33 contra uma, meu primeiro assédio e uma presidenta nada do lar

Publicado em 10/10/2016

Ela apanha, ela é xingada, ela tem seus direitos violados pelo Estado, ela tem seu corpo avaliado na rua, ela tem seu corpo cortado no parto, ela tem suas capacidades mentais postas à prova, ela é discriminada por não ser feminina, ela é explorada por ser negra, ela é estuprada por estar no espaço público, ela é morta por ser mulher, e se ela resiste a todas estas violências, também é porque é mulher.

Desde o 10 de outubro de 2015, data em que é lembrado o Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher, uma série de fatos ocorridos no Brasil nos fazem refletir sobre as variadas e constantes formas de violências que acometem às mulheres, mas também nos chamam a atenção para um cenário de resistência entre nós que sobrevivemos.

O CRESS-MG faz um convite especial para você, assistente social, pensar sobre o tema proposto por essa data. Para começar, sugerimos que ponha na vitrola Maria da Vila Matilde, de Elza Soares.

A internet brasileira foi palco de muitas emoções em outubro passado, quando as mulheres começaram a revelar suas histórias de assédio sexual. A iniciativa da página Think Olga, incentivou mulheres a fazerem seus depoimentos, sob a marcação #meuprimeiroassédio, como forma de chamar a atenção da sociedade sobre a seriedade do assunto. Em uma semana, mais de cem mil casos de assédio já estavam publicados na rede, denunciando que a maioria das situações acontece na infância e com homens bem próximos das vítimas. Já não se tratavam de estatísticas, eram mulheres reais: amigas, parentes e conhecidas falando de suas histórias de vida, marcadas desde cedo pela violência.

Embora a agressão ou contato físico sejam os mais lembrados quando tratamos de violência contra a mulher, por ser aquela visível, não podemos esquecer das violências simbólica e psicológica, tão nocivas quanto. Destituída em agosto, a presidenta Dilma Rousseff, em seus quatro anos à frente do país, foi alvo de ataques que colocavam à prova sua competência como governante ante um padrão de comportamentos esperados por uma mulher e que ela parecia não cumprir. Nos protestos contra seu governo e em certos meios de comunicação, as críticas tinham sempre um tom misógino. Chegou a ser chamada de histérica, masculina, descontrolada.

Na mesma época, o ideal de feminilidade foi disseminado na figura da mulher do então vice-presidente, Michel Temer. À sombra do marido, Marcela Temer passava a ser a “Bela, recatada e do lar”, título da matéria publicada pela Revista Veja, em abril. O problema, como indicado pelas feministas, à época, não foi o estilo feminino de Marcela em si, mas a imposição de que este era o único respeitável para uma mulher e a condenação de todas aquelas que se opunham a ela, incluindo Rousseff.

O espaço público tem sido historicamente reservado ao homem e cada vez que uma mulher se apropria dele, é hostilizada, seja no mercado de trabalho ou no âmbito das decisões políticas. Um dos recursos usados nesses contextos é conhecido nos estudos de gênero como “gaslighting” e se refere “à violência emocional por meio de manipulação psicológica, que leva a mulher e todos ao seu redor acharem que ela enlouqueceu ou que é incapaz. É uma forma de fazer a mulher duvidar de seu senso de realidade, de suas próprias memórias, percepção, raciocínio e sanidade”, segundo a definição da página Think Olga.

Frases como “Você está exagerando”, “Nossa, você é sensível demais”, “Para de surtar”, “Cadê seu senso de humor?”, “Não aceita nem uma brincadeira?” e o clássico “você está louca” fazem parte do repertório dessa prática de violência que tem as mulheres como principais vítimas. Outras práticas abusivas que fazem parte do nosso cotidiano têm nomes em inglês, mas foram traduzidas para o português de forma irreverente como “homem se apropria”, “homem interrompe” e “homem explica”. Entenda-as melhor!

Cultura do estupro – como a sociedade brasileira legitima a violência contra as mulheres

A cantada de rua, nome popular a um tipo de assédio sexual territorialmente demarcado, é outra forma comum de mostrar quem são os donos do pedaço. Quantas vezes nós mulheres não trocamos de roupa ou de trajeto para evitar “sermos cantadas”? Não poder andar com liberdade nas vias públicas, sem ter seu corpo vigiado, também se configura em violência simbólica. Naturalizar e compactuar com atitudes reforçam a cultura do estupro, tema que voltou à cena, após o chocante caso da jovem de 16 anos que teve seu corpo violado por 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33 homens.

Para gente não esquecer jamais. Mesmo diante da brutalidade da situação e após ter sua imagem, desacordada, ensanguentada, circulando pela internet, ouviu-se e leu-se quem ponderou que a menina poderia ter evitado a situação caso não tivesse se envolvido com aquele tipo de gente, não tivesse se drogado etc.

