Publicado em 09/11/2017
A garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas e, ainda, o compromisso com o constante aprimoramento intelectual devem fazer parte do fazer profissional da e do assistente social. Não por outra razão, estes são princípios presentes no Código de Ética da categoria. A fim de explorar mais o tema e trazer reflexões importantes, o CRESS-MG convidou as professoras de graduação e pós-graduação em Serviço Social da Universidade de Juiz de Fora (UFJF), Alexandra Eiras, assistente social, doutora em Serviço Social (UFRJ) e pesquisadora nas áreas de Fundamentos do Serviço Social, Ética Profissional e Trabalho Profissional com Grupos e Carina Moljo, assistente social, doutora e pós-doutora em Serviço Social (PUC-SP) e pesquisadora CNPq.
1. Qual é a perspectiva de pluralismo defendida no Código de Ética?
A perspectiva de pluralismo e democracia. Ambas estão associadas. O respeito ao pluralismo no Código de Ética Profissional de 1993, no 7º princípio fundamental, refere-se às “correntes profissionais democráticas” e suas “expressões teóricas”, acrescentando o “compromisso com o constante aprimoramento intelectual”. O debate entre correntes diferentes só é possível no campo democrático, o que significa, de antemão, que entre as e os participantes, há o respeito à pluralidade de concepções. Esse processo implica em “tomar” posições, e relaciona-se aos diferentes posicionamentos político-ideológicos. Por isso, o debate entre o projeto crítico e o conservador/tradicional tem sido contínuo e legítimo, e expressa vinculações político-ideológicas a projetos societários distintos. A existência de um projeto hegemônico, como o nosso, está relacionada a sua legitimidade na profissão, fruto da sua construção histórica, coletiva. Por outro lado, pluralismo é diferente de relativismo. Daí o compromisso com o “constante aprimoramento intelectual”, no intuito de desenvolver nossas habilidades para compreender a realidade na qual nos inserimos. Há diferenças nos modos de compreender a realidade. O pluralismo abarca essa diversidade, mas, também, indica que as posições construídas não são iguais, possuem conotações e vinculações diferentes com os processos sociais, produzindo resultados e ações distintas.
2. Como o respeito ao pluralismo se reflete no fazer profissional das e dos assistentes sociais?
O pluralismo, em nossa profissão, é fruto do processo de Renovação. Como sinaliza José Paulo Netto, é de 1960 a 1980 que surgem várias tendências teóricas no Serviço Social, as quais entravam em debate entre si, isto, no mesmo período que acontece o Movimento de Reconceituação da América Latina. Até então, não existia uma polêmica teórico-metodológica, portanto, não existia esse debate entre as diferentes tendências, que Netto denomina como “modernização conservadora”, “reatualização do conservadorismo” e “intenção de ruptura”. A partir do processo de renovação da profissão, o pluralismo passa a ser necessário.
É importante a diferenciação que Carlos Nelson Coutinho faz com relação ao pluralismo como fenômeno social e político, indispensável para uma sociedade democrática, e o pluralismo na produção de conhecimento, o qual deve ser tomado com cuidado para não cair no ecletismo ou na conciliação de questões que são inconciliáveis. Na organização da nossa categoria, devemos trabalhar com o pluralismo, já na produção de conhecimento, precisamos evitar reproduzir o ecletismo. Devemos conhecer todas as matrizes teóricas, mas é necessária a coerência teórico-metodológica. Neste contexto, o pluralismo se instaura como a necessidade de debate entre diferentes concepções de profissão e seus diferentes projetos.
De acordo com Marilda Iamamoto, nossa profissão se insere na divisão sócio-técnica do trabalho e tem uma dimensão de contradição: pela mesma ação, favorece e reproduz as duas classes sociais, mas privilegia a uma destas, considerando a sua autonomia relativa e os limites institucionais. Então, cabe-nos perguntar, dentro deste debate plural de concepções de profissão, e, portanto, do exercício profissional, a quem estou privilegiando, mesmo atendendo às demandas das duas classes? À classe trabalhadora ou burguesa? Aqui, os diferentes projetos profissionais entram em confronto, em alguns casos irreconciliáveis, como acontece com o Serviço Social clínico, proibido pelo CFESS. Nessa situação, não há como ter uma posição pluralista, já que se relaciona com as competências profissionais, mas, temos, hoje, posições conservadoras e teremos que debater com estas, buscando manter a nossa hegemonia que está alinhada com o nosso projeto profissional e com uma visão de totalidade social com um projeto de sociedade.
