CRESS-MG entrevista convidada do Diálogos em Direitos Humanos

Publicado em 25/03/2013

A 2ª edição do ciclo de debates "Diálogos em Direitos Humanos” está se aproximando, e o CRESS-MG entrevistou Silene de Moraes Freire, uma das convidadas do evento, que acontece em BH, no dia 3 de abril, às 19h, no auditório do Sindicato dos Servidores Públicos do Estado de Minas Gerais (Sindsep), situado na Rua Curitiba, 689, 12º andar – Centro.
 
Doutora em Sociologia pela USP e professora da Faculdade de Serviço Social da Uerj, Silene é, também pesquisadora e militante da área de direitos humanos na América Latina, e, no debate, irá abordar o “O Significado Sócio-histórico dos Direitos Humanos, Questão Social e Democracia no Brasil”.
 
O evento é aberto ao público e tem como objetivo lançar, em Minas Gerais, a Campanha de Gestão do Conjunto CFESS-CRESS "Sem movimento não há liberdade". Saiba mais!
 
1. Diante da descrença generalizada da sociedade na política, e da conjuntura sociopolítica que se mostra adversa aos movimentos sociais brasileiros, quais desafios estão postos a esses grupos que atuam na luta pelos Direitos Humanos (DH)?
 
É importante ressaltar nossa concordância com as análises de José Paulo Netto ao mencionar que há, na atualidade, uma “redução da vitalidade dos movimentos sociais das classes e camadas subalternas, que se expressa na perda de ponderação de movimentos sociais capazes de colocar em pauta algo mais que reivindicações pontuais e particularistas”. Tal afirmação não significa negar a existência e/ou a importância dos movimentos sociais hoje, ao contrário, busca registrar a necessidade de compreensão das lutas sociais nessa nova etapa de subordinação massiva do trabalho ao capital.
 
Essa crítica também se adéqua aos movimentos que lutam pela garantia e efetivação dos DH, ou seja, não reduzir as reivindicações a questões pontuais, e sim, tentar entendê-las no contexto dessa etapa do capital.
 
As análises dos rumos dos movimentos sociais revelam que estamos diante de fortes descentramentos das subjetividades de classe e de verdadeiros transformismos de grupos radicais inteiros. No entanto, é preciso entender que as transformações sofridas por esses movimentos no Brasil e nos demais países latino-americanos, com a efetivação da agenda política neoliberal, não ocorreram por “geração espontânea”, nem por demanda de sua clientela, mas sim, abarcadas por diversas orientações encontradas nos principais documentos dos organismos multilaterais, como o Banco Mundial e a cartilha do Consenso de Washington.
 
Não por acaso, é possível constatar em diferentes países da região uma progressiva institucionalização dos movimentos sociais que passaram  a se estruturar como ONGs, facilitando, assim, o controle hegemônico do capital nos âmbitos social, político e econômico.
 
Ressalto, segundo as palavras de Virgínia Fontes, em seu artigo “Capitalismo, imperialismo, movimentos sociais e lutas de classes", que os movimentos sociais reivindicatórios “são compostos por trabalhadores e precisam, mais do que nunca, estar atentos às formas de expansão contemporâneas do capital e de suas modalidades de subalternização, de passivamento e de redução do silêncio respeitoso através de um processo peculiar”, que pode ser definido como “conversão mercantil-filantrópica de movimentos sociais de base popular”.  
 
2. De que forma você avalia o papel do Estado e da sociedade ao lidarem com temas como a culpabilização dos pobres pela sua situação social e da tolerância zero, que segrega aqueles que a priori são culpados, como negros, imigrantes, homossexuais etc.?
 
Antes de entrarmos no cerne do nosso debate sobre criminalização dos movimentos sociais, é essencial ressaltar que, no Brasil, a nova fisionomia destes foi se constituindo apoiada pelo ciclo expansivo da economia, a partir da década de 1960, para ganhar seus contornos definidos já no processo de crise da ditadura militar.
 
No desenvolvimento da resistência democrática, esses movimentos foram ganhando características comuns e diferenciadas, conforme sua prática social e política. Em 1970, foram saudados por analistas como a nova face da sociedade civil, e, na década seguinte, foram criticados como meros grupos de pressão articulados por lobbies com interesses político-partidários e/ou religiosos. O fato é que os movimentos sociais inscreveram suas demandas em leis e projetos institucionais, e lutaram por espaços democráticos junto aos órgãos públicos. O grande saldo desse processo foi o caráter educativo e de aprendizagem que seus participantes tiveram.
 
