Visibilidade Lésbica no Serviço Social – É preciso que saibam: nós existimos!

Publicado em 29/08/2020

Certa vez, atendi uma senhora no CRAS e, na minha intervenção e orientação, a encaminhei para o acompanhamento psicológico na unidade de saúde do bairro. A senhora, em uma postura de nítido constrangimento, disse que não iria procurar a profissional por ela ser "sapatona".

No mesmo momento, percebi que estava diante de uma situação de ignorância, ou seja, de quem ignora, desconhece, com toques de extremismo religioso e de senso comum. Ao mesmo tempo, era uma oportunidade de disputa de consciência e de trabalho sócio-educativo da e do assistente social.

Então, a perguntei se ela me considerava uma profissional ruim ou se sentia que eu a tivesse atendido mal. A senhora, ligeiramente, disse: “Jamais! Você tem me ‘ajudado’ muito!”. Na mesma rapidez, contei que eu também era "sapatona" e que a minha orientação sexual não definia se eu era ou não uma boa profissional.

Ela concordou de forma reticente, mas concordou… Dias depois, retornou ao CRAS e me contou que decidiu fazer o acompanhamento com a psicóloga que eu havia indicado. O capitalismo, o machismo, o racismo e o heteropatriarcado determinam bem o lugar que nós, lésbicas, devemos ocupar. 

Por isso, a luta pela visibilidade lésbica é um ato político!

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Pelo Dia da Visibilidade Lésbica, 29/08, o CRESS-MG conversa com Thalita C. Miranda, assistente social, mestre em Serviço Social, feminista, membra do Grupo de Estudos e Pesquisas em Fundamentos, Formação e Exercício Profissional em Serviço Social (Gefepss-UFTM) e… a sapatona do relato acima.

No papo, a profissional fala sobre a importância desta data e o porquê a luta das mulheres que amam mulheres em serem vistas e ouvidas é de interesse das e dos assistentes sociais. 

1. Há algumas datas e eventos que marcam a luta da comunidade LGBTI. Porque, então, o Dia do Orgulho Lésbico (19/08) e o Dia da Visibilidade Lésbica (29/08)?

Primeiro é importante tocar em um ponto fundamental: a comunidade LGBTI, assim como a classe trabalhadora não é homogênea, é constituída por mulheres, homens, bissexuais, pessoas transsexuais e transgêneras, entre outras, de distintas raças e classes sociais. 

Em uma sociedade como a que vivemos: heteropatriarcal, monogâmica, capitalista, machista e racista, a população LGBTI sofre opressões, pois a existência e as relações afetivas dessa população rompem com o padrão de exploração das estruturas sociais. Ou seja, o modelo de família nos moldes tradicionais e conservadores lubrifica as engrenagens das explorações, principalmente das mulheres.

Entendo que estas datas que buscam dar voz e vez às lésbicas existem pelo mesmo motivo que existe um dia internacional para lembrar as lutas das mulheres trabalhadoras (oito de março). Ou seja, há certas violências e opressões que somente nós, lésbicas, iremos sofrer. E quando esse marcador social inclui a questão de classe e/ou raça, essas violências recrudescem. 

O Dia Nacional do Orgulho Lésbico tornou-se um marco após um protesto ocorrido em São Paulo, em 1983, pela organização política Grupo Ação Lésbica Feminista (Galf), que foi impedida de comercializar o jornal ChanacomChana. O periódico abordava a questão de gênero, sexualidade, liberdade sexual, tudo isso nos marcos da ditadura empresarial militar brasileira. 

Este movimento aponta historicamente a nossa luta contra a repressão. Portanto, além de combatermos todas as formas de dominação-exploração, as datas da visibilidade e do orgulho lésbico são ferramentas essenciais para intensificarmos discussões e planejarmos ações contra o apagamento e as violências sofridas por nós, mulheres que amam mulheres.