Teve gente pensando que cultura de estupro é afirmar que todo homem é um estuprador. A cultura de estupro é toda uma estrutura social que incentiva cada homem, individualmente, a ser um agressor de mulheres (e acoberta aqueles que assimilam a ideia), seja estuprando, seja atacando física, psicológica ou verbalmente. O incentivo se dá quando a novela mostra a personagem apanhando do marido sem que este seja punido, quando a publicidade põe modelos femininas em posição (literalmente) de submissão para vender seus produtos (abra qualquer revista e comprove), quando pais e mães ensinam as meninas a se vestirem de “maneira adequada” para evitar o assédio, ao invés de ensinarem os meninos a respeitarem às mulheres pelo que são, não pela roupa que usam. As condutas que expressam formas indiretas de subjugar a mulher passam a ser tão naturalizadas que nós, homens e mulheres, chegamos ao absurdo de encontrar formas de culpar uma mulher estuprada pela crueldade da qual é, indiscutivelmente, vítima.

No dia 21 de setembro, uma pesquisa divulgada pelo Datafolha apontou que 1/3 da população brasileira acredita que a mulher é a culpada quando é estuprada. Assustador, não? Se ainda tem dúvidas sobre o tema, este vídeo da Revista Super Interessante ilustra de forma rápida e didática o que caracteriza a cultura do estupro. Em um país de raízes racistas e machistas, a origem desses comportamentos se dá na colonização, quando era comum o estupro das negras por seus senhores, assunto que a filósofa política Djamila Ribeiro explica nesta entrevista em vídeo, para a TV Brasil.

O papel do quarto poder na perpetuação da violência contra a mulher é analisado no documentário de Lívia Perez, “Quem matou Eloá”, sobre a espetacularização da mídia no caso da jovem assassinada pelo namorado, em 2009. Comovidas pelo estupro coletivo da jovem carioca, ocorrido em maio, figuras públicas se reuniram e divulgaram um Manifesto Pelo Fim da Cultura do Estupro, na época do ocorrido, que inclui mudanças legais para a proteção das mulheres.

Se o lar é o lugar relegado às mulheres, nem sempre é onde elas encontram conforto e segurança. O ambiente doméstico ainda é onde nós mais somos violentadas. De acordo com a Lei Maria da Penha, que neste ano cumpriu 10 anos, configuram-se em violência doméstica e familiar a psicológica, física, sexual, moral e patrimonial, quando o agressor controla, retém ou tira dinheiro da vítima; causa danos de propósito a objetos que ela gosta; destrói, retém objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais e outros bens e direitos.

A Agência Patrícia Galvão produziu um dossiê trazendo dados, causas, perfil de vítima e agressor a dificuldade de sair de uma relação violenta com o objetivo de contribuir no combate à violência doméstica e familiar. Com o decênio da norma, avaliações foram feitas sobre sua eficácia, concluindo que, desde 2006, mais delegacias da mulher e juizados da violência doméstica foram criados, mas ainda é preciso trabalhar na prevenção da violência e que os tribunais reconheçam todas as formas de violência contidas na lei, não apenas a física e sexual. Conheça a campanha da ONG Artemis sobre o tema.

As cores da violência de gênero – As negras ainda são as maiores vítimas

É impossível abordar a questão da violência sem fazer o recorte de raça, afinal, a mulher negra sofre opressão por sua cor e seu gênero, portanto, sua relação com a violência se dá em dois âmbitos, pelo menos. O Mapa da Violência 2015 – Homicídio de Mulheres, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Estudos Sociais, indica que o número de negras mortas cresceu 54% em 10 anos (de 2003 a 2013), enquanto que a quantidade de brancas assassinadas caiu 10% no mesmo período.

Para falar sobre as especificidades da violência sofrida pelas mulheres negras, a importância do empoderamento e da inserção destas mulheres no combate a estas violências, o CRESS-MG convidou a feminista e militante da causa negra, Nayara Garófalo, que traz reflexões urgentes e importantes para este debate.

A conversa, na íntegra, você confere aqui.

180 DISQUE DENÚNCIA

Se você é mulher vítima de violência ou conhece alguma que esteja sendo, não se cale, denuncie!

Texto: Marcela Viana – assessora adjunta de comunicação do CRESS-MG.

Ilustrações: Denisenhando e Carol Rossetti.

Conheça mais sobre o CRESS-MG

Informações adicionais
Informações adicionais
Informações adicionais

SEDE: (31) 3527-7676 | cress@cress-mg.org.br

Rua Guajajaras, 410 - 11º andar. Centro. Belo Horizonte - MG. CEP 30180-912

Funcionamento: segunda a sexta, das 13h às 19h


SECCIONAL JUIZ DE FORA: (32) 3217-9186 | seccionaljuizdefora@cress-mg.org.br

Av. Barão do Rio Branco, 2595 - sala 1103/1104. Juiz de Fora - MG. CEP 36010-907

Funcionamento: segunda a sexta, das 13h às 19h


SECCIONAL MONTES CLAROS: (38) 3221-9358 | seccionalmontesclaros@cress-mg.org.br

Av. Coronel Prates, 376 - sala 301. Centro. Montes Claros - MG. CEP 39400-104

Funcionamento: segunda a sexta, das 13h às 19h


SECCIONAL UBERLÂNDIA: (34) 3236-3024 | seccionaluberlandia@cress-mg.org.br

Av. Afonso Pena, 547 - sala 101. Uberlândia - MG. CEP 38400-128

Funcionamento: segunda a sexta, das 13h às 19h