vividos após a independência do Brasil não eliminaram o conservadorismo presente na particularidade brasileira; iii) a desigualdade e os processos de luta, que evidenciaram a Questão Social no Brasil, ampliaram direitos sociais e visibilizaram projetos societários antagônicos, porém mantiveram a hegemonia dos interesses para o desenvolvimento capitalista; iv) o Brasil, como país de capitalismo dependente, mantém um política subserviente ao capitalismo internacional, com uma Burguesia nacional que absorve os preceitos internacionais sem preocupação com um real desenvolvimento nacional; v) nem todos os ciclos capitalistas foram vivenciados no Brasil, o Estado de Bem Estar Social, por exemplo, não foi realizado no país, o que deixa como marca uma história de poucas e frágeis conquistas para a classe trabalhadora; vi) a política da extrema-direita é uma das faces do capitalismo; e vii) os retrocessos sociais, em especial os considerados do campo das opressões, não devem ser considerados uma “cortina de fumaça”, mas sim uma dimensão estruturante de uma sociabilidade conservadora e fascistóide. 

Partindo dessas pontuações, que não serão desenvolvidas nas poucas linhas desse artigo, faz-se necessário um outro reconhecimento. O de que a democracia, em sua radicalidade, é incompatível com a sociabilidade capitalista. Por essa razão, o máximo que conquistamos na ordem do capital são liberdades democráticas, que se expressam em formas mais frágeis ou mais maduras a depender do nível de organização da classe trabalhadora em enfrentamento com o Estado e a burguesia. Democracia, no seu sentido etimológico, tem raiz no grego, significa ‘poder do povo’, ou seja, um Estado governado pelo povo e a serviço de seus interesses.

Por essa definição e também pela construção política na teoria crítica, compreendemos que não é possível a plena efetivação da democracia em uma sociedade regida pela produção de mais-valor na busca de lucros e fundada na propriedade privada. Tampouco consideramos, como o senso comum defende, que eleições diretas para governantes representam a radicalidade da democracia, mas sim, que se constituem como uma das liberdades democráticas conquistadas na luta, mas limitada pela ordem capitalista, uma vez que os que detém o poder econômico tendem a deter também o poder político, jurídico e o domínio ideológico como afirmou Marx.

Considerando esses elementos, cabe-nos pensar os desafios postos aos e às assistentes sociais neste ano de 2022 e nos subsequentes, não apenas no que se refere às eleições gerais polarizadas que a conjuntura está indicando, mas essencialmente diante do projeto de sociedade que queremos fortalecer, considerando a direção social da profissão, o Projeto Ético e Político e o horizonte da emancipação humana.

A trajetória construída pelo Serviço Social e a construção de sua renovação no bojo das transformações societárias, implicou no reconhecimento de que “não se pode pensar a profissão no processo de reprodução das relações sociais independente das organizações institucionais a que se vincula” (IAMAMOTO e CARVALHO, 1995, p. 80). Desta feita, todo e qualquer projeto político que impacta as instituições públicas; os direitos sociais, humanos e econômicos; e o reconhecimento da diversidade e da pluralidade implica em oposição das e dos assistentes sociais. A suposta aura de ‘neutralidade’ possível para a profissão foi superada a partir do seu amadurecimento teórico e político, assim como uma “base filosófica tradicional, nitidamente conservadora” (CFESS, 2012, p. 21).

Desta forma, considerando que as e os assistentes sociais “são organicamente vinculados aos grupos fundamentais, tendo seu desempenho voltado para contribuir na luta pela hegemonia da classe a que serve” (IAMAMOTO e CARVALHO, 1995, p. 88), e que entre os princípios fundamentais de nossa profissão estão:

II- Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; III- Ampliação e consolidação da cidadania (…); IV- Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; V- (…) universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais (…);VI- (…) respeito à diversidade, (…); VIII- Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero (CFESS, 2012, p. 23/24)

Assim, todo e qualquer projeto que se confronte com esses princípios, deve ser por nossa categoria rechaçado, independente da capa ou da justificativa com a qual se apresente, uma vez que nossos princípios são inegociáveis. Mas para além de assumirmos posição firme e fazermos uma opção consciente nas eleições de 2022, não há que se alimentar ilusões no processo instituído nos limites da democracia burguesa.

Por isso, a opção política neste ano eleitoral tão importante para evitarmos mais retrocessos impostos pela extrema-direita, deve estar articulada a um processo de ampla mobilização da categoria e de organização pelas bases, que inclui a participação no Conjunto CFESS-CRESS, mas que essencialmente estrutura-se a partir da organização das e dos profissionais em entidades sindicais por ramo de trabalho, movimentos sociais e populares.

Superar o projeto fascistóide em curso pressupõe enfrentar sua reverberação na sociedade. Por isso, apenas as urnas não são suficientes, apesar de muito importantes. É necessário que em cada canto desse país, a partir de nossa ação profissional e pedagógica, com uma prática que “insere-se no campo das atividades que incidem sobre a organização da cultura, constituindo-se elemento integrante da dimensão político-ideológica das relações de hegemonia” (ABREU, 2002, p. 17/18), possamos contribuir para construir um amplo processo que tenha como horizonte uma nova hegemonia, pautada na organização e nos interesses da classe trabalhadora e que busque a superar a ordem do capital.

Que o processo eleitoral e as reflexões sobre a democracia e seus limites na sociabilidade capitalista permitam-nos construir alternativas de organização e mobilização, que ultrapassem o instituído e que o germe de uma outra sociabilidade, que supere a ordem do capital, seja também cultivado por nós, assistentes sociais. Que sejamos capazes de semear o que queremos colher no futuro, sem rebaixar nossas pautas e sem nos limitarmos ao possível de hoje. Como afirmou Paulo Freire, “o sonho de um mundo melhor nasce das entranhas do seu contrário”.

Bibliografia

ABREU, Marina Maciel. Serviço Social e organização da cultura: perfis pedagógicos da prática profissional. São Paulo: Editora Cortez, 2002.

CFESS. Código de Érica do/a Assistente Social e Lei 8662/93 de regulamentação da profissão. 10ª. ed. rev. e atual. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 2012.

IAMAMOTO, Marilda Villela, CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil – Esboço de uma interpretação histórico metodológica. São Paulo: Editora Cortez, 1995.

Assédio Eleitoral no trabalho é crime! CRESS-MG repudia o ato

Nestas eleições, Minas Gerais é o estado com mais denúncias de assédio eleitoral no ambiente de trabalho. Às vésperas do segundo turno, já são quase 300 os casos de coação, intimidação, ameaça, humilhação ou constrangimento com o objetivo de influenciar ou manipular o voto de trabalhadoras e trabalhadores.

Assistentes sociais, enquanto profissionais que fazem parte e defendem os direitos da classe trabalhadora, são, por vezes, as vítimas deste assédio eleitoral.

Por isso, neste 25 de outubro, dia Nacional da Democracia, o CRESS-MG se posiciona contrário a esse comportamento opressor por parte de gestores e empregadores.

E lembramos: assédio eleitoral é crime. Se passar por esta situação, denuncie!

Leia, aqui, a nota completa do CRESS-MG e saiba como denunciar!

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