Publicado em 30/09/2011
O Dia Latino-Americano e Caribenho pela Descriminalização e Legalização do Aborto, lembrado a cada 28 de setembro, é sempre marcado por manifestações ao longo de toda a América Latina e Caribe.
Aproveitamos a data para conversar a respeito do assunto com Maurílio Castro de Matos, mestre e doutor em Serviço Social respectivamente pela UFRJ e PUC-SP, assistente social da Secretaria Municipal de Saúde de Duque de Caxias, docente da Faculdade de Serviço Social da UERJ e conselheiro e integrante da Comissão de Ética e Direitos Humanos do CFESS, gestão “Tempo de luta e resistência” (2011/2014).
Também entrevistamos Marylucia Mesquita, mestra em Serviço Social pela UFPE, assistente social da Coordenadoria da Diversidade Sexual que é vinculada à Secretaria Municipal de Direitos Humanos de Fortaleza/CE, coordenadora do Núcleo de Formação e Pesquisa em Direitos Humanos LGBT, conselheira da gestão “Atitude crítica para avançar na luta” (2008/2011) e conselheira coordenadora da Comissão de Ética e Direitos Humanos do CFESS, gestão “Tempo de luta e resistência” (2011/2014).
Confira, ainda, o último CFESS Manifesta, cujo conteúdo foi relacionado à data!
Qual é o posicionamento do Conjunto CFESS/CRESS quando se debate a legalização do aborto?
Marylucia: O posicionamento do Conjunto CFESS/CRESS foi resultado de várias discussões pautadas, ora pelos CRESS junto à categoria, em nível local, ora pelo CFESS em nível nacional – a exemplo, o 38º Encontro Nacional CFESS/CRESS realizado em Campo Grande/MS em setembro de 2009. No entanto, vale ressaltar, pelo menos, dois momentos bem significativos. Na ocasião do Encontro Nacional, houve uma mesa intitulada “O Trabalho do/a assistente social e a questão do aborto”, que teve como palestrantes: Pedro Kemp – Deputado Estadual/MS; Francisca Chaves – assistente social do CISAM/PE e Verônica Ferreira – assistente social do SOS Corpo – Instituto Feminista para Democracia.
O objetivo foi oferecer subsídios para tomada de posição do Conjunto. Além desse momento, houve, ainda, a Revista Inscrita nº 11, organizada e coordenada pelo CFESS e que abriu espaço ao debate por meio da seção “Em Discussão”. Naquela edição, o tema abordado foi “A polêmica sobre o aborto” e contou com o ex-procurador geral da República, Cláudio Fonteles; a médica sanitarista, Elcilene Leocádio e, novamente, Verônica Ferreira. Em 2009, o Conjunto deliberou sobre o apoio à luta pela descriminalização do aborto. E em 2010, durante o 39º Encontro Nacional CFESS/CRESS, em Florianópolis, o Conjunto delibera pelo apoio à legalização do aborto.
A deliberação aprovada foi a seguinte: “Divulgar amplamente posicionamento favorável à legalização do aborto, considerado como questão de saúde pública e como direito das mulheres, propondo políticas públicas que considerem os vários aspectos que envolvem estas questões, garantindo debates e eventos estaduais articulados às políticas públicas já existentes, bem como contemplando as implicações éticas e normativas profissionais do Serviço Social, contextualizados pelos recortes de classe e gênero e pelo caráter laico do Estado” (Relatório Final Encontro Nacional CFESS/CRESS, 2010, pág.19).
Quais são as características do modelo de legalização apoiado pelo Conjunto CFESS/CRESS?
Marylucia: Partimos de dados da realidade, conforme o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), no Brasil, são realizados um milhão de abortos clandestinos por ano. Fica notório que o aborto inseguro é uma realidade na vida das mulheres, portanto, um grave problema de saúde pública. Atualmente, existem inúmeros projetos de lei tramitando no Congresso Nacional que se colocam contra e a favor da interrupção da gravidez. A posição do Conjunto, em defesa da legalização do aborto, não é de forma indiscriminada e não significa uma prática arbitrária.
Para o Conjunto, esse posicionamento reconhece as mulheres como sujeitos éticos capazes de decidir com consciência e liberdade quanto à interrupção da gravidez. Vale lembrar que isso exige do Estado o comprometimento em efetivar política reprodutiva séria, impedindo a morte e evitando que milhares de mulheres de baixa-renda – predominantemente negras, permaneçam com a saúde ameaçada por práticas inseguras.
