Entrevista – Serviço Social na Educação

Publicado em 08/05/2012

(Versão estendida da entrevista publicada na Revista Conexões Geraes)

No dia 29 de março, o Seminário Estadual sobre Serviço Social na Educação reuniu 240 pessoas em Belo Horizonte. O evento, organizado pelo GT Serviço Social na Educação do CRESS-MG, gerou um debate a respeito de um espaço sócio-ocupacional que possibilita a inserção do assistente social numa perspectiva transformadora, pois dialoga o espaço escolar com a dinâmica da realidade social.

A repercussão positiva e o interesse dos participantes chamaram a atenção. Apesar disso, o debate é ainda incipiente, na avaliação de Janaína Andrade, coordenadora do GT Serviço Social na Educação. “Nós observamos que muitos profissionais estavam atuando na área de forma isolada, sem um espaço para troca de experiências. O entusiasmo dos participantes foi tanto que ficou evidente a importância desse intercâmbio de conhecimentos”, avaliou.

Janaína é atualmente assistente social no Colégio Frei Orlando, no bairro Carlos Prates. Com a experiência de quem já atuou tanto em escolas públicas como em particulares, traz na bagagem um conjunto de conhecimentos teóricos e práticos. Nesta entrevista, ela discute como o assistente social pode contribuir com o caráter formador das instituições de ensino.

De que forma o Serviço Social aborda a educação como campo sócio-ocupacional?

A educação se constitui como uma política social pública. Ela demanda o envolvimento de diferentes sujeitos sociais e diversas categorias profissionais. Nesse contexto, vem se fortalecendo a atuação do assistente social. Um dos principais desafios do assistente social na atualidade é compreender a realidade a partir de sua leitura crítica, propondo um exercício profissional convergente com o nosso projeto eticopolítico. Temos como objetivo caminhar com os diversos movimentos pela defesa de políticas públicas de qualidade para todos. No campo da educação, devemos nos articular com os demais atores e promover debates que protagonizem e valorizem um ensino voltado para a emancipação do homem. Esta luta não é exclusiva dos assistentes sociais do campo da educação, mas também dos diversos atores atuantes na área, incluindo, evidentemente, a sua população usuária.

A escola ensina matemática, português, geografia, história, etc. Esses conhecimentos são transmitidos por meio das disciplinas. Mas a escola também tem o papel de formar cidadãos conscientes de seus direitos. É comum ver publicidade de escolas dizendo que “preparam o aluno para a vida”. Qual o papel do assistente social nessa tarefa?

A escola é um dos pilares da sociedade. Ela reflete todos os processos presentes no meio social. E é por isso que surge a demanda do assistente social. Ali, há um espaço privilegiado para trabalhar com os alunos e as famílias temas como baixo rendimento escolar, drogas, violência, gravidez precoce, etc. Ao mesmo tempo, o assistente social tem um papel na formação da cidadania de crianças e jovens. A cidadania é uma temática interdisciplinar, que abrange questões ligadas à política, ao direito, ao meio-ambiente, etc. Esse conteúdo pode ser trabalhado nas disciplinas básicas e também em atividades extracurriculares, como as oficinas. Para isso, é importante envolver os professores e a coordenação pedagógica. Os grêmios estudantis, geralmente, também são bons aliados e, muitas vezes, tem maior facilidade de inserção no corpo de alunos.

Qual a importância do planejamento no trabalho do assistente social que atua na escola? Que tipos de estudos e levantamentos podem auxiliar nesse planejamento?

Nós planejamos nosso calendário de atividades juntamente com a coordenação pedagógica, tomando por base as experiências do ano letivo anterior. O planejamento nos permite ter uma visão geral do trabalho. Através dele, nossa ação é mais elaborada e mais assertiva. Mas não pode ser um planejamento enrijecido. A flexibilidade deve existir para que, diante de situações inesperadas, possamos fazer mudanças nas atividades previstas. Às vezes um tema que acreditávamos estar bem assimilado pelos alunos pode reaparecer em decorrência de alguma determinada situação.

Frente aos grandes desafios impostos ao Serviço Social, na defesa da educação enquanto direito social e dever do Estado, bem como um campo de atuação profissional, qual o posicionamento do Conjunto CFESS/CRESS?

Penso que os desafios de defesa e luta por uma educação como direito social não são particulares do Serviço Social, mas do conjunto da sociedade. O Conjunto CFESS/CRESS, em articulação com a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), com a Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social (ENESSO), engrossam as fileiras, juntamente com outras entidades e movimentos sociais, na luta pela educação pública, de qualidade e como direito de todos/a. Essa luta ganha destaque com a campanha do Dia do Assistente Social deste ano.

