Publicado em 14/05/2013
Nos últimos anos, no Brasil, têm se perseguido a implantação e a regulamentação da inquirição judicial de crianças e adolescentes, por meio de procedimento que tem recebido denominações variadas: “depoimento sem dano”, “escuta judicial”, “inquirição especial”, “inquirição não revitimizante”, “depoimento com redução de danos”, “entrevista forense”, sustentando a necessidade de responsabilização do/a suposto/a agressor/a, com base no entendimento de que o direito da criança de ser ouvida e ter sua opinião levada em consideração materializa um dos quatro princípios gerais da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CDC).
Com base em tais argumentos, se, por um lado, tal procedimento é justificado pelo cumprimento do art. 12 da CDC, por outro, ao alegar a idade e imaturidade da criança, busca-se designar profissionais de outras áreas, que não o/a próprio/a juiz/a, para fazer esta inquirição judicial, a despeito das regulamentações do Conselho Federal da profissão. Como é sabido, no caso do Serviço Social, a Resolução CFESS nº 554/2009 dispõe sobre o não reconhecimento da inquirição das vítimas crianças e adolescentes no processo judicial, sob a Metodologia do “Depoimento Sem Dano/DSD”, assegurando que não se trata de atribuição ou competência do/a profissional assistente social
A alegação de que técnica semelhante ao “depoimento sem dano” já existe em outros países e que tal experiência, no Brasil, vem se expandindo não significa que tenha havido consenso para esta implantação no Brasil, bem como não significa, de nenhum modo, que o debate deva ser suprimido no país. E, por isso, compreendemos que deve ser urgentemente retirado apenas do âmbito da justiça para tratá-lo na perspectiva do Sistema de Garantia de Direitos.
Ainda que a participação da criança vítima ou testemunha de crime possa trazer elementos para a responsabilização do/a ofensor/a sexual, não se pode desconhecer a complexidade e as diversidades de elementos e dificuldades envolvidas em tal participação, uma vez que a criança vítima e/ou testemunha é particularmente vulnerável, necessita de proteção especial, assistência e suporte apropriado à sua idade, nível de maturidade e necessidades específicas, para prevenir danos e traumas, que podem resultar de sua participação em processo da justiça criminal.
Por isso, quando se julga adequada a participação da criança, ou quando ela própria manifesta vontade de ser ouvida, deve ser tratada de forma especial durante todo o processo judicial, levando-se em consideração sua idade, desejos, compreensão, gênero, orientação sexual, identidade de gênero, etnia, cultura, religião, formação linguística, condição socioeconômica, bem como as necessidades especiais de saúde e assistência, dentre outras. Não é demais, portanto, asseverar a absoluta prevalência dos interesses superiores da criança, isto é, a garantia da promoção e da proteção dos seus direitos fundamentais, na qualidade de sujeito de direito, mesmo que em peculiar condição de desenvolvimento.
A expansão de salas de “inquirição especial” ou “depoimento sem dano”, hoje também se depara com a construção de protocolo padrão, como um modelo a ser implantado no Brasil, conforme objetivo explicitado em uma Portaria, que criou em 2012 o Grupo de Trabalho para Proteção das Crianças Vítimas de Violência Sexual, no âmbito do Ministério da Justiça. Tal grupo nasceu para formular e propor um protocolo padrão de procedimentos para atuação em casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Coordenado pela Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, está composto da seguinte forma:
I-Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça – SRJ/ MJ;
II-Secretaria de Segurança Pública do Ministério da Justiça – SENASP/ MJ;
III- Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça – SAL/ MJ;
IV-Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/ PR;
V-Conselho Nacional de Justiça – CNJ;
VI-Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA;
VII-Instituto WCF-Brasil (Childhood Brasil); e
VIII-Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF – Brasil.
A representação do CONANDA foi feita pela conselheira suplente do Conselho Federal de Psicologia (CFP) na gestão anterior do Conselho Nacional, que participou de uma única reunião em 7/11/2012, quando foi analisado o “Regimento Interno do Grupo de Trabalho”, não tendo ocorrido nenhuma deliberação, o que nos tomou de surpresa o envio em dezembro de 2012, pela ONG Childhood Brasil, componente do GT, de um protocolo para apreciação do CONANDA.
Sem entrarmos, neste momento, em considerações sobre o conteúdo substantivo do documento intitulado “Protocolo de Entrevista Forense com Crianças e Adolescentes Vítimas ou Testemunhas de Violência Sexual”, queremos dar destaque, quando a “Apresentação” do documento afirma que o mesmo teria sido enviado para consulta ao CONANDA, ao Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e ao CFP, dentre outros órgãos e organizações, e que as contribuições advindas do processo de consulta foram levadas em consideração na versão ora apresentada.
Importa registrar que, embora prevista a participação de convidados/as representantes de outros órgãos, entidades da administração pública, organismos internacionais e entidades da sociedade civil, para subsidiar os trabalhos do grupo, o CFESS não foi, em nenhum momento, convidado, assim como não participou de reunião do referido Grupo, sendo, portanto, inverdade a afirmação de manifestação sobre o documento, não tendo, portanto, apoio ou contribuição sido dada, uma vez que tal protocolo nunca chegou ou foi objeto de discussão e deliberação pelo colegiado pleno do CFESS, assim como não o foi pelo CFP, de acordo com informações deste Conselho.
Na primeira reunião de 2013, destinada ao planejamento da atual gestão do CONANDA, ocorrida de 19 a 21 de fevereiro, gestão em que temos titularidade na representação, como organização da sociedade civil, o CFESS e o CFP, por meio de suas representantes, pautaram para a agenda do Conselho, passando pela Comissão de Direitos Humanos e Ação Parlamentar (CDH/AP), para que tal matéria seja discutida pela Plenária do CONANDA, como instância máxima de deliberação e monitoramento das políticas e ações voltadas à criança e ao/à adolescente, a fim de deliberar posicionamento e, principalmente, agenda de incidência, com base nos seguintes pontos:
I-discussão da participação do CONANDA no GT/MJ;
II-parecer sobre o protocolo enviado pela Childhood Brasil em 2012 à então presidente do CONANDA, repassado à representação do CFP;
III-incidência para a revisão do Código de Processo Penal no artigo que diz respeito à escuta de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
Em 13 de março, foi assinado, pela Presidência da República, o Decreto nº 7.958, que “Estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde”, que, em uma avaliação prévia, indica não se tratar de processo de apuração e julgamento de crimes sexuais contra crianças e adolescentes, mas de atedimento a todas as pessoas vítimas de violência sexual no sistema de saúde, o que se diferencia da inquirição/escuta judicial para responsabilização penal, tônica do chamado “depoimento sem dano”.
Reafirmamos o compromisso do Conjunto CFESS-CRESS com a interlocução e articulação com outros sujeitos coletivos, que pactuam das preocupações sobre as bases teórico-políticas e programáticas, que justificam o processo de implantação das salas de “inquirição”, assentadas fundamentalmente na busca de responsabilização, atribuindo à fala da criança o ônus da prova contra o/a agressor/a. Processo este que ocorre à revelia de debate público, do conhecimento e controle pela sociedade, incluindo os conselhos de direitos e de políticas, em especial o CONANDA, que, insistimos, precisa ser ouvido como formulador e controlador das ações da politica nacional de direitos humanos de crianças e adolescentes.
Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)
Gestão Tempo de Luta e Resistência (2011-2014)
Fonte: CFESS
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