De que forma esse posicionamento reafirma o projeto ético-político do Serviço Social?
Maurílio: O projeto ético-político do Serviço Social tem suas origens na ruptura com o conservadorismo profissional e na afirmação de um fazer profissional comprometido com as necessidades dos/as seus usuários/as, ou seja, a classe trabalhadora. Tem como premissa a defesa intransigente da democracia e dos direitos humanos, logo, contra quaisquer totalitarismos e pelo direito de todos/as independente de classe, raça, religião, orientação sexual etc.
Um valor ético fundamental para o nosso projeto profissional é a liberdade, entendida como a possibilidade que todas as pessoas de serem livres, podendo realizar escolhas e se tornarem responsáveis por elas. Assim, defender a legalização do aborto, na perspectiva do projeto ético-político do Serviço Social, é reconhecer que a lei brasileira que criminaliza as mulheres vem impedindo uma vida digna a uma parcela importante da população com quem a profissão tem seu compromisso.
Por que descriminalizar o aborto?
Marylucia: Porque compreendemos que não é mantendo a criminalização do aborto que evitaremos a sua prática e, portanto, é necessário legalizar para enfrentar esse grave problema de saúde pública. O fato de o aborto ser considerado crime no Brasil penaliza diretamente as mulheres pobres, principalmente as mulheres negras, que têm menos acesso aos serviços de saúde e métodos contraceptivos. Segundo dados do IPAS (2008), estima-se que a cada ano, mulheres ricas e pobres realizam cerca de 1.042.243 de abortamentos inseguros. Para aquelas que têm recursos, o aborto está disponível em clínicas particulares com métodos tecnologicamente avançados e atendimento humanizado.
No entanto, para mulheres pobres, o aborto representa um grave perigo, uma vez que é praticado em clínicas clandestinas em condições extremamente precárias. Ainda segundo dados do IPAS, as mulheres negras estão submetidas a um risco de mortalidade em consequência de abortamento três vezes maior que as mulheres brancas. Mulheres de classes média e alta pagam, em média, de 500 a 600 dólares para fazer um aborto em condições de perfeita higiene e segurança – o que contribui para que o aborto clandestino se constitua um dos negócios mais lucrativos do Brasil, ao lado do tráfico de armas e de drogas e das redes de prostituição. Se for legalizado, o abortamento afetará as clínicas clandestinas, que faturam milhões de dólares e fazem lobby no Congresso Nacional para impedir a legalização.
Portanto, conforme a Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (2005), a criminalização da prática do aborto tem sido muito eficiente para manter uma indústria lucrativa de aborto ilegal, sustentada pelas mulheres que podem realizá-lo em condições seguras nas clínicas especializadas e, também, por aquelas que mesmo não dispondo dessas mesmas condições o fazem e o pagam segundo suas possibilidades, expondo-se às sequelas e riscos de morte devido às condições inseguras.
Na sua opinião, o que mudaria com a descriminalização do aborto no Brasil?
Maurílio: Teríamos um país mais democrático com respeito à diversidade humana. Legalizar o aborto é garantir às mulheres que precisam recorrer a esse procedimento, fazê-lo sem riscos de morte, sem agravos à sua saúde e sem medo de ser presa. Certamente melhoraríamos a saúde das brasileiras, já que o aborto é a terceira causa de morte materna no país.
Ninguém é a favor do aborto, nós somos, sim, a favor da vida. Legalizar o aborto é garantir esse direito humano. As pessoas que forem contra o aborto continuarão a poder exercer também esse direito. O que não podemos é, em pleno século XXI, aceitar a maternidade compulsória. Ser mãe deve ser uma escolha.
Quais são as diferenças encontradas na América Latina, em relação ao resto do mundo, quando se debate a descriminalização do aborto?
Maurílio: Com exceção de Cuba e da capital do México, em todos os outros lugares da América Latina o aborto é considerado crime. Nos Estados Unidos, o aborto é legalizado desde anos 1970 – o que não significa que lá o serviço esteja disponível para todos, uma vez que como o serviço de saúde é privado, muitas seguradoras não têm incluído a interrupção da gravidez no rol dos serviços prestados.
Na Europa, a maioria dos países tem o aborto legalizado, como é o caso da França, Espanha e Portugal. Nesse último país, por exemplo, as mulheres têm o direito de interromper a gestação até a sua 10ª semana, podendo recorrer ao serviço público de saúde com direito, se quiser, ao aconselhamento com profissionais de Serviço Social e da Psicologia.
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