3. Da mesma forma, em tempos de pseudodemocracias e democracias fragilizadas, em que conceito de democracia o Código de Ética se baseia para caracterizar correntes profissionais democráticas?
Como afirma Sylvia Terra no Código de Ética Comentado (2012, p. 128), no âmbito do Direito, “a corrente pluralista se opõe à tendência de unificação do poder (…) Percebe-se que em uma sociedade plural, necessariamente, os diversos grupos devem ter convicção e reconhecer os contrastes existentes entre eles, buscando, dentro de um sistema e ambiente democrático, soluções que levem à superação desses conflitos e, consequentemente, atendam aos interesses do maior número possível de pessoas”.
Por outro lado, o 4º princípio do Código de Ética entende a necessidade de uma base material e real como fundamento da democracia, o que implica no acesso aos bens e serviços produzidos coletivamente, e no acesso à riqueza socialmente produzida. Nos marcos da sociedade burguesa, as lutas pelo acesso a essa riqueza, na forma de bens e serviços e de meios de vida, tem sido uma constante no enfrentamento entre as classes sociais. Ou seja, a democracia se efetivará quando mais avançarmos nessa dimensão distributiva. Só a democracia formal, direitos civis e políticos não são suficientes. Faz-se necessária a afirmação de direitos sociais, de acesso aos meios de vida e às possibilidades de usufruir daquilo que é produzido. Somente em uma base material democrática será possível o exercício pleno da cidadania e a plena expansão dos indivíduos sociais. Nesse sentido, as posições teóricas e ideopolíticas expressam uma vinculação a essas lutas, seja abertamente, ou pela “neutralidade”.
4. Para além do aprimoramento tecnicista, o Código de Ética propõe o constante aprimoramento intelectual. De que forma a importância dada a esse aprimoramento incide sobre a atuação profissional?
Ter o domínio técnico-operativo é fundamental para a nossa profissão. É preciso saber fazer uma boa entrevista, um planejamento de intervenção, um excelente laudo, mas isto não é suficiente. Estes instrumentos não são autônomos da perspectiva teórica na qual a e o assistentes sociais se inserem, portanto, é fundamental ter o domínio dos processos sociais mais amplos, fazer uma análise teórica da realidade, como reconstrução no pensamento do real. Somente assim podemos garantir – e colocamos no campo da possibilidade – uma intervenção social qualificada. Lembrando que desde a década de 1980, o Serviço Social vem amadurecendo a sua produção teórica e destacando-se como área de produção de conhecimento. Por isto, a capacitação permanente não se trata só de “se atualizar”, mas do amadurecimento teórico-metodológico, além do técnico-operativo e ético-político. Estas três dimensões da profissão são indissociáveis.
5. Na opinião de vocês, há, na categoria, dificuldade para aplicar este princípio?
Entendemos que o grande desafio, atualmente, seja incorporar o pluralismo no debate teórico do Serviço Social, necessário ao avanço da ciência e ao debate de ideias, já que nem sempre temos claro as diferenças na “batalha das ideias”. Entendemos ser fundamental o debate plural e democrático no interior da categoria, e também na sociedade como um todo, mas, sem dúvidas, devemos realizar este debate tendo clareza da direção social do nosso projeto profissional que nada tem de idealista ou eticista, mas está, sim, repleto de valores que se materializam ou podem se materializar na vida cotidiana através de mediações. Como diria Carlos Nelson Coutinho, “hegemonia no pluralismo”.
O debate é necessário inclusive para colocar à prova nossas verdades e nos aproximar, cada vez mais, do real, mas ele não nega a necessidade de construção de uma hegemonia política e teórica na nossa profissão, tendo como norte o nosso projeto ético-político que se expressa nos valores contidos no nosso Código de Ética, ou nos avanços das reformas curriculares de 1996, ao colocar a inseparabilidade entre Teoria, História e Método, que, por sua vez, se expressam no nosso compromisso com uma sociedade justa, de iguais, emancipada e sem qualquer tipo de exploração e comprometida com os interesses da classe trabalhadora, aquela que vive da venda da sua força de trabalho, conforme conceitua Ricardo Antunes.
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