Como o CRESS-MG tem articulado a categoria mineira para fomentar discussões sobre a educação, não só como política social, mas também como campo de atuação profissional, no âmbito do estado?

Uma das ações que ganha destaque neste momento é a criação do GT Serviço Social na Educação, que conta com a participação de vários profissionais que atuam na política de educação.  De forma coletiva, eles nos ajudaram na construção do  Seminário Estadual Serviço Social na Educação. Nosso objetivo agora é potencializar as discussões sobre a atuação do assistente social na política de educação e, não tenho dúvida de que a nossa participação no Seminário Nacional Serviço Social na Educação, que ocorrerá em Alagoas, em junho, contribuirá para aprofundar as reflexões e qualificará as nossas discussões e estratégias de luta em Minas Gerais.

Como estimular uma articulação entre família e professores na formação do aluno?

O assistente social tem um papel de mediador em diversas situações, não apenas na educação. Ele facilita o diálogo, o debate e o entendimento. Na escola, as reuniões são instrumentos valiosos para que pais, alunos, professores e coordenadores pedagógicos possam discutir e refletir sobre determinadas questões, buscando uma solução consensual. Cabe ao assistente social planejar estes encontros e orientar as discussões em cima de questões que estão sendo observadas no cotidiano da escola.

Jovens em uma condição de maior vulnerabilidade social, muitas vezes, apresentam dificuldades de acesso e permanência tanto no ensino básico, como no ensino superior. De que forma o assistente social pode intervir, junto à direção da instituição, para garantir ações e medidas que impeçam a evasão?

A questão do acesso e permanência é uma questão mais delicada na escola pública, embora não seja inexistente na rede particular. Necessidade de trabalhar e gravidez inesperada são os principais motivos que levam jovens a abandonar os estudos. O assistente social precisa estar atento e acompanhar os alunos que se encontram nessa situação. Deve observar a assiduidade e sempre dialogar muito, para saber se há dificuldade em conciliar as aulas com as demais atividades. Em alguns casos, podem ser sugeridos ao aluno um outro tipo de trabalho, que lhe sobrecarregue menos. O assistente social também deve intervir junto à coordenação pedagógica e à direção para serem compreensíveis, oferecendo maior suporte a esses estudantes. Aulas de reforço em horários favoráveis e flexibilidade na remarcação de provas são formas de estimular o estudante a se manter matriculado.

Quando há o diagnóstico de que um aluno está sem interesse pelo aprendizado ou apresenta baixo rendimento, como estimulá-lo a reverter esse quadro?

É sempre importante conhecer o contexto em que um determinado problema se situa. Quando diagnosticamos um baixo rendimento escolar, realizamos conversas com o aluno e a família, para buscar possíveis causas da situação. Problemas de relacionamento em casa, separação dos pais, influência de amigos e diversos outros fatores podem gerar um desinteresse pelas aulas e estudos, tendo como consequência uma nota baixa. A abordagem diferencia de pessoa pra pessoa. Não há soluções prontas como uma receita de bolo. As estratégias devem ser pensadas considerando a especificidade de cada caso e buscando o envolvimento dos professores e, em alguns casos, de psicólogos.

Discutir a questão das drogas, da violência e de gravidez na adolescência sempre foi uma tarefa complicada, rodeada de tabus. Hoje, embora ainda existam resistências, muitos estereótipos foram superados. Existe alguma preocupação mais recente que ainda é pouco compreendida pela sociedade e pelos profissionais que atuam na escola?

Nós temos observado que o estresse, a agitação, a turbulência e a contestação, que são características da sociedade contemporânea, estão afetando muitos estudantes do ensino fundamental. Isso gera dificuldades psicocognitivas. Nesse contexto, surgem diagnósticos de déficit de atenção, déficit de alfabetização, hiperatividade, transtorno desafiador opositivo, etc. Diante de quadros como esses, é importante a compreensão e a participação de todos os atores da escola. Alguns fatores podem complicar a situação, tais como pais ausentes; dificuldade extrema de relacionamento com os amigos; problemas e dúvidas em relação à sexualidade que impeçam o seu desenvolvimento natural; cobrança excessiva em casa; falta de limites; conflitos exacerbados entre os pais; e excesso de atividades extracurriculares. Outro problema é que, muitas vezes, ocorre a rotulação das crianças e adolescentes no espaço escolar. Cria-se um modelo de aluno padrão e aqueles que fogem à regra são logo alvo de críticas.

Uma outra discussão que tem ganhado fôlego sobretudo na imprensa está relacionado ao chamado bullying. Tem sido comum a veiculação de reportagens que associam adultos com comportamentos violentos e traumas da infância. Trabalhar esse tema tem sido uma preocupação nas escolas?

O que hoje está sendo chamado de bullying sempre existiu. Trata-se apenas de uma nomenclatura moderna. É uma violência psicológica, social e física que se faz presente principalmente nas escolas. Piadas e apelidos são comuns entre crianças em idade escolar. Em alguns casos, geram problemas de autoestima e causam traumas. Quando a família é presente e dialoga mais com a criança, há menos riscos de desenvolvimento destes traumas. Mas a escola também tem o seu papel, de acompanhar as brincadeiras das crianças e discutir com elas os limites. Entretanto, no mundo contemporâneo, as redes virtuais criam um fator novo. Essas piadas e apelidos se dão fora do espaço escolar. E não é papel da escola e nem dos assistentes sociais monitorarem as ações dos estudantes na internet. Não temos a função e nem o direito de investigar a vida particular de cada um. O que devemos ficar atentos é se esses casos de bullying estão se refletindo no dia-a-dia da escola.

É presente no senso comum a ideia de que os problemas sociais têm muito impacto nas escolas públicas e pouco impacto nas escolas particulares.  Há correspondência entre esta ideia e a realidade? O que diferenciaria o trabalho do assistente social na escola pública e na escola privada?

Existem situações que se manifestam com mais frequência em cada uma delas. Na escola pública, por exemplo, a evasão escolar é maior. Por outro lado, questões como violência, drogas, precarização das condições socioeconômicas, gravidez e diversos conflitos no campo familiar estão presentes na realidade tanto de instituições públicas como das particulares. Entretanto, eu percebo que nas escolas privadas os casos concretos são maquiados, como se a vida do aluno fora dali fosse um tabu. A escola não quer intervir e, ao mesmo tempo, os pais não querem expor os filhos. O assistente social acaba tendo mais dificuldade na sua intervenção.

As novas tecnologias abrem outras possibilidades de trabalho? Que instrumentos da modernidade pode auxiliar o assistente social?

Existem diversas atividades que são planejadas a partir dessas novas ferramentas da era virtual. Fotografias, vídeos e filmes populares são exemplos de instrumentos que podem ser usados para discutir temas diversos. No Colégio Frei Orlando, nós também já organizamos uma oficina para debater como lidar com as redes sociais, enfatizando que elas podem ser bem ou mal utilizadas. E mais recentemente, propusemos uma atividade onde os alunos construíram um blog, através do qual os que têm mais facilidade em determinadas disciplinas fornecem uma monitoria para os demais. É uma forma de mostrar a eles como a internet pode ser bem utilizada.

Ainda pensando nos fazeres profissionais, o que mais podemos abordar?

O trabalho cotidiano do assistente social envolve ainda as visitas domiciliares, atendimentos sociais, abordagem de grupos, estudos socioeconômicos e diversas outras atividades. É preciso aprofundar o debate sobre a articulação entre os movimentos políticos e sociais e o exercício profissional, em suas relações junto aos usuários, estudantes, famílias e comunidade. Também é fundamental a articulação entre a educação e as demais políticas e programas sociais, considerando que certas questões não têm início e nem fim próprio no campo educacional.

Além das ações internas, o assistente social deve planejar atividades fora da instituição de ensino, apresentando ao aluno essa interação que existe entre a escola e o meio social?

As parcerias com instituições externas à escola permitem ampliar as possibilidades de trabalho do assistente social. Por exemplo, nós já realizamos oficinas sobre reciclagem em parceria com o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) e já levantamos o debate do protagonismo juvenil, juntamente com o projeto Parlamento jovem, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. A escola é parte da sociedade e, exatamente por isso, devemos promover um trânsito de informações com as demais instituições. Podemos trazer palestrantes para dentro da escola e, ao mesmo tempo, levar os alunos para fora dos muros.

Como as escolas atualmente têm encarado a necessidade de inserir o profissional de Serviço Social em seu cotidiano? Há resistências?

As escolas estão compreendendo cada vez mais a importância de manter um assistente social em seus quadros. Mas ainda há resistência. As figuras do professor, do diretor e do coordenador pedagógico são muito tradicionais. Os profissionais que ocupam essas posições já têm um espaço consolidado e sentem medo de ter seu território invadido. Adotam uma postura de defesa automática contra tudo aquilo que pareça uma ameaça. Mas na verdade, nossa atuação não invade espaços de ninguém. Ela cria um novo espaço e contribui com os demais. Aos poucos, as pessoas vão compreender melhor. Em Belo Horizonte, algumas instituições optam por encaminhar alguns casos para a rede dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), que possui profissionais especializados para atender alunos. Eles contribuem bastante com essa interlocução. Mas o assistente social no local tem mais condições e elementos para avaliar cada situação, e sua intervenção é mais próxima, rápida e eficaz.

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