Foi nesse contexto de reconhecimento dos “novos atores na cena política” que algumas organizações traçaram o perfil da sociedade civil portadora de um projeto democrático que se desejava construir em contraposição à ditadura militar. Face à extinção ou forte cerceamento dos partidos populares, sindicatos e organizações representativas dos interesses dos trabalhadores na cena política, os movimentos sociais construíram sua trincheira, sob formas mais ou menos espontâneas, de defesa e resistência, ao redor de suas reivindicações.
"Se ampliarmos os horizontes de nossas reflexões, podemos perceber que as gêneses históricas da criminalização dos movimentos sociais remetem a outras questões que precisamos compreender. Afinal, ninguém transforma aquilo que não conhece."
É no contexto das lutas que eclodem nos anos 1980, que em 1984 ocorre o 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Foi nesse evento que se deu a fundação do MST, com o objetivo de buscar a redistribuição das terras improdutivas. É justamente o MST o movimento que conhecerá mais de perto os processo de criminalização na contemporaneidade aqui discutidos, embora tal criminalização faça parte da história de grande parte dos movimentos sociais nacionais.
 
Se ampliarmos os horizontes de nossas reflexões, podemos perceber que as gêneses históricas da criminalização dos movimentos sociais remetem a outras questões que precisamos compreender. Afinal, ninguém transforma aquilo que não conhece.
 
O Brasil é um país de criminalizações, se as mesmas centravam-se nos movimentos sociais, hoje elas dominam temas diretamente ligados à pobreza, mais que isso, elas se transformaram em políticas de um Estado Penal que criminaliza os pobres como forma de controle.
 
Entretanto, é bom termos claro que apesar das alternativas às “novas” expressões da “questão social” estarem sendo as políticas voltadas para a pobreza, tais políticas apenas confirmam e legitimam a “subalternatização” de vastos segmentos por meio de benefícios que não constituem uma legítima apropriação dos resultados da economia. Como afirma Maria Carmelita Yazbek, “são apenas débito a fundo perdido, preço a pagar pela sustentação de uma economia cuja dinâmica bane e descarta parcelas da população”.
 
A compreensão das expressões da “questão social” e de suas formas de enfrentamento na contemporaneidade impõem lembrar que o reconhecimento de direitos, mesmo os garantidos constitucionalmente, não vem se constituindo historicamente como atributo efetivo das políticas sociais em nosso país. No vasto campo de atendimento das necessidades sociais das classes subalternas, administram-se favores. O período de mais de um século de clientelismo consolidou uma cultura política tuteladora que não favorece o “protagonismo” nem a emancipação dessas classes em nossa sociedade. O modelo atual reforça as abordagens despolitizadas da “questão social”, colocando-a fora da esfera pública, fora da esfera dos direitos e, portanto, distante da efetivação da cidadania
 
3. Quais as contribuições do Serviço Social para a garantia dos direitos sociais, econômicos e políticos, e quais desafios se apresentam a este profissional, em face dessa grande demanda?
 
É indiscutível que enquanto concepção de enfrentamento da questão social, as estratégias predominantes que se autodefinem como inovadoras na política social contemporânea se mostram bem menos ambiciosas do que aquelas que se propõem a renovar. Apresentam-se, principalmente, de maneira menos ousada, na medida em que se eximem da discussão teórica, ocultando-se sob os véus da empiria e do consenso, como já dizia Maria Lúcia Werneck Vianna.
 
Nesse contexto, não seria exagero afirmar que as mesmas nos colocam ainda mais distantes da esfera dos direitos. Estamos, assim, em pleno século 21, no Brasil, frente a uma realidade que naturaliza uma espécie de nem direitos, nem humanos. 
 
As críticas à possibilidade de efetivação dos DH não podem negar que as lutas pelos mesmos permitem afirmar a importância da resistência em face do avanço das diversas formas de desumanização que temos assistido, também são capazes de fortalecer ações de denúncia sobre violações e aviltamentos contra a dignidade humana, além de dar visibilidade a práticas voltadas para o reconhecimento social de muitos seguimentos oprimidos. Todas essas lutas não cabem nos limites do capitalismo e constituem o que Gramsci definiu como “guerra de posição”.
 
Portanto, conforme cresce a barbárie, mais necessária é a luta em defesa dos DH. Como observou Lúcia Barroco, se esses direitos podem servir à apologia do capitalismo, contribuindo para o ocultamento das formas de degradação da vida humana, o seu desvelamento crítico e seu alargamento podem ser considerados como uma estratégia de resistência, no universo da luta de classes, no interior das lutas mais gerais dos trabalhadores e dos movimentos democrático-populares, em sua articulação com um projeto de emancipação sociopolítica e humana.  
 
Nesta direção, o Serviço Social necessita efetivar, na sua agenda cotidiana, a defesa intransigente desses direitos, se pretende garantir os princípios de seu projeto ético-político. Se a vinculação entre os DH e suas determinações sócio-históricas torna evidente os limites de sua realização, isso coloca, ao mesmo tempo, a  exigência de sua defesa, tendo em vista o contexto de desumanização em  curso.
 
Nesse sentido, no âmbito do Serviço Social, é possível eleger a liberdade e a democracia – como valor ético e princípio político -, contando, então, com um rumo ético e uma medida política – importantes instrumentos de um projeto profissional na defesa dos DH.
 
A maior contribuição do Serviço Social nessa direção é buscar desvendar as armadilhas dos DH, demonstrando que os mesmos não são efetivados sem os demais direitos sócio-econômicos e culturais. 

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