2. De que forma a pauta da visibilidade lésbica se relaciona com o Serviço Social?

Em diversos aspectos, apesar de o tema ainda ser uma discussão parca no interior da profissão. 

Inicialmente podemos nos atentar ao que diz os nossos Código de Ética e projeto profissional em relação ao combate a todas as formas de exploração, opressão de classe, raça, sexo, gênero, orientação sexual, identidade de gênero, além de entendermos que, enquanto assistentes sociais, temos a perspectiva de outra forma de sociabilidade, na qual não há espaço para opressões.

O Serviço Social crítico se posiciona junto a um projeto societário da classe trabalhadora, compromissado com valores emancipatórios, portanto, não há hiato entre o projeto ético e político da profissão e a defesa da visibilidade lésbica. Defender e se posicionar sobre essa bandeira de luta representa ainda, um movimento contrário ao conservadorismo dentro da profissão.

Além disso, os relacionamentos lésbicos rompem com o padrão heteronormativo, bastante útil à exploração da classe trabalhadora, visto que fomenta a divisão sexual do trabalho e os papéis de gênero socialmente construídos. Portanto, a violência contra nós é, também, uma reação conservadora e que perpassa pela manutenção da sociedade capitalista.

Neste sentido, como profissão que atua no bojo das expressões da questão social, é preciso articular as opressões sofridas pela população LGBTI à práxis profissional com o risco de, a meu ver, atuar aderindo apenas formalmente o nosso Projeto Ético e Político.

3. Como as e os assistentes sociais podem refletir e incorporar essa luta no cotidiano profissional?

A primeira tarefa é a apropriação do debate crítico. A luta pela visibilidade lésbica é parte integrante da luta de classes – assim como a superação dos papéis de gênero, o combate à LGBTIfobia, ao machismo, ao racismo e ao patriarcado – às quais nós, enquanto assistentes sociais temos o compromisso de compor.

Tais questões devem fazer parte de processos sócio-educativos constantes. É preciso que se discuta a violência estrutural e também que sejam apontadas as especificidades das violências contra as lésbicas. Estas demandas podem aparecer no cotidiano profissional e exigem da categoria, um posicionamento ético-político, lembrando, ainda, que na práxis não existe neutralidade.

Pautas e violências particulares que envolvem a vivência lésbica, tais como o estupro corretivo, motivado pelo controle dos nossos corpos e da nossa sexualidade ou a objetificação e fetichização das lésbicas também são elementos importantes de serem apropriados de forma crítica pela categoria profissional.

Estas violências são possíveis de acontecer com lésbicas tanto no interior da família como fora dela. Não é incomum, que adolescentes, ao se declararem lésbicas, sejam reprimidas por pais que consomem pornografia que objetifica relações sexuais entre mulheres. Essa questão exemplifica como as lésbicas são aceitas enquanto fetiche e não como sujeitos políticos na sociedade. 

Estando nós assistentes sociais inseridas ou inseridos nos espaços de trabalho junto às políticas públicas – principalmente, mas não apenas nesses espaços, é preciso que façamos articulações e mediações a fim de combater a invisibilidade e a violência que acometem mulheres simplesmente por terem sua orientação sexual direcionada a outras mulheres. 

Dar visibilidade é também incorporar a discussão nos espaços de atuação profissional, disputando as consciências, seja nos grupos e/ou atendimentos individuais com usuárias, usuários e profissionais, de forma que contribua para a crítica que rompa com padrões moralistas e conservadores. Neste sentido, faz-se essencial ter os movimentos sociais como aliados.

É necessário, também, tecer a crítica a programas e políticas que não rompam com o padrão heteronormativo, como por exemplo, em instrumentais do Serviço Social, programas habitacionais, políticas de Saúde, Educação e Segurança Pública. Mediações e intervenções nessa direção contribuem para diminuir a violência institucional e o apagamento das lésbicas.

Veja ainda:

Brejo no Serviço Social – Vivências de assistentes sociais lésbicas

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