A poesia de uma mulher, negra e da periferia

Publicado em 01/11/2016

dos dias de cólera – luz ribeiro

 
hoje eu resolvi abrir o peito 
e enxergar o quanto que cabe aqui dentro
foram mais de 20 anos tentado me esconder 
buscando uma resposta que me fizesse ver 

entregando para tantos o que só cabe a mim
um coração sofrido que pra toda dor consente  um sim 
e ao findar de cada experiência 
sente mais os hematomas do que a própria consciência

preta blindada dos pés a cabeça 
fria por necessidade, não por natureza 
busco nutri meu  ori pra achar uma fortaleza 
e ainda que fraca que  haja luz e aqueça 

minha pele negra também busca um lugar ao sol 
quero meu espaço mas vocês me cedem um anzol 
dizendo que agora tenho uma vara pra pescar 
mas não é  igual a sua,  né? É fácil notar 

por  séculos convivemos com a escravidão 
fomos soltos sem direito a um  pedaço de chão 
o reflexo do mal feito é visto hoje nas quebradas 
gente preta é a maior parte da classe favelada

os livros que eu li eram da filha da patroa
porque ela dizia que depois de um tempo isso enjoa 
e até hoje por eles eu tenho obstinação 
os livros na minha casa são  mais que objeto de decoração 

por anos me afastei das línguas do  colonizador 
achava que  estuda-las me tornaria talvez mais inferior 
ignorância minha, achar que o venceria sem ler meu  manual de instrução
mas hoje eu  estudo  seus dialetos e renovo minha munição

cade vez que eu abro a boca eu  ouço o ruído dos chicotes 
a impecabilidade da nossa língua foi adquirida nos açoites 
pra me fortificar ouço palavras em yoruba
busco saber sobre orixás e patuás 

ninguém esconde mais de mim minha própria história
e pode chamar mesmo  me de vitimismo meu plano de vitória 
já tou ligando a diáspora daqui com a diáspora de lá 
e logo  menos  vocês irão avistar     

uma legião vestida de preto que não abaixa a cabeça 
não se contenta  com lei áurea, quer mais é ser realeza 
vai devolver com diplomas cada soco e esporro 
aqui ninguém mais marca toca e precisar asfixiamos com gorro 

não alisarei meu  cabelo para ser aceita
hoje sei que nossa religião não é seita
todos esses mal tratos é uma dívida sem reparação 
por isso eu quero cotas e tudo que houver cifrão 

sou afilhada bastarda e não quero ser filha da pátria 
sou a própria puta por tantas vezes sexualizada 
minhas ancestrais tiveram as saias levantas 
e daí que surge tanta gente miscigenada

por isso  não  vejo  beleza no processo de miscigenação 
e nem quando os brancos exclamam: eu tenho  sangue de negão
essas frases não provam nada e só trazem mais dor
então faz um chá de bom senso e tome um gole por favor

não sou  filha de pardal, muito  menos de mula 
não tenho didática  minha ira não cabe em bula
e se pode não ser menos preconceituoso, disfarce
pegue suas falsas verdade e engula

 

Luz Ribeiro é poeta, é performer, é mulher, é negra, é paulistana, é feminista, é filha, é irmã, é periférica, é atriz, é aquela que escreve sobre nós, para nós, para o mundo. Mais da produção dessa artista pode ser conferido em seu perfil profissional no Facebook